Do Contas Abertas
Iniciadas
junto com a Copa das Confederações, as manifestações em todo o país
ecoaram os pedidos de brasileiros e brasileiras para melhoria nos
serviços públicos. Entre as principais reivindicações estão mais
investimentos em saúde, educação, segurança pública e transportes, tanto
urbanos como em escalas nacionais. O Contas Abertas realizou
levantamento sobre as aplicações da União nessas áreas entre 2003 e
2012. Segundo os dados, R$ 160 bilhões deixaram de ser investidos nas
principais reivindicações da população nas ruas.
As aplicações em
Educação, Saúde, Transportes, Cidades e Segurança Pública, no entanto,
aumentaram a participação percentual em relação aos investimentos
globais da União. De 2003 para 2012, o percentual aumentou de 53% para
61%. No conjunto, os investimentos realizados pelos órgãos e unidade
orçamentárias selecionados, também ampliaram expressivamente a
participação no PIB. Em 2003, as aplicações corresponderam a 0,16% do
PIB. Em 2012, o percentual atingiu a 0,65% do PIB.
Apesar
disso, as expansões ocorridas – aliadas à má gestão - não foram
suficientes quantitativa e qualitativamente, como indica a insatisfação
demonstrada nas ruas. Na realidade, o país poderia ter investido mais e
melhor se nessa década os respectivos orçamentos aprovados tivessem
melhor execução. Em se considerando as dotações autorizadas para
investimentos no período de 2003 a 2012, o percentual médio de execução
foi de apenas 52,3% do total de R$ 333,8 bilhões previstos.
O Ministério da Educação,
por exemplo, que busca promover ensino de qualidade no país, deixou de
aplicar R$ 22,6 bilhões no período. O volume de recursos poderia ser
aplicado para a construção de 27 mil escolas para as séries iniciais do
ensino fundamental ou na compra de 131 mil ônibus escolares.
Segundo o coordenador
geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, ao
longo dos anos tem ocorrido grave descompromisso com a educação no
Brasil. “As manifestações estão certas em chamar a atenção para a
importância da pauta da educação pública, tanto para mais recursos
quanto na maneira como esses recursos são utilizados. Também seria
interessante ampliar a visão de reclamações de corrupção incorporando a
gestão”, afirma.
O especialista espera com
urgência a aprovação do Plano Nacional de Educação no Congresso
Nacional para despolitizar os investimentos na área. “Esse plano é
superior aos mandatos de cada presidente eleito, tendo em vista que foi
estabelecido em discussão com a sociedade. A intenção é que os
investimentos em educação não sejam mais politizados, ou seja,
determinados pelos vencedores das urnas. A Constituição acredita nesse
caminho”, ressalta.
O Ministério da Educação
ressaltou que até 2012 haviam R$ 9 bilhões inscritos em restos a pagar.
Desse valor, segundo o órgão, R$ 2,85 bilhões já foram pagos, restando
ainda um saldo a pagar no valor de R$ 6 bilhões, que tratam-se de
investimentos ainda em fase de liquidação. Segundo o MEC “o fato do
valor não ter sido pago dentro do exercício, não significa que deixaram
de ser investidos”. Convém ressaltar que o levantamento do Contas
Abertas inclui não só os valores pagos com os orçamentos dos respectivos
exercícios, como também os desembolsos à titulo de restos a pagar.
A Pasta ressaltou ainda
que as maiores ampliações da dotação autorizada e consequentemente dos
restos a pagar de investimentos no âmbito do Ministério da Educação
começaram a ocorrer a partir de 2007, ano em que iniciaram programas
como o de expansão e reestruturação das universidades federais (REUNI),
reestruturação e expansão da rede federal de educação profissional e
tecnológica, reestruturação dos hospitais universitários federais
(REHUF) e da criação de novas universidades e institutos, que demandaram
dotações para obras.
“Essas dotações são
alocadas na LOA diretamente nas instituições que consequentemente são
responsáveis pelas contratações e execução dos recursos, cabendo ao MEC
apenas o monitoramento e a verificação do cumprimento das metas
estabelecidas no PPA”, conclui o ministério.
Outra reivindicação que
tomou as ruas foram os pedidos de mais investimentos na saúde, problema
acirrado pelo fato da presidente Dilma Rousseff ter afirmado que iria
trazer médicos estrangeiros para atuar no Brasil. O pacto proposto pelo
presidente ainda pretende ampliar as vagas em cursos de medicina.
Impulsionada pelos apelos populares, a Câmara dos Deputados se apressou a
aprovar a proposta que destina 25% dos royaltes do petróleo para a
área.
