Policiais relatam ameaças e temem ser surpreendidos por bandidos durante as folgas
Do Portal Terra
A onda de violência em São Paulo continua. Somente nessa última
semana foram 70 assassinatos em com características de execução. E,
neste domingo (4), subiu para 90 o número de policiais militares mortos
no Estado desde janeiro deste ano. Os policiais contam como o aumento da
violência contra a corporação mudou as suas rotinas nos últimos meses,
se queixam sobre a ausência de "respaldo" por parte da Instituição e que
estão à mercê da própria sorte.
"A gente não tem meios para preservar a nossa vida. Dependemos da
sorte e da boa vontade de outros parceiros (policiais). Respaldo de cima
a gente não tem. Dependemos dos amigos", diz a soldado Kate*, na
corporação há mais de 15 anos, enquanto acompanhava o enterro de dois
colegas na última sexta-feira, feriado de Finados.
Ela diz que nos últimos tempos mudou a sua rotina, principalmente
nos momentos de folga. Na atuação do dia a dia, nas ocorrências de rua, a
rotina segue normal.
"Eu já não ando mais com meu filho (de 14 anos). Não levo meu filho
para passear, não levo no curso. Eu tenho de depender de outras
pessoas. Ele me ver morta é uma coisa. Ele me ver assassinada é uma bem
pior. Evitar de morrer, não há como. Quando eles vêm, vêm na covardia,
com arma muito pesada", afirma ela. "Senão eu vou colocar a vida do meu
filho em risco e criar um trauma se eu for assassinada", disse ela.
Menos de 24h depois da conversa, a cena relatada por ela aconteceu
de fato. Por volta das 19h30 do último sábado, a soldado Marta Umbelina
da Silva, 44 anos, foi baleada pelas costas, em frente de casa e na
companhia da filha, de 9 anos. A policial não vestia farda no momento do
crime e estava de folga.
"Eu durmo na casa do noivo, que é do outro lado da cidade. Eu tive
um problema na porta da minha casa, já relatei. Estouraram uma bomba na
porta da minha casa. Então eu prefiro sair de cena. A única policial em
casa sou eu. Ninguém é polícia, ninguém tem arma (mora na região da
Saúde). Moro em um bairro bom, não moro em periferia. Sou policial há 16
anos. Que só acontece na periferia não é verdade".
De acordo com Kate, o comando da polícia paulista se preocupa muito
mais com a imagem da corporação do que com os policiais que estão
diariamente nas ruas de São Paulo. (Não há respaldo) nenhum. "Veio uma
determinação sobre como se comportar na folga. Uma forma de tirar o
deles da reta. A gente não tem orientação, nenhum tipo de informação,
ninguém passa nada. Se acontece uma situação em outro lugar, a gente
depende única e exclusivamente de outro policial, de outro batalhão, que
a gente tem amizade", diz.
O sargento João* trabalha no mesmo batalhão de Kate. Está há mais
de 20 anos na corporação e diz se sentir "um trouxa" quando as
autoridades dizem que a presença do crime organizado é mínima em São
Paulo.
"A gente fica com aquela cara de otário. Eu sou um otário, um
trouxa fantasiado na rua... Essas declarações, simplesmente menosprezam a
vida. Eles querem que nós nos preocupemos com a vida e a integridade
física só dos outros", diz ele.
Ele diz já ter sido ameaçado e comunicado a corporação, e a única
orientação que recebeu foi para mudar de casa. "Só faltam colocar a
culpa na gente. Perguntam se você deu causa para a ameaça, se brigou com
alguém. Sua vida para o Estado não significa nada", afirma.
Para ele, quando se mata um policial durante a folga, o Estado não
se manifesta. "Em 2006, foram os policiais em serviço e houve uma reação
muito mais forte. Talvez eles (os criminosos) tenham percebido e por
isso agora agem dessa maneira".
Para o comandante da tropa de Choque paulista, Cesar Augusto
Morelli, os policiais devem ficar espertos. "Essa é a principal
recomendação. O policial pôs uma arma na cinta, tem de ficar esperto.
Quem desliga o cachimbo cai".
*Nomes trocados para preservar a identidade dos entrevistados.
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