Maridos, namorados e ex-conjugues são os principais agressores e representam 41,2% dos casos
AE
No ano passado, 37.717 mulheres brasileiras entre 20 e 59 anos procuraram hospitais públicos em busca de atendimento, após terem sido vítimas de violência e maus-tratos no País - um crescimento de 38,7% em comparação com 2010. O levantamento, feito pelo Ministério da Saúde, será divulgado nesta terça-feira (7), no dia em que a Lei Maria da Penha, que pune violência doméstica, faz seis anos.
Desde janeiro de 2011, uma resolução do Ministério da Saúde tornou compulsória a notificação oficial de todos os casos relacionados à violência contra a mulher que fossem atendidos na rede pública. Assim, segundo o governo, o crescimento de 38,7% não significa necessariamente aumento nos casos de violência, mas que havia subnotificação.
Se forem considerados os casos de violência envolvendo todas as mulheres - desde as menores de 1 ano até as com mais de 60 - o número chega a 70.270. Os dados constam do Mapa da Violência 2012, realizado pelo Centro Brasileiro de Estados Latino-americanos (Cebela) e pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).
Apesar de a notificação no Sistema Único de Saúde (SUS) ser compulsória, os casos não são informados nominalmente à polícia - assim, não há como afirmar quantos deles efetivamente se transformaram em processos contra os agressores.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o governo defende a ideia de que o documento elaborado pelo sistema de saúde valha como prova oficial em um eventual processo, evitando que a mulher seja exposta a constrangimento novamente ao ter de refazer exames no Instituto Médico-Legal (IML). "Defendemos que haja um debate em torno desse assunto, mesmo que seja necessária mudança legal. É muito constrangedor para a mulher ter de procurar a polícia e refazer todos os exames", avalia.
Tipos de violência
Segundo o levantamento, as agressões físicas são as principais formas de violência contra a mulher e representam 78,2% do total de casos registrados. Em seguida, estão os casos de agressão psicológica (32,2%) e violência sexual (7,5%). O levantamento mostra ainda que, do total de casos, 38,4% são reincidentes.
A própria casa é o principal cenário das agressões e os homens com os quais as mulheres se relacionam ou se relacionaram (marido, ex, namorado, companheiro) são os principais agressores e representam 41,2% dos casos. Amigos ou conhecidos são 8,1% e desconhecidos, 9,2%.
A psicóloga Patrícia Gugliotta Jacobucci, professora da Universidade São Francisco, vê os números com preocupação. De acordo com ela, apesar de as mulheres estarem denunciando mais, a maioria ainda tem dificuldade em romper o laço com o companheiro agressor - o que explica o alto número de reincidência. "A mulher não consegue se livrar da relação conflituosa. Mesmo fazendo a queixa, ela não rompe o ciclo da violência", diz.
Para a psicóloga, a rede precisa se preparar não apenas para fazer o atendimento imediato dessas mulheres, mas deve estar apta para atender a demanda psicológica. "É preciso resgatar a autoestima dessas mulheres."
Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, afirma que os dados apresentados no DataSus "ainda são só a ponta do iceberg". Waiselfisz diz que há dois motivos para explicar a subnotificação: primeiro, os dados são de mulheres que procuram o posto de saúde, o que significa que sofreram violência média ou grave. "A violência cotidiana, do dia a dia, continua não sendo comunicada", diz. Segundo, a sobrecarga de trabalho dos médicos, que podem deixar de fazer as notificações e detalhar os quadros da vítima.
Hoje, o Brasil tem 552 serviços de atendimento às mulheres em situação de violência sexual e doméstica. Padilha informou que o ministério vai lançar um edital de R$ 30 milhões para que as prefeituras apresentem programas e ações. "A ideia é que equipes de atenção básica criem estratégias para reduzir a violência e a reincidência", afirmou o ministro.
Punições
Agressores deixarão de responder apenas criminalmente em casos de violência doméstica e passarão a ser punidos também no bolso. A partir desta terça-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU), em nome do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vai pôr em prática uma iniciativa pioneira: ajuizar ações regressivas para cobrar o ressarcimento de gastos da União com auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte para os dependentes.
Ações regressivas já são ajuizadas pela União em maior escala contra empresas responsáveis por acidentes de trabalho - 2 mil processos em 21 anos, que somam mais de R$ 360 milhões. No ano passado, começaram os processos contra causadores de acidentes de trânsito. Agora, uma força-tarefa federal cuidará também de ações de violência doméstica.
O projeto deverá ser estendido a todos os Estados, por meio de parcerias com os Ministérios Públicos locais. Além da Secretaria de Políticas para Mulheres, já foram firmadas parcerias com as delegacias de Brasília e Espírito Santo.
A iniciativa terá início com a entrada, no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, em Brasília, de duas ações que já custaram R$ 53 mil aos cofres públicos, com estimativa de ultrapassar R$ 209 mil. Um dos casos que terá a ação ajuizada hoje é um homicídio ocorrido em 5 de fevereiro. O marido matou a mulher, deixando um filho de 3 anos. Até este mês, foram pagos R$ 3.859 de pensão por morte à criança, que, a princípio, tem direito ao benefício até completar 21 anos. Nesse caso, