Medidas populares anunciadas pelo governo,
como a desoneração da cesta básica e a redução da tarifa de energia
elétrica, demoram a beneficiar os consumidores e desconto não é
integral. Entenda por quê
Mariana Queiroz Barboza
Já é uma tradição no Brasil. Toda vez que o governo vem a público
anunciar medidas populares, que reduzem os custos de produção, facilitam
o acesso ao crédito e ampliam o poder de compra dos consumidores, os
benefícios demoram a chegar à ponta. Quando finalmente as benesses são
repassadas à população, os percentuais não conferem com aqueles
prometidos com pompa e circunstância em rede nacional de tevê. A
história se repetiu com os pacotes de bondades anunciados pela
presidenta Dilma Rousseff. Primeiro, a redução dos juros não foi
percebida em sua totalidade. Mesmo o Banco Central tendo cortado a taxa
básica (Selic) em 5,25 pontos percentuais nos últimos dois anos, os
bancos foram extremamente cautelosos em repassar os cortes às taxas
cobradas das empresas e das pessoas físicas. Antes, a própria presidenta
teve que comprar uma briga pública contra os spreads (diferença entre o
que o banco paga e cobra pelo dinheiro) e forçar a queda real dos juros
por meio dos bancos públicos para que, meses depois, o benefício
chegasse a todas as linhas de crédito.
Como o principal pilar do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)
tem sido o consumo das famílias – que avançou 3,1% no ano passado –, a
queda dos preços da cesta básica, anunciada em 8 de março, também tem
sido acompanhada pelo governo. Após dizer que retiraria a cobrança de
impostos federais (PIS/Cofins) de oito produtos da cesta básica, Dilma
afirmou: “Conto com os empresários para que isso signifique uma redução
de pelo menos 9,25% no preço das carnes, do café, da manteiga, do óleo
de cozinha e de 12,5% na pasta de dentes e nos sabonetes, só para citar
alguns exemplos.” A redução efetiva, contudo, não deve passar de 4,5%,
segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese). Até agora a baixa de preço nas prateleiras não
chegou sequer a 3%. Na semana passada, a Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe) mostrou que, no município de São Paulo, os
preços dos produtos desonerados recuaram 2,79% (o equivalente a R$ 2,48)
entre a primeira e a segunda semana de março. Mas por que a
discrepância? “O governo fez uma promessa sobre algo que não controla”,
diz Heron do Carmo, professor de economia da Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo. “Os preços desses produtos
são influenciados não só pelos tributos diretos, mas por outras etapas
de produção, pela negociação entre supermercados e fornecedores e pela
relação entre oferta e procura, entre outros fatores.”
Segundo o economista da USP, cervejas e cigarros, que podem ter
preços sugeridos pelos fabricantes, são exemplos de produtos
industrializados nos quais o impacto direto da desoneração poderia ser
mensurado de forma mais precisa. Na avaliação do Dieese, a renúncia
fiscal no caso da cesta básica, que custará ao governo R$ 5,5 bilhões
neste ano, é mais uma medida da chamada “reforma tributária fatiada”.
“Um dos principais problemas dessa reforma é o fato de ela não permitir
uma visão de conjunto sobre suas repercussões”, disse em nota. O
vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Ronaldo
dos Santos, afirma que a entidade tem orientado os associados a negociar
com os fornecedores para fazer o repasse chegar aos clientes. Em outros
casos, a decisão sobre o desconto está diretamente nas mãos dos
varejistas. “A carne bovina, por exemplo, já estava desonerada na cadeia
de produção, com exceção do varejo, mas, devido a créditos tributários,
a alíquota paga não era de 9,25%, mas de 3,75% a 6%”, diz ele. Em
outras palavras, considerando apenas a isenção fiscal, o desconto máximo
no preço da carne será de 6%. Para o café, a expectativa não passa de
4%.
DECEPÇÃO
Redução de 9% no preço dos produtos da cesta básica,
anunciada pelo governo, ainda não chegou às prateleiras
A teoria econômica, que trata do comportamento dos agentes, mostra
que, se o custo de produção for reduzido, isso terá um efeito positivo
no valor final. A prática demonstra que esse cálculo não é tão simples.
Os economistas de mercado têm outra explicação para o fato de o repasse
aos consumidores não corresponder aos valores anunciados oficialmente: a
ampliação das margens de lucro. Para o Departamento de Pesquisas e
Estudos Econômicos do Bradesco, embora o setor de supermercados tenha
bastante concorrência, “haverá alguma recomposição de margem por parte
do varejo”. O precedente foi aberto no ano passado, quando cerca de 16%
do corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para
automóveis e 60% do benefício para a linha branca (eletrodomésticos)
foram apropriados pelos empresários e não subtraídos dos valores finais.
Com a prorrogação da isenção do IPI, o IBGE notou que os preços de
alguns automóveis novos até aumentaram devido à maior procura dos
consumidores, que foram atraídos pela propaganda do desconto. Foi nesse
momento que as concessionárias aproveitaram para expandir ainda mais sua
margem de lucro. Ou seja, não basta a vontade política do governo. É
preciso fiscalização e acompanhamento para que espertezas não surjam
pelo caminho. Em um cenário de baixo crescimento e inflação
persistentemente próxima ao teto da meta (6,3% nos últimos 12 meses), a
prática preocupa. A expectativa sobre a desoneração da cesta básica é
que baixe a inflação em até 0,6 ponto percentual.
De olho no controle da inflação, o governo tem lançado mão de todas
as cartas para impedir o início de um ciclo de juros mais altos pelo
Banco Central. Anunciada em setembro do ano passado, a redução na conta
de luz foi a medida mais popular tomada nesse sentido. Em 23 de janeiro,
a presidenta voltou à tevê e ao rádio para dizer que, a partir do dia
seguinte, as tarifas da energia elétrica cairiam, ao menos, 18% para as
residências e até 32% para a indústria. Até a semana passada, porém,
muitos brasileiros ainda não tinham visto a conta mais barata. De acordo
com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que
coordenou uma campanha pelo barateamento da eletricidade, isso ocorre
porque, nas cobranças recebidas em fevereiro, “há medições feitas em
datas anteriores à aplicação do percentual de redução.” Além disso, a
Fiesp esclarece que, em alguns lugares, a conta pode subir por causa dos
reajustes anuais de cada distribuidora, que incluem a correção com base
nos índices de inflação e a variação dos custos com a compra de energia
das concessionárias.
Pensando em agradar aos consumidores de baixa renda, o governo agora
estuda desonerar o diesel e o setor de transporte coletivo urbano. O
estudo de viabilidade está em análise final no Palácio do Planalto. A
manutenção e até a diminuição, em alguns casos, da tarifa das passagens
de ônibus e metrô terá impacto direto no bolso dos trabalhadores, no
momento em que a Dilma vê sua popularidade crescer para 79%. Até agora, o
governo abriu mão de mais de R$ 7,3 bilhões em impostos ao ano, mas,
nas palavras da presidenta, “os benefícios para as pessoas e a economia
compensam esse corte na arrecadação.” Ao anunciar a redução da cesta
básica, Dilma afirmou: “Você, com a mesma renda que tem hoje, vai poder
aumentar o consumo de alimentos e produtos de limpeza e, ainda, ter uma
sobra de dinheiro para poupar ou aumentar o consumo de outros bens.”
Vontade política não falta, mas o resultado ainda não chegou lá.
Foto: Pedro dias/Ag. IstoÉ
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