13 de abr. de 2013

"O dinheiro chegou de uma empresa. Eu nem deveria ter deixado passar. Foi uma falha"

Durante as eleições de 2012, o atual ministro da Agricultura, Antônio Andrade, autorizou uma operação com indícios de crime eleitoral para financiar a campanha do PP em Santos Dumont. Em gravação obtida por ISTOÉ, ele confirma o repasse

por Claudio Dantas Sequeira

Transcrição do diálogo entre o então presidente do PMDB de Minas, hoje ministro da agricultura, Antônio Andrade e o advogado da coligação PMDB-PT em Santos Dumont (MG), Conrado Luciano Baptista.
Na conversa, ocorrida no dia 19 de dezembro de 2012, Conrado pergunta sobre a doação no valor de R$ 100 mil do PMDB mineiro para o candidato do Partido Progressista, adversário eleitoral em Santos Dumont (MG). O atual ministro Antônio Andrade responde que o dinheiro obtido pelo deputado federal João Magalhães (PMDB-MG) veio de uma empresa e foi transferido para Luiz Fernando de Faria (PP-MG). O repasse é considerado ilegal e, de acordo com especialistas em direito eleitoral, tem indícios fortes de caixa 2. No diálogo, o ministro admite que foi uma falha.
Advogado da coligação PMDB-PT em Santos Dumont (MG), Conrado Baptista
– O PMDB de Minas disse que não tinha dinheiro para repassar para nenhuma cidade (durante as eleições municipais de 2012). Só que os adversários do Partido Progressista alegam ter recebido uma doação de R$ 100 mil do PMDB.
Então presidente do PMDB-MG, hoje ministro da Agricultura, Antônio Andrade
– É... vou te explicar. Esse é um recurso que o João Magalhães (PMDB-MG) tinha que repassar para o Luiz Fernando (PP-MG). O dinheiro chegou de uma empresa. Isso passou e eu nem deveria ter deixado passar.
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Conrado
– Mas por que fez isso? O PMDB fez os trâmites legais ou não sabia?
Antônio Andrade
– O PMDB nem sabia. Esse dinheiro não é do PMDB, o dinheiro é do Luiz Fernando via João Magalhães.
Conrado
– Eu entendi, mas o problema é que eles colocaram na prestação de contas que foi o PMDB que deu, entendeu?
Antônio Andrade
– Mas não deveria ter deixado acontecer. Foi uma falha. Porque, apesar de o dinheiro não ser do PMDB, nós podíamos ter bloqueado e falado “olha, não tem como repassar”. O PMDB deveria ter pedido para a empresa repassar direto para o partido do Luiz Fernando.
Disputas políticas em pequenos municípios costumam passar despercebidas num Brasil de dimensões continentais. Com menos de 50 mil habitantes, a cidade mineira de Santos Dumont está fugindo à regra. A eleição do prefeito, em 2012, virou alvo de uma investigação na Justiça Eleitoral que bate à porta do gabinete do ministro da Agricultura, Antônio Andrade. Então presidente do PMDB mineiro, ele autorizou em meio à campanha municipal do ano passado uma operação financeira considerada totalmente ilegal. O repasse, feito inexplicavelmente a um adversário eleitoral, tem fortes indícios de caixa 2 e lavagem de dinheiro, na avaliação de especialistas em direito eleitoral.

Os fatos apurados por ISTOÉ indicam um caso emblemático, daqueles que se tornam explosivos apesar de terem tudo para não chamar a atenção. Uma pequena cidade, uma eleição de baixa relevância nacional, candidatos pouco conhecidos e verbas quase desprezíveis se comparadas aos bilhões que costumam passar pelas campanhas políticas no País. Talvez essas características expliquem os métodos esdrúxulos e a desfaçatez com que o esquema funcionou: dinheiro vindo de empresa não identificada transitou na contabilidade do PMDB mineiro e foi parar no caixa de seus opositores. O trajeto heterodoxo revela a ponta do que parece um robusto esquema de fraudes que já ameaça comprometer todas as contas do PMDB de Minas Gerais e enrola o ministro da Agricultura num caso exemplar de infidelidade partidária.
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Em gravação obtida por ISTOÉ, Antônio Andrade admite ao advogado da coligação PT/PMDB, Conrado Luciano Baptista, ter recebido nas contas de seu partido a doação irregular. “O dinheiro chegou de uma empresa. Mas não era do PMDB, nunca foi. Eu nem deveria ter deixado passar. Foi uma falha”, admite.

