Os sete jurados condenaram, na madrugada deste domingo (21), 23
policiais militares pela morte de 13 presos, em 1992, na Casa de
Detenção do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo.
A pena é de 156 anos de prisão para cada, mas eles podem recorrer em
liberdade. Três dos 26 réus foram absolvidos. A sentença foi lida pelo
juiz José Augusto Nardy Marzagão à 1h15 no Fórum da Barra Funda, na Zona
Oeste.
A decisão dos jurados e a sentença ocorrem depois de um longo dia de
debates entre defesa e acusação, com uso da réplica e da tréplica. A
última fase antes da votação dos jurados começou durante a manhã e
terminou às 21h25, com a fala da advogada de defesa, Ieda Ribeiro de
Souza. Depois, os jurados responderam mais de 1,5 mil perguntas na sala
secreta. Foram usadas 290 folhas de questionário para cada jurado.
O júri absolveu Maurício Marchese Rodrigues, Eduardo Espósito e Roberto
Alberto da Silva, como havia pedido o Ministério Público. O promotor
Fernando Pereira da Silva também pediu que os jurados desconsiderassem
duas das 15 vítimas. Segundo ele, esses detentos foram mortos por golpes
de arma branca, o que pode significar que foram assassinados pelos
próprios presos. Por isso, os 23 PMs foram condenados por 13 mortes.
Advogada de defesa diz que já recorreu da
sentença (Foto: Nathália Duarte/G1)
Os réus condenados são: Ronaldo Ribeiro dos Santos, Aércio Dornelas
Santos, Wlandekis Antonio Candido Silva, Antonio Luiz Aparecido
Marangoni, Joel Cantilio Dias, Pedro Paulo de Oliveira Marques, Gervásio
Pereira dos Santos Filho, Marcos Antonio de Medeiros, Paulo Estevão de
Melo, Haroldo Wilson de Mello, Roberto Yoshio Yoshikado, Salvador
Sarnelli, Fernando Trindade, Argemiro Cândido, Elder Tarabori, Antonio
Mauro Scarpa, Marcelo José de Lira, Roberto do Carmo Filho, Zaqueu
Teixeira, Osvaldo Papa, Reinaldo Henrique de Oliveira, Sidnei Serafim
dos Anjos e Marcos Ricardo Poloniato.
A advogada de defesa, Ieda Ribeiro de Souza, disse que já entrou com o
recurso contra as condenações. "Eu vi com muita frustração. A diferença
foi de um voto. Eu não esperava nenhuma condenação", disse ao deixar o
fórum. "A condenação não reflete o pensamento da sociedade. Um único
jurado definiu o futuro desses homens", lamentou.
O promotor disse que saiu "muito satisfeito". "A Promotoria de Justiça
está absolutamente satisfeita. Tivemos a acolhida pelo Tribunal do Júri e
a punição aplicada pelo magistrado foi adequada", afirmou. O outro
promotor do caso, Marcio Friggi, defendeu a corporação e reforçou a
necessidade de punição "a maus policiais".
Promotores comentam decisão ao deixar fórum
neste domingo (Foto: Nathália Duarte/G1)
O promotor afirmou ainda não saber se haverá nova acusação sobre um dos
réus absolvidos neste júri – por estar em um pavimento diferente do
julgado neste caso. “Isso vai demandar ainda uma análise detalhada sobre
a viabilidade jurídica de se apresentar ou não uma nova denúncia contra
ele”, disse Fernando Pereira.
Questionado sobre o balanço da sentença, anunciado pela defesa, Márcio
Friggi disse que não é possível afirmar que a decisão ocorreu por quatro
votos a três. “O júri se decide por maioria de votos. Não sei qual é a
base dessa afirmação [do placar de 4x3]. Isso não correu para todos os
quesitos. As respostas não são todas abertas. Assim que é apontada a
maioria, o juiz encerra a abertura. Então não foi possível definir esse
número”, disse.
20 anos depois
O julgamento do massacre no Carandiru ocorreu mais de 20 anos após a
invasão na Casa de Detenção, na Zona Norte de São Paulo. A ação terminou
com a morte de 111 presos após a Polícia Militar entrar no Pavilhão 9
para controlar uma rebelião.
Desde 2 de outubro de 1992, quando a PM fez a invasão, somente um
acusado havia sido julgado: o coronel Ubiratan Guimarães. Ele foi
condenado em 2001 a 632 anos de prisão, em júri popular, por ter
dirigido a operação. Em 2006, o júri foi anulado pelos desembargadores
do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Meses depois da absolvição,
Ubiratan foi morto a tiros no apartamento onde morava, nos Jardins.
Neste júri, foram julgados 26 dos 79 policiais militares acusados de
participar da invasão. Os 26 réus responderam em liberdade pela morte de
15 deles no 1º andar do Pavilhão 9. Dois deles não puderam comparecer
ao júri devido a problemas de saúde, segundo o Tribunal de Justiça de
São Paulo.
