Raio X da atuação da Abin feito por ISTOÉ
revela que o serviço de inteligência vive seu ápice desde a
redemocratização. Hoje a agência monitora simultaneamente cerca de 700
alvos diferentes. De movimentos grevistas até a organização de grandes
eventos
Claudio Dantas Sequeira
Em meados de julho, no auge da greve dos servidores públicos
federais, a presidenta Dilma Rousseff recebeu das mãos do ministro-chefe
do Gabinete de Segurança Institucional, general Elito Siqueira, uma
pasta de papel pardo com tarja vermelha onde se lia “urgente”. Dentro
dela, um relatório sintético elaborado por espiões infiltrados nos
movimentos grevistas traçava uma análise da situação no País e
antecipava a tendência de enfraquecimento da greve. Depois da leitura do
informe, Dilma pegou o telefone e avisou aos ministros Guido Mantega
(Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) que o governo não cederia aos
protestos. O episódio, mantido em sigilo até agora, dá pistas de como
funciona hoje o serviço secreto brasileiro. O relatório que fundamentou a
decisão de Dilma foi elaborado pela Agência Brasileira de Inteligência
(Abin). A informação que chegou à presidenta foi precisa porque havia
agentes da Abin infiltrados no movimento grevista. Entre as classes que
espalharam o caos naqueles meses, curiosamente estavam entidades
sindicais da própria agência de inteligência, cujos agentes se
aproveitaram da circunstância para participar de assembleias e reuniões
sem levantar suspeitas.
Infiltrações como essas se tornaram cada vez mais frequentes nos
últimos anos. As greves e os movimentos sociais entraram definitivamente
no rol de ameaças à segurança nacional. Um raio X da atuação da Abin,
feito por ISTOÉ, revela que, após seguidas crises, o serviço de
inteligência vive seu auge desde a redemocratização. Em apenas quatro
anos, o orçamento da agência mais que dobrou, saltando de R$ 220 milhões
em 2008 para R$ 527 milhões em 2012, com efeito direto no número de
ações País afora. Hoje a agência monitora simultaneamente cerca de 700
cenários diferentes, do garimpo na fronteira a invasões de terra,
transportes e organização de grandes eventos.
ELO COM O PLANALTO
O general Elito despacha diariamente com Dilma, que
o recebe na garagem do Planalto por volta das 8h30
Desde o ano passado, a Abin acompanha as obras da Copa de 2014 e da
Olimpíada de 2016. Em agosto, um relatório de acompanhamento foi enviado
pelo GSI ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O documento
alertava para problemas de acessibilidade em centros esportivos e o
risco de incidentes com a aglomeração de pessoas. Em outra ação
preventiva, a Abin reportou ao GSI a crescente tensão entre
trabalhadores e empreiteiros nos canteiros de obras da hidrelétrica de
Belo Monte (PA). O informe foi produzido por um agente externo, um
general reformado que atua como consultor e recebe cerca de R$ 20 mil
mensais – colaboradores estrangeiros ganham essa quantia em dólares. O
informante constatou que “as condições precárias de alojamento e
trabalho” poderiam deflagrar um conflito com impacto no andamento da
construção e repercussão negativa na mídia. O Palácio do Planalto
demorou para agir e os operários atearam fogo nas instalações.
Em outro episódio recente, mas no âmbito internacional, a Abin
antecipou à Presidência o risco de que o presidente do Paraguai,
Fernando Lugo, perdesse o cargo. Um relatório especial de inteligência,
elaborado por um agente encoberto em Assunção, apontava que o processo
de impeachment contra Lugo seria aberto, porque ele já não tinha apoio
no Congresso. Na semana anterior, o tema havia sido alvo de outro tipo
de informe, mais sintético, apelidado no GSI de “mosaico”. Trata-se de
uma página com tópicos e uma escala de cores para cada tema, indicando o
nível de gravidade, do amarelo ao vermelho. É com esse papel em mãos
que o general Elito despacha diariamente com Dilma, que o recebe na
garagem do Planalto por volta das 8h30, e os dois sobem juntos pelo
elevador. Ela faz uma leitura dinâmica e raramente comenta algo.
Apesar do bom momento da Abin, nem tudo funciona como deveria. O
órgão ainda gasta quase 90% de seu orçamento com pessoal, investe pouco
em tecnologia, gasta tempo em burocracia, perseguições internas e ainda
protagoniza trapalhadas. A mais recente foi a prisão do técnico de
informática Willlian T.N., acusado de capturar senhas de acesso de 238
funcionários. Preso pela Polícia Federal o jovem foi readmitido uma
semana depois e passa o dia sob vigilância numa sala sem computador.
Descobriu-se que ele estava a serviço de um dos diretores da própria
Abin.
Montagem sobre foto de AFP PHOTO ECPAD
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