O advogado Conrado Baptista gravou o diálogo, sem o conhecimento do atual ministro, no dia 19 de dezembro de 2012. A conversa começou às 15h22 e durou seis minutos. O objetivo da gravação foi reunir provas para a ação de investigação que ele apresentou em seguida à Justiça Eleitoral. O telefonema é revelador das engrenagens do esquema financeiro da legenda. Embora não tenha doado oficialmente nenhum centavo a seu próprio candidato, alegando não ter dinheiro, o PMDB colocou R$ 100 mil na campanha do rival do Partido Progressista. O dinheiro, segundo Andrade, teria sido arrecadado pelo deputado federal João Magalhães (PMDB) a pedido do também deputado Luiz Fernando de Faria (PP). O parlamentar do PP é irmão do candidato eleito em Santos Dumont, Carlos Alberto de Faria (PP), conhecido por Bebeto. “O recurso era do próprio João Magalhães. A empresa doou para ele e o PMDB repassou”, explicou Andrade na conversa com o advogado da coligação PT/PMDB. Para que não restasse dúvida, o advogado da coligação ainda telefonou para o diretório estadual do PMDB. Falou com o contador Filipe Risson, que também confirmou o negócio. “Saiu do PMDB, da conta do PMDB, mas não era do PMDB. Esse dinheiro veio de uma empresa, através de um deputado. E o partido só serviu de ponte”, disse Risson.

As gravações feitas por Conrado Baptista foram anexadas à investigação eleitoral. Procurado por ISTOÉ, o advogado disse que resolveu denunciar a operação por “não compactuar com ilegalidades” e porque entendeu que o caso era maior do que parecia. “Isso é caixa 2. É lavagem de dinheiro”, acusou. Sua opinião é compartilhada pelo advogado Alberto Rollo, um dos maiores nomes do direito eleitoral do País. “Isso cheira fortemente a caixa 2. E, sem dúvida, dá para desconfiar de lavagem de dinheiro”, avalia. Para Rollo, do ponto de vista da prestação de contas, pode ter havido uma fraude contábil. Ele ressalta ainda que o partido precisa demonstrar cabalmente a origem do recurso, sob o risco de incorrer em sonegação. O especialista ainda questiona o repasse a um oponente numa eleição em que o PMDB também concorria. “Nunca vi dar dinheiro para adversário. O presidente estadual da legenda (atual ministro da Agricultura, Antônio Andrade) praticou uma grosseira infidelidade partidária e deveria ser expulso”, diz.
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Para complicar a situação do ministro Antônio Andrade, o trecho de sua versão em que tenta justificar a origem do dinheiro foi contestado pelo deputado João Magalhães. Conforme Andrade, teria sido Magalhães quem arrecadou os R$ 100 mil repassados ao PP do município de Santos Dumont. À ISTOÉ, o deputado refutou qualquer relação com o caso. Enredado no episódio pelo hoje ministro da Agricultura, João Magalhães disse que apenas arrecadou para a campanha de sua irmã, Maria Aparecida Magalhães Bifano (PMDB), a Cici Magalhães, e de alguns vereadores. Ele afirma não ter obtido um centavo sequer para a eleição em Santos Dumont. “Não conheço a cidade nem a política de lá. Não tenho nada a ver com essa história”, garantiu à reportagem. A versão do ministro também é desmentida pelo outro deputado que ele envolveu na trapalhada, Luiz Fernando de Faria (PP/MG). Faria, que ajudou a eleger o irmão Bebeto, principal beneficiário dos R$ 100 mil transferidos pelo PMDB mineiro, também não se lembra da participação de Magalhães no repasse de dinheiro. “O João Magalhães não participou disso. Eu arrecadei para a campanha do meu irmão, pois minha cidade precisava de uma nova gestão depois de dois mandatos do PT e do PMDB”, afirmou. Faria diz que não se lembra do nome da empresa doadora da verba que irrigou as contas de campanha do irmão, após o repasse ilegal do então presidente do PMDB, atual ministro Antônio Andrade.

