5 de jan. de 2013

Credibilidade da política fiscal brasileira está na UTI

Para especialistas, governo deixou para agir no fim de 2012, tomou decisões ruins, como o uso de recursos do Fundo Soberano, e não foi transparente

Benedito Sverberi
presidente da República, Dilma Rousseff, participa de café da manhã com jornalistas em 27 de dezembro de 2012
Dilma Rousseff, ao optar por subterfúgios fiscais, caminha em terreno delicado (Gustavo Miranda/Getty Images)
O ano começa com um péssimo presságio para a condução da política econômica. Analistas ouvidos pelo site de VEJA avaliam que a decisão de arranjar recursos de última hora para cumprir a meta de superávit primário de 2012, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), põe em xeque a credibilidade da política fiscal do país. A avaliação geral é que o governo federal goza, hoje, de posição orçamentária relativamente confortável - o que até lhe permitiria fazer um esforço fiscal menor. Bastaria anunciar uma meta menos agressiva e justifica-la de forma detalhada. A conjuntura internacional adversa e os desafios que este quadro impõe à economia doméstica seriam explicações mais que suficientes, dizem os especialistas. Contudo, a presidente Dilma Rousseff optou por agir de forma obscura. Seu governo deixou as ações para os últimos dias úteis de 2012 e tomou decisões inadequadas, como o uso de recursos do Fundo Soberano do Brasil (FSB). Ao fim e ao cabo, fica a percepção de que o Brasil caminha para voltar a ser um país em que o improviso e o descaso com a transparência das contas públicas são, sim, a regra.
Ano desafiador – Felipe Salto, economista da consultoria Tendências, reconhece a boa intenção do Palácio do Planalto em reduzir o compromisso fiscal em 2012 para promover crescimento econômico e controlar a inflação. Ele citou, como exemplo, o fato de o governo ter zerado a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) na bomba de gasolina para que o reajuste no preço do produto não pesasse no bolso do consumidor. Lembrou também da importância da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a indústria. O problema, segundo ele, é que o governo tomou seguidas medidas sem observar, com inteira clareza, os efeitos dessas medidas sobre a arrecadação. “Reduzir [impostos e, consequentemente, a arrecadação] pode ser bom, mas não sem planejamento. O governo precisa assumir um compromisso efetivo na construção de uma reforma tributária”, defendeu.
A impressão que o Planalto transmitiu ao mercado foi que acordou, de maneira muito tardia, para a distância que teria de percorrer para entregar um superávit minimamente próximo da meta. Para se ter ideia, ante uma economia anual prometida de 139,8 bilhões de reais, o governo viu-se em dezembro diante do desafio de arranjar recursos para cobrir nada menos que 40% da meta.
A melhor saída – Ante a impossibilidade de entregar o primário prometido, os especialistas ouvidos por VEJA foram unânimes em afirmar que teria sido melhor ter o governo utilizado a mais simples das soluções: admitir que o objetivo não seria cumprido. “O que a presidente poderia ter feito era não cumprir a meta e justificar. Dizer que o ano foi um ano difícil, por exemplo. Seria mais transparente, mesmo faltando 50 bilhões de reais para cumprir a meta”, declarou Raul Velloso, especialista em contas públicas. “É melhor reduzir a meta do que usar subterfúgios cada vez menos transparentes e de difícil previsão sobre qual é o real superávit primário”, acrescentou José Marcio Camargo, economista da gestora de recursos Opus e professor da PUC-Rio.
Para Antonio Corrêa de Lacerda, professor do Departamento de Economia da PUC-SP, o governo possui hoje melhores condições para, se necessário, ter de reduzir o esforço fiscal. Ele explica que, com a queda da Selic, também diminui a pressão por receitas para equilibrar a dívida porque se gasta menos para financiá-la. “Não vejo isso como um comprometimento do arcabouço da política macroeconômica. O principal desafio agora é retomar as condições de crescimento e de investimentos”, disse. Os especialistas explicaram que o país possui atualmente uma relação de endividamento enquanto proporção do PIB mais aceitável. Também por isso pode se dar ao luxo de, em um ano ou outro, não cumprir a meta fiscal – sem que isso comprometa a saúde das contas públicas.