De 2003 a 2012, o governo
federal destinou R$ 55 bilhões (em valores atualizados pelo IGP-DI, da
FGV) para o Ministério da Saúde aplicar na área. Deste total, apenas R$
20,7 bilhões foram desembolsados. Cerca de 37,7% do montante. Ou seja,
R$ 34,2 bilhões deixaram de ser utilizados. Com o valor não aplicado,
seria possível construir 15 mil Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de
porte III, que são aquelas que estão em áreas com 200 mil a 300 mil
habitantes e realizam até 450 atendimentos por dia.
Só no ano passado, ano em
que a dotação para investimentos dobrou, de R$ 6 bilhões para R$ 12
bilhões, apenas R$ 3,5 bilhões foram desembolsados. No período de 2003 a
2012, mais de R$ 39,5 bilhões deixaram de ser empregados em melhorias
para a saúde pública.
O Ministério da Saúde
afirmou em nota que os valores executados em investimentos cresceram no
período, passando de R$ 2,4 bilhões para R$ 12,1 bilhões. O órgão também
destacou o fato dos valores empenhados terem alcançado a média anual de
99% considerando a dotação disponível para uso, visto que o orçamento
global está sujeito ao contingenciamento anual definido pela área
econômica do governo, visando a responsabilidade fiscal.
A Pasta ressaltou ainda
que cumpre rigorosamente a Emenda Constitucional (EC-29/00) que visa
assegurar em cada exercício financeiro uma aplicação mínima em ações e
serviços públicos de saúde. “Aliás, nos últimos oito anos, o Ministério
da Saúde empenhou R$ 5 bilhões a mais do que o mínimo exigido pela
Constituição, que determina que a União deve aplicar na saúde o mesmo
valor destinado ao orçamento no ano anterior mais a variação nominal do
Produto Interno Bruto (PIB)”, completa em nota.
De acordo com a Pasta, “a
característica de desembolso nesta rubrica é diferente das demais
despesas dentro do orçamento global, como a de custeio, por exemplo”.
Segundo o órgão, o desembolso deve seguir etapas necessárias do processo
de contratação do bem ou da prestação do serviço, o que pode resultar
em prazo maior para o pagamento.
Entretanto, para o
deputado Darcísio Perondi (PMDB/RS), presidente da Comissão Especial de
Financiamento da Saúde Pública, o problema dos investimentos na saúde
pública não está na gestão dos recursos e sim falta de dinheiro. O
deputado atribui às restrições de verba um dos motivos para o não
desembolso de todo o montante autorizado.
“O desafio do SUS pra
atender 200 milhões de brasileiros é funcionar na ponta do lápis sem
dinheiro. O sistema faz muito para a quantidade pífia de recursos com
que conta. De cada R$ 100,00 gastos com saúde no Brasil, R$ 65,00 são
privados e R$ 35,00 públicos. Nos países avançados, 70% dos gastos com
saúde são públicos. Nós somos o país que menos gasta em saúde pública e
querem que a gestão seja excelente?”, questiona o deputado.
Para o parlamentar, a
culpa da falta de recursos é da União. “Nós crescemos nos últimos dez
anos, mas o gasto federal diminuiu em relação ao seu orçamento e em
relação ao repasse aos estados e municípios. Os prefeitos e os
governadores não aguentam mais. Quem se omitiu ao longo desses 20 anos? A
União”, enfatiza ele.
Transporte
A luta por melhorias no
transporte público é uma das principais bandeiras reivindicativas do
povo que foi para as ruas. A população quer passagens mais baratas e
mais linhas de ônibus, metrôs e investimentos em mobilidade urbana. O
governo recuou e diminuiu o preço das passagens em dezenas de cidades
pelo país e reduziu o PIS-Confins das tarifas de transporte.
Além disso, caminhoneiros
de oito estados paralisaram rodovias esta semana, reivindicando
principalmente redução nos preços do óleo diesel e dos pedágios. A
prática, conforme ressaltou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
é considerada crime pela legislação brasileira. De acordo com Cardozo,
as suspeitas foram apresentadas pelo ministro dos Transportes, César
Borges, que lhe enviou um ofício solicitando "a adoção das providências
cabíveis para apuração de eventual ilícito penal praticado". Ele
garantiu que o governo vai agir com "o máximo rigor" e que os indícios
dessa prática são "fortes".
As deficiências na área
também são infinitas. Em 10 anos (de 2003 a 2012), o Ministério dos
Transportes recebeu autorização para gastar R$ 133,3 bilhões em
investimentos para o setor. Desse total, apenas 60%, ou R$ 80,1 bilhões
foram desembolsados pela Pasta, o que significa que outros R$ 60,5
bilhões deixaram de serem investidos. Em 2012, por exemplo, dos R$ 23,1
bilhões autorizados para investimentos, apenas 45%, ou R$ 10,5 bilhões
foram aplicados na área.