Mais 53 PMs serão julgados posteriormente pelas mortes dos demais 96
detentos. O processo tem 57 volumes, 111 apensos e 50 mil páginas. Por
conta do número de réus, no entanto, a Justiça desmembrou o caso em
quatro partes ou júris diferentes, correspondentes aos andares
invadidos. O critério será julgar o grupo de policiais militares que
esteve em cada um dos pavimentos onde presos foram mortos.
Defesa x acusação
Os promotores Fernando Pereira da Silva e Marcio Friggi e a advogada de
defesa Ieda Ribeiro de Souza debateram durante todo o sábado,
apresentando as teses para o caso. A defesa criticou a acusação
“genérica”, que não especificou a conduta de cada policial, e a
Promotoria pediu a absolvição de três dos 26 policiais militares
acusados, além de reforçar a responsabilidade dos policiais sobre o
excesso na ação dentro do presídio.
A advogada dos réus se baseou em três focos para pedir a absolvição:
não há detalhamento sobre o que cada policial teria feito exatamente,
eles estavam cumprindo ordens e agiram em legítima defesa. "Falta ao
Ministério Público a individualização de conduta de cada um desses
homens. Da forma como foi feita a denúncia, cada policial vai responder
pelas 15 mortes, o que me faz crer que cada preso morreu 15 vezes.”
Outra estratégia da defesa foi desconstruir o depoimento do diretor de
disciplina da Carandiru Moacir dos Santos, que afirmou que nunca viu uma
arma de fogo no período em que trabalhou lá. "Assumir publicamente que
entravam armas na Casa de Detenção era assumir que o sistema
penitenciário já era falido, era assumir a própria incompetência", disse
Ieda.
Ela também desqualificou o testemunho do perito Osvaldo Negrini Neto,
que atesta em laudo ter vistoriado somente o térreo do Carandiru no dia
do massacre e, depois, retornado no dia 9 de novembro. "Como ele pode
dizer que os presos foram mortos no interior das celas se só esteve no
segundo pavimento um mês depois?", questionou.
Dos 26 policiais, três tiveram a absolvição solicitada pelo próprio
Ministério Público. O promotor explicou que Marchese e Espósito, que
eram tenentes à época, pertenciam à tropa do canil.
Apesar de os dois estarem portando fuzis e dispararem contra a segunda
barricada, eles não fizeram disparos dentro do segundo pavimento do
Carandiru e portavam armas para dar proteção aos cães, disse Pereira. Em
relação ao réu Roberto Alberto da Silva, o promotor disse que consta no
inquérito militar que ele atuou no terceiro pavimento do Carandiru, e
não no segundo. Por isso, ele deveria ser julgado em outra ocasião.
Sobre o argumento citado pelos réus em seus depoimentos, de que não era
possível atirar com precisão devido à fumaça e pouca visibilidade, o
promotor Márcio Friggi negou a condição ao reforçar o dado de que 85%
dos presos foram atingidos na região da cabeça e do pescoço. "Isso sem
precisão. Imaginem se tivesse precisão", disse.
O promotor reforçou ainda que não defende os presos mortos por seus
delitos, mas que considera que eles estavam cumprindo suas penas
adequadamente. "A lei também deveria ter sido aplicada para quem cumpria
sua pena", afirmou
Julgamento
O juiz José Augusto Nardy Marzagão iniciou o julgamento na
segunda-feira (15). Os trabalhos deveriam ter começado dias antes, mas
uma integrante do júri passou mal e o início do julgamento foi adiado em
uma semana.
No primeiro dia de julgamento, três sobreviventes do massacre afirmaram
que PMs executaram presos e alteraram a cena do crime. Um agente
carcerário e um perito criminal também foram ouvidos e disseram que as
tropas invadiram o segundo pavimento do Pavilhão 9 e, depois de matar
presos, atrapalharam a perícia e impediram o socorro às vítimas.
No dia seguinte, foram ouvidas as testemunhas de defesa. Foi a vez de
dar voz ao secretário da Segurança Pública à época, Pedro de Franco
Campos, à juíza Sueli Armani, de execuções penais, e ao ex-governador de
São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho. Fleury afirmou que a decisão de
entrar no presídio foi "necessária" e "legítima", apesar de ressaltar
que não estava à frente da operação.
O terceiro dia de trabalhos ocorreu após uma pausa na quarta-feira
(17), quando um dos jurados passou mal. Mesmo com os trabalhos retomados
na quinta-feira (18), o juiz terminou a sessão no plenário por volta
das 18h45, depois de diversas interrupções. Nesse dia, defesa e acusação
mostraram vídeos de reportagens da época.
No quarto dia de trabalhos e quinto dia de julgamento, os réus falaram
ao júri. Disseram ter ouvido disparos ao entrar na cadeia, denunciando o
suposto uso de armas de fogo pelos detentos. Um dos policiais admitiu
ter usado uma metralhadora durante a ação. Apenas quatro dos 24 PMs
presentes deram depoimento. Vinte decidiram permanecer calados, mas se
declararam inocentes das acusações.