Fundo Soberano – Um dos pontos mais criticados nas decisões tomadas na virada do ano para tentar cumprir, ao menos no papel, a meta fiscal foi o uso dos recursos do Fundo Soberano. A alternativa foi considerada oportunista e a prova de que o Planalto perdeu o rigor técnico. “Ninguém vai aceitar isso. Já não engoliram o artifício de descontar da meta os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É mais difícil ainda engolir que uma receita que entrou em 2008 possa ser recuperada e introduzida no fluxo de 2012”, criticou Velloso.
“Usar esse recurso no último dia do ano de 2012, quando ficou claro que o superávit se deteriorou fortemente, equivale a uma medida oportunista. Se fosse uma política anticíclica, as medidas deveriam ter sido previstas no orçamento de 2011 e não pegar todo mundo de surpresa”, disse Salto. O FSB, após a operação, perdeu 12 bilhões de reais e hoje conta com capital de 2,85 bilhões de reais.
A triangulação financeira – com transferência de ações da Petrobras pertencentes ao FSB para o BNDES em troca de títulos públicos – foi interpretada pelos analistas com uma tentativa de criar uma peça de ficção. “Querer mostrar algo que não se tem não dá”, declarou Velloso. Na opinião do especialista, a presidente Dilma, ao não cumprir o primário proposto no Orçamento, poderia vir a público e explicar todas as hipóteses que o governo considerou. Ela poderia, por exemplo, ter revelado quais seriam os possíveis superávits para as diferentes taxas de expansão do PIB. Contudo, a opção foi por acabar com a transparência.
Conquistas em xeque – A perda de qualidade no planejamento e a opção por manobras contábeis transmitem aos investidores a mensagem de que as regras do jogo hoje valem menos. Pior que isso. É cada vez mais presente a percepção de que consegue quem “chora mais” no colo do governo, como aconteceu, por exemplo, com a indústria.
Na prática, só o que a presidente Dilma e sua equipe econômica tem conseguido são quedas consecutivas na taxa de investimento – a última divulgação do PIB revelou que essa variável sofreu retração por cinco trimestres consecutivos, num claro sinal de perda de confiança na economia nacional. Além disso, o governo conseguiu levar o país a uma inflação média mais alta, em torno de 5,75%.
2013 – Camargo, da PUC-Rio, acredita que o governo deve cumprir formalmente a meta de 2012 graças às manobras contábeis e já enxerga dificuldades no horizonte. Este ano já começa, segundo o economista, com nível elevado de gastos e com baixo crescimento da economia – ele espera um PIB de apenas 2,6% para 2013 –, e sem sinal claro de que as desonerações tributárias terão redução expressiva. “Já há sinais vindos do próprio governo que não são positivos sobre a capacidade de atingir a meta. Eles publicaram uma medida provisória para as empresas públicas transferirem dividendos ao governo usando expectativas [de dividendos] e não o resultado efetivo”, alertou.
Diante disso, o professor aconselhou que o governo se adiantasse e fixasse, desde já, uma meta menor. No projeto do Orçamento para 2013 – que será votado somente em 5 de  fevereiro – consta, entretanto, o valor de 3,1% do PIB a ser perseguido como superávit fiscal, isto é, o mesmo valor dos últimos anos. Salto, da Tendências, diz que reduzir esse porcentual não seria complicado. Bastaria que o Planalto enviasse ao Congresso um projeto de lei para alterar a lei de diretrizes orçamentárias (LDO).
Lacerda, por outro lado, projeta um cenário benigno para os próximos meses. Na avaliação dele, a situação fiscal do país deve melhorar, uma vez que a atividade econômica se recuperará e pode até ocorrer de haver aumento no montante destinado ao FSB.
Credibilidade – O balanço entre a má notícia de 2012 e os planos para este ano revela que a Presidência da República caminha em terreno delicado no que compete à avaliação que os investidores – destacadamente os estrangeiros – podem fazer da seriedade da condução da política fiscal brasileira. “O Planalto mina crescentemente a credibilidade dos resultados fiscais, que são uma conquista importante do Brasil. Não consigo imaginar que uma pessoa como a presidente Dilma, que tem formação econômica, não tenha se dado conta disso”, afirmou Velloso. “Eu faria o jogo da verdade, pois, nessa seara fiscal, credibilidade é tudo. A gente só sabe o quão importante é quando a perde”, destacou.
(com reportagem de Ana Clara Costa, Ligia Tuon e Naiara Infante Bertão)

Um comentário:

Anônimo disse...

Outra matéria do santayana, sumamente interessante para a área de defesa:

http://www.maurosantayana.com/2012/08/o-cerco-do-ocidente-industria_16.html