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Procurado, o ministro da Agricultura afirmou, por meio da assessoria, que preferia não comentar o caso. Apenas reiterou que os R$ 100 mil foram declarados oficialmente pelo PMDB como doação ao PP. Ao ser informado que sua versão não correspondia à de Magalhães, o ministro indicou o tesoureiro Célio Mazoni e o secretário-geral do PMDB estadual, Sávio Souza Cruz, para conversar com a reportagem de ISTOÉ. A entrada desses novos personagens no enredo que envolve o ministro da Agricultura numa operação ilícita com indícios veementes de crime eleitoral torna o episódio ainda mais nebuloso. As explicações não convencem e só acrescentam mais versões ao caso. Ouvido por ISTOÉ, Souza Cruz disse que o montante supostamente arrecadado por Magalhães foi o dobro. Ou seja, R$ 200 mil. “Ele passou uma relação dos candidatos apoiados por ele que deveriam receber esse recurso”, afirmou. Já o tesoureiro Célio Mazoni contou uma nova história: os R$ 200 mil teriam sido repassados pelo diretório nacional do PMDB. “Magalhães foi lá no diretório estadual e falou que tinha conseguido o recurso em Brasília. Me deu a lista do pessoal a quem deveríamos transferir o dinheiro e me entregou o comprovante do depósito. O diretório nacional mandou para o estadual e eu repassei aos candidatos”, declarou.
Para Rollo, o especialista em direito eleitoral, as diferentes versões só fragilizam a posição do partido e do ministro da Agricultura, Antônio Andrade. “O Ministério Público deve pedir uma perícia nas contas do PMDB, exigir o nome do doador e periciar o registro contábil da empresa também”, revela. Carlos Moura, diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), desconfia da operação e das intenções do PMDB. “Nunca vi isso na minha vida. O que será que o PMDB ganhou intermediando essa doação e doando justamente para um candidato adversário?”, questiona. Para Luciano Pereira Santos, outro integrante do MCCE, situações como essa mostram os problemas do financiamento privado nas campanhas. “É uma situação esdrúxula. Uma triangulação suspeita”, diz. O advogado Eduardo Nobre, também especializado em direito eleitoral, defende uma investigação profunda. “Há um claro esforço em encobrir a origem do dinheiro. O PMDB pode ser punido também com a suspensão das cotas do fundo partidário”, afirma.
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Autor do pedido de investigação que envolve o ministro da Agricultura, Antônio Andrade, o advogado Conrado Luciano Baptista é especialista em direito público, com mestrado em teoria do direito na Universidade de Juiz de Fora. Professor, publicou o livro “Criminalização da Homofobia e sua Constitucionalidade”, no qual debate o Projeto de Lei nº 122, de 2006. No ano passado, durante as eleições municipais, Baptista foi convocado a advogar para a chapa à prefeitura de Santos Dumont (MG), encabeçada pelo petista Labenert Mendes Ribeiro, que, apesar do sobrenome, não é parente do antecessor de Antônio Andrade, na Agricultura, deputado Mendes Ribeiro Filho. Na coligação, o PMDB de Antônio Andrade indicou o vice, Edson Toledo.

Com os R$ 100 mil doados pelo PMDB mineiro, enquanto a campanha de Mendes Ribeiro e de Toledo amealhou pouco mais R$ 50 mil, a de Bebeto Faria (PP) conseguiu R$ 685 mil. Além de eleger o prefeito, a chapa do PP obteve nove das 11 cadeiras da Câmara de Vereadores. A quantidade e a qualidade do material de campanha, além da distribuição de brindes em comícios, levaram a coligação PT/PMDB a pedir à Justiça Eleitoral uma investigação por abuso de poder econômico. Foi durante o levantamento de informações para o processo que o advogado descobriu a doação suspeita feita pelo então presidente do PMDB e atual ministro da Agricultura. “Ao questionar o partido, me deparei com essa situação indecorosa”, conta.
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Fontes da prefeitura disseram à ISTOÉ que a empresa, não identificada, doou bem mais que os R$ 100 mil declarados por Antônio Andrade. Seja como for, o pedido de abertura de ação de investigação eleitoral foi acolhido pela Justiça. Em 1º de abril, a juíza Ivanete Jota de Almeida assinou despacho autorizando várias diligências para levantamento de provas. Entre elas, o recibo da doação eleitoral de R$ 100 mil feita pelo então presidente do PMDB de Minas à campanha do candidato do PP.

O tesoureiro Célio Mazoni garante que tem o registro de toda a movimentação. Mazoni também se disse convicto de que o caso de Santos Dumont é isolado. Mas uma rápida pesquisa na prestação de contas do PMDB de Minas Gerais indica que a legenda fez doações para adversários de seus próprios candidatos em pelo menos mais três cidades mineiras. Em Caparaó, apoiou financeiramente Carlim Tibeijo, também do PP, que perdeu para o tucano Cristiano, a quem o PMDB estava oficialmente coligado. Em Almenara, colocou dinheiro na campanha de Julio Mares, do PR, que disputou contra a peemedebista Cira 15. Em Monte Formoso, o dinheiro do PMDB foi para Sérgio Picorelli, do PT.
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O que leva um partido a apoiar o adversário numa eleição é algo que desafia a compreensão de especialistas. Pode ser um jogo obscuro com o objetivo de manter o outro candidato numa disputa ou, simplesmente, para que a legenda, mesmo derrotada, tenha influência na gestão de outro partido. O fato é que, como diz Alberto Rollo, a operação ilegal tem cheiro forte de caixa 2 e pressupõe não apenas violações éticas, mas crime eleitoral e contra o sistema financeiro. Como se vê, o PMDB e o ministro Antônio Andrade têm muito o que explicar, e não é sobre Agricultura.
Foto: Adriano Machado
Fotos: karime xavier/folhapress; josé varella/cb/d.a press

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