Segundo o Ministério dos
Transportes, em 2003 constatou-se com o início do governo Lula a
necessidade de cumprimento das metas de estabilização econômica. A
partir de 2005, com projetos em elaboração, licitações sendo iniciadas,
obras em processo de contratação e diversas em andamento, foram
retomados os investimentos em infraestrutura no país. Quanto ao ano de
2012, a Pasta afirmou que na dotação autorizada de 2012 encontra-se
incluída a parcela de R$ 5,7 bilhões relativa ao crédito extraordinário
autorizado no dia 27/12/2012, como antecipação do orçamento de 2013.
“Esse montante foi cancelado em 2013. Portanto, a dotação autorizada
real de 2012 foi de R$ 17,5 bilhões”, afirmou o órgão.
Os investimentos em
mobilidade urbana, por meio do programa “Mobilidade Urbana e Trânsito”,
do Ministério das Cidades também não foram altos. Em 11 anos, R$ 5,5
bilhões deixaram de ser aplicados na rubrica. Em matéria divulgada pelo
Contas Abertas na semana passada, o Ministério das Cidades que
descentraliza recursos para os municípios, Estados e Distrito Federal, e
que o pagamento das obras está diretamente ligado à eficiência e
eficácia da gestão local, que apresenta problemas. (veja matéria)
“As principais
dificuldades encontradas pelos entes federados na execução das obras
estão relacionadas à conclusão dos projetos de engenharia, obtenção de
licenciamento ambiental, execução de procedimentos licitatórios e
questões relacionadas aos deslocamentos involuntários (desapropriações,
remoções, reassentamentos, entre outros)”, afirma o ministério. Para
tentar mudar este cenário, no exercício de 2012 e 2013, o ministério tem
apoiado a elaboração de projetos. O objetivo é melhorar a execuções dos
programas.
Em entrevista ao Contas
Abertas, Aílton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de
Transportes Públicos (ANTP), explicou que em obras de mobilidade urbana,
por exemplo, há que se considerar diversas dificuldades e burocracias.
“As pessoas imaginam que as cidades estão disponíveis para a obra de
metrô, por exemplo. Mas a maioria dos municípios não possui sequer
cadastros dos diversos serviços que utilizam o subsolo. Além disso,
muitas vezes é preciso lidar com desapropriações, ou seja, o grande
problema inicial é a implantação da obra”, expõe.
Ainda segundo
Brasiliense, não adianta ter muitos recursos financeiros e passar meses
sem saber como realizar as ações. “Há que se cumprir uma série de
burocracias. Essas obras não possuem a simplicidade que a população
imagina. Os problemas são de ordem técnica, social, ambiental, etc. Os
empreendimentos de mobilidade urbana possuem características próprias
muito específicas, por isso demora tanto”, conclui.
O Ministério das Cidades,
responsável também por ações de habitação, saneamento e planejamento
urbano, como um todo, deixou de aplicar R$ 41,8 bilhões entre 2003 e
2012. Nesse período, R$ 72,5 bilhões foram autorizados em orçamento para
a Pasta, porém apenas R$ 30,7 bilhões foram pagos.
Segurança Pública
O Contas Abertas também
levantou dados relativos aos investimentos em Segurança Pública. Entre
2003 e 2012, R$ 7,5 bilhões deixaram de ser investidos na área. As
informações levam em consideração as aplicações do Ministério da
Justiça, do Departamento de Policia Rodoviária Federal, do Departamento
de Policia Federal, do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), do Fundo
Para Aparelhamento e Operações de Atividades Fim da Polícia Federal e
Fundo Nacional de Segurança Publica (FNSP).
Segundo o Observatório de
Segurança Pública, na última década, a questão da segurança pública
passou a ser considerada problema fundamental e principal desafio ao
estado de direito no Brasil.
“Os problemas
relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o aumento da
sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a
degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das
instituições da administração da justiça criminal, a violência
policial, a ineficiência preventiva de nossas instituições, a
superpopulação nos presídios, rebeliões, fugas, degradação das condições
de internação de jovens em conflito com a lei, corrupção, aumento dos
custos operacionais do sistema, problema relacionados à eficiência da
investigação criminal e das perícias policiais e morosidade judicial,
entre tantos outros, representam desafios para o sucesso do processo de
consolidação política da democracia no Brasil”, explica o site.
O Ministério da Justiça
foi consultado pelo Contas Abertas sobre os dados, mas até o fechamento
da matéria, a reportagem não obteve resposta.
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