Durante as eleições de 2012, o atual ministro da Agricultura, Antônio Andrade, autorizou uma operação com indícios de crime eleitoral para financiar a campanha do PP em Santos Dumont. Em gravação obtida por ISTOÉ, ele confirma o repasse
por Claudio Dantas Sequeira
Transcrição
do diálogo entre o então presidente do PMDB de Minas, hoje ministro da
agricultura, Antônio Andrade e o advogado da coligação PMDB-PT em Santos
Dumont (MG), Conrado Luciano Baptista.
Na conversa, ocorrida no dia 19 de dezembro
de 2012, Conrado pergunta sobre a doação no valor de R$ 100 mil do PMDB
mineiro para o candidato do Partido Progressista, adversário eleitoral
em Santos Dumont (MG). O atual ministro Antônio Andrade responde que o
dinheiro obtido pelo deputado federal João Magalhães (PMDB-MG) veio de
uma empresa e foi transferido para Luiz Fernando de Faria (PP-MG). O
repasse é considerado ilegal e, de acordo com especialistas em direito
eleitoral, tem indícios fortes de caixa 2. No diálogo, o ministro admite
que foi uma falha.
Advogado da coligação PMDB-PT em Santos Dumont (MG), Conrado Baptista
– O PMDB de Minas disse que não tinha dinheiro para repassar para nenhuma cidade (durante as eleições municipais de 2012). Só que os adversários do Partido Progressista alegam ter recebido uma doação de R$ 100 mil do PMDB.
– O PMDB de Minas disse que não tinha dinheiro para repassar para nenhuma cidade (durante as eleições municipais de 2012). Só que os adversários do Partido Progressista alegam ter recebido uma doação de R$ 100 mil do PMDB.
Então presidente do PMDB-MG, hoje ministro da Agricultura, Antônio Andrade
– É... vou te explicar. Esse é um recurso que o João Magalhães (PMDB-MG) tinha que repassar para o Luiz Fernando (PP-MG). O dinheiro chegou de uma empresa. Isso passou e eu nem deveria ter deixado passar.
– É... vou te explicar. Esse é um recurso que o João Magalhães (PMDB-MG) tinha que repassar para o Luiz Fernando (PP-MG). O dinheiro chegou de uma empresa. Isso passou e eu nem deveria ter deixado passar.
Conrado
– Mas por que fez isso? O PMDB fez os trâmites legais ou não sabia?
Antônio Andrade
– O PMDB nem sabia. Esse dinheiro não é do PMDB, o dinheiro é do Luiz Fernando via João Magalhães.
– O PMDB nem sabia. Esse dinheiro não é do PMDB, o dinheiro é do Luiz Fernando via João Magalhães.
Conrado
– Eu entendi, mas o problema é que eles colocaram na prestação de contas que foi o PMDB que deu, entendeu?
– Eu entendi, mas o problema é que eles colocaram na prestação de contas que foi o PMDB que deu, entendeu?
Antônio Andrade
– Mas não deveria ter deixado acontecer. Foi uma falha. Porque, apesar de o dinheiro não ser do PMDB, nós podíamos ter bloqueado e falado “olha, não tem como repassar”. O PMDB deveria ter pedido para a empresa repassar direto para o partido do Luiz Fernando.
– Mas não deveria ter deixado acontecer. Foi uma falha. Porque, apesar de o dinheiro não ser do PMDB, nós podíamos ter bloqueado e falado “olha, não tem como repassar”. O PMDB deveria ter pedido para a empresa repassar direto para o partido do Luiz Fernando.
Disputas políticas em pequenos municípios
costumam passar despercebidas num Brasil de dimensões continentais. Com
menos de 50 mil habitantes, a cidade mineira de Santos Dumont está
fugindo à regra. A eleição do prefeito, em 2012, virou alvo de uma
investigação na Justiça Eleitoral que bate à porta do gabinete do
ministro da Agricultura, Antônio Andrade. Então presidente do PMDB
mineiro, ele autorizou em meio à campanha municipal do ano passado uma
operação financeira considerada totalmente ilegal. O repasse, feito
inexplicavelmente a um adversário eleitoral, tem fortes indícios de
caixa 2 e lavagem de dinheiro, na avaliação de especialistas em direito
eleitoral.
Os fatos apurados por ISTOÉ indicam um caso emblemático, daqueles que se tornam explosivos apesar de terem tudo para não chamar a atenção. Uma pequena cidade, uma eleição de baixa relevância nacional, candidatos pouco conhecidos e verbas quase desprezíveis se comparadas aos bilhões que costumam passar pelas campanhas políticas no País. Talvez essas características expliquem os métodos esdrúxulos e a desfaçatez com que o esquema funcionou: dinheiro vindo de empresa não identificada transitou na contabilidade do PMDB mineiro e foi parar no caixa de seus opositores. O trajeto heterodoxo revela a ponta do que parece um robusto esquema de fraudes que já ameaça comprometer todas as contas do PMDB de Minas Gerais e enrola o ministro da Agricultura num caso exemplar de infidelidade partidária.
Os fatos apurados por ISTOÉ indicam um caso emblemático, daqueles que se tornam explosivos apesar de terem tudo para não chamar a atenção. Uma pequena cidade, uma eleição de baixa relevância nacional, candidatos pouco conhecidos e verbas quase desprezíveis se comparadas aos bilhões que costumam passar pelas campanhas políticas no País. Talvez essas características expliquem os métodos esdrúxulos e a desfaçatez com que o esquema funcionou: dinheiro vindo de empresa não identificada transitou na contabilidade do PMDB mineiro e foi parar no caixa de seus opositores. O trajeto heterodoxo revela a ponta do que parece um robusto esquema de fraudes que já ameaça comprometer todas as contas do PMDB de Minas Gerais e enrola o ministro da Agricultura num caso exemplar de infidelidade partidária.
