14 de abr. de 2013

A guerrilha do réu Dirceu

Ex-ministro desagrada ao governo ao revelar suposta promessa de Luiz Fux de absolvê-lo no mensalão, mas expõe a necessidade de o Senado tratar com mais rigor as nomeações para o Supremo

Paulo Moreira Leite e Izabelle Torres
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REVELAÇÃO
Dirceu disse que foi “assediado moralmente”
pelo então candidato a ministro, Luiz Fux
A reconstituição dos passos do ministro Luiz Fux para obter sua indicação para o Supremo Tribunal Federal sugere que ele fez um esforço concentrado para se aproximar de personagens envolvidos com o mensalão. Manteve uma primeira conversa com o deputado João Paulo Cunha, que saiu do encontro convencido de que Fux não acreditava na existência de provas para condenar a maioria dos réus. Após o encontro com João Paulo, que, com o voto de Fux, acabaria condenado a nove anos de prisão, outro acusado, o deputado José Genoino, também foi sondado para um encontro, mas recusou a oferta.

O candidato encontrou-se uma vez com José Dirceu, cerca de um ano antes de ser indicado por Dilma Rousseff, e manteve ainda três conversas em separado com a mulher do ex-ministro, Evanise Santos. Numa das ocasiões, Luiz Fux agendou uma visita ao jornal onde Evanise trabalhava como diretora de marketing. Numa segunda vez, fez convite para um almoço no D.O.M., mais premiado restaurante brasileiro, nos Jardins, em São Paulo. Por fim, Evanise foi recebida na residência do próprio Fux, no Lago Sul, em Brasília, quando o anfitrião era ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Na semana passada, emergiram novos detalhes do mais relevante encontro de Fux com José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão. Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão, disse que foi “assediado moralmente” pelo futuro ministro. Conforme Dirceu, o candidato ao STF insistiu por seis meses para que marcassem um encontro. Quando a conversa enfim ocorreu, num escritório de advocacia, Fux lhe disse “textualmente”, segundo Dirceu, que iria absolvê-lo no julgamento. Comentando uma afirmação anterior de Fux, que alegou não saber que Dirceu era réu num julgamento que iria examinar, caso fosse indicado para o STF, o ex-ministro descartou o argumento: “é ridículo”.

Mesmo negando o teor da conversa, Luiz Fux evitou um desmentido frontal. Alegou que não iria “polemizar com um réu”, reação que ajuda a recordar que pessoas nessa situação podem dizer qualquer coisa para escapar da Justiça. O argumento chama a atenção, contudo, após um julgamento que aceitou as palavras de outro réu, Roberto Jefferson, para fundamentar boa parte da denúncia. Enquanto os demais ministros fizeram silêncio diante do episódio, o procurador-geral, Roberto Gurgel, defende Fux. “Recebi a acusação com absoluto descrédito. Fux é um magistrado com longa carreira, com longa trajetória de vida, sempre marcada pela honorabilidade, correção e seriedade, o que não é precisamente o caso do ex-ministro José Dirceu”, disse Gurgel. O método mais simples para solucionar dúvidas a respeito do encontro seria ouvir testemunhas isentas. Elas existem. Três advogados estavam presentes. Mas, conforme Dirceu, nenhum se dispõe a comentar o caso.
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Caminho trilhado por Luiz Fux antes de sua indicação ao STF mostra
que ele buscou apoio de outros mensaleiros, além de Zé Dirceu
A insinuação jamais demonstrada de que Luiz Fux seria capaz de trocar sua nomeação ao Supremo por um voto a favor dos acusados do mensalão acompanha o ministro há mais tempo. Interlocutor de Fux em conversas finais antes da indicação, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ouviu o ministro usar uma expressão típica de uma partida de futebol (“mato no peito”) como uma promessa velada de que iria inocentar os réus da Ação Penal 470. Fux nega que tenha usado a expressão com esse sentido.

Aceitar a possibilidade de que a nomeação de Fux possa ser descrita como um mal-sucedido esquema toma lá dá cá implica reconhecer um problema real maior – a contaminação das indicações para o Supremo pelo jogo baixo da política. Se é possível condenar um candidato a ministro pela ousadia de colocar seus votos em leilão, também se pode dizer o mesmo de quem participou do jogo do outro lado do balcão. Esse é o problema verdadeiro e Fux está longe de ser o único caso. Nomeado por Lula, Antonio Dias Toffoli foi advogado do PT e atuou na mesma Casa Civil no tempo em que Dirceu era ministro. Depois, foi julgá-lo.

Os estudiosos lembram que a política e o direito estão mais próximos do que se costuma pensar. “A maioria das pessoas gosta de pensar a Justiça como um assunto técnico, mas não é assim. As decisões de um juiz, ainda mais num tribunal superior, sempre envolvem um componente político”, recorda o constitucionalista Pedro Serrano, professor de direito da PUC de São Paulo.

Nos Estados Unidos, que possuem uma Suprema Corte que ajudou a moldar o STF brasileiro, presidentes republicanos indicam juízes identificados com as ideias republicanas e presidentes democratas agem da mesma forma. Isso se faz abertamente, sem rodeios, a tal ponto que o assunto é pauta da maioria das campanhas eleitorais. A caminho da Corte Suprema, os possíveis ministros são submetidos a um exame duríssimo pelo Senado, aberto e mesmo cruel, que se resolve pela capacidade de convencer os parlamentares. Nem os candidatos temem perguntas incômodas nem os senadores receiam ir fundo em dúvidas e questionamentos. Em 1987, Robert Bork, um cérebro diabolicamente brilhante indicado pelo republicano Ronald Reagan, foi recusado porque acabou considerado conservador demais pelo plenário. Mais tarde, Clarence Thomas convenceu um plenário republicano a lhe dar a vaga de qualquer maneira, embora tivesse sido denunciado no próprio Senado por assédio sexual, ao vivo e em cores.

A questão real consiste em separar a pequena política das questões maiores que fazem parte da missão da mais alta corte do País. Desse ponto de vista, o debate em torno da nomeação de Luiz Fux, de Antonio Toffoli e de tantos outros que se queira nomear, em épocas e presidências tão diferentes, pode ter uma grande utilidade: estimular os senadores, que têm o poder de confirmar ou rejeitar uma indicação presidencial, a fazer seu serviço com afinco e disposição, evitando indicações que são perigosos cheques em branco. Na etapa final para indicar seu terceiro nome para o Supremo, o governo Dilma está convencido de que ele será submetido a uma sabatina severa como nunca se viu. E é bom que seja assim.
Fotos: Marlene Bergamo/Folhapress; Breno Fortes/CB/D.A Press

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