O advogado Conrado Baptista gravou o diálogo, sem o conhecimento do atual ministro, no dia 19 de dezembro de 2012. A conversa começou às 15h22 e durou seis minutos. O objetivo da gravação foi reunir provas para a ação de investigação que ele apresentou em seguida à Justiça Eleitoral. O telefonema é revelador das engrenagens do esquema financeiro da legenda. Embora não tenha doado oficialmente nenhum centavo a seu próprio candidato, alegando não ter dinheiro, o PMDB colocou R$ 100 mil na campanha do rival do Partido Progressista. O dinheiro, segundo Andrade, teria sido arrecadado pelo deputado federal João Magalhães (PMDB) a pedido do também deputado Luiz Fernando de Faria (PP). O parlamentar do PP é irmão do candidato eleito em Santos Dumont, Carlos Alberto de Faria (PP), conhecido por Bebeto. “O recurso era do próprio João Magalhães. A empresa doou para ele e o PMDB repassou”, explicou Andrade na conversa com o advogado da coligação PT/PMDB. Para que não restasse dúvida, o advogado da coligação ainda telefonou para o diretório estadual do PMDB. Falou com o contador Filipe Risson, que também confirmou o negócio. “Saiu do PMDB, da conta do PMDB, mas não era do PMDB. Esse dinheiro veio de uma empresa, através de um deputado. E o partido só serviu de ponte”, disse Risson.
As gravações feitas por Conrado Baptista foram anexadas à investigação eleitoral. Procurado por ISTOÉ, o advogado disse que resolveu denunciar a operação por “não compactuar com ilegalidades” e porque entendeu que o caso era maior do que parecia. “Isso é caixa 2. É lavagem de dinheiro”, acusou. Sua opinião é compartilhada pelo advogado Alberto Rollo, um dos maiores nomes do direito eleitoral do País. “Isso cheira fortemente a caixa 2. E, sem dúvida, dá para desconfiar de lavagem de dinheiro”, avalia. Para Rollo, do ponto de vista da prestação de contas, pode ter havido uma fraude contábil. Ele ressalta ainda que o partido precisa demonstrar cabalmente a origem do recurso, sob o risco de incorrer em sonegação. O especialista ainda questiona o repasse a um oponente numa eleição em que o PMDB também concorria. “Nunca vi dar dinheiro para adversário. O presidente estadual da legenda (atual ministro da Agricultura, Antônio Andrade) praticou uma grosseira infidelidade partidária e deveria ser expulso”, diz.
Para Rollo, o especialista em direito
eleitoral, as diferentes versões só fragilizam a posição do partido e do
ministro da Agricultura, Antônio Andrade. “O Ministério Público deve
pedir uma perícia nas contas do PMDB, exigir o nome do doador e periciar
o registro contábil da empresa também”, revela. Carlos Moura, diretor
do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), desconfia da
operação e das intenções do PMDB. “Nunca vi isso na minha vida. O que
será que o PMDB ganhou intermediando essa doação e doando justamente
para um candidato adversário?”, questiona. Para Luciano Pereira Santos,
outro integrante do MCCE, situações como essa mostram os problemas do
financiamento privado nas campanhas. “É uma situação esdrúxula. Uma
triangulação suspeita”, diz. O advogado Eduardo Nobre, também
especializado em direito eleitoral, defende uma investigação profunda.
“Há um claro esforço em encobrir a origem do dinheiro. O PMDB pode ser
punido também com a suspensão das cotas do fundo partidário”, afirma.
Com os R$ 100 mil doados pelo PMDB mineiro, enquanto a campanha de Mendes Ribeiro e de Toledo amealhou pouco mais R$ 50 mil, a de Bebeto Faria (PP) conseguiu R$ 685 mil. Além de eleger o prefeito, a chapa do PP obteve nove das 11 cadeiras da Câmara de Vereadores. A quantidade e a qualidade do material de campanha, além da distribuição de brindes em comícios, levaram a coligação PT/PMDB a pedir à Justiça Eleitoral uma investigação por abuso de poder econômico. Foi durante o levantamento de informações para o processo que o advogado descobriu a doação suspeita feita pelo então presidente do PMDB e atual ministro da Agricultura. “Ao questionar o partido, me deparei com essa situação indecorosa”, conta.
O tesoureiro Célio Mazoni garante que tem o registro de toda a movimentação. Mazoni também se disse convicto de que o caso de Santos Dumont é isolado. Mas uma rápida pesquisa na prestação de contas do PMDB de Minas Gerais indica que a legenda fez doações para adversários de seus próprios candidatos em pelo menos mais três cidades mineiras. Em Caparaó, apoiou financeiramente Carlim Tibeijo, também do PP, que perdeu para o tucano Cristiano, a quem o PMDB estava oficialmente coligado. Em Almenara, colocou dinheiro na campanha de Julio Mares, do PR, que disputou contra a peemedebista Cira 15. Em Monte Formoso, o dinheiro do PMDB foi para Sérgio Picorelli, do PT.
Foto: Adriano Machado
Fotos: karime xavier/folhapress; josé varella/cb/d.a press
Fotos: karime xavier/folhapress; josé varella/cb/d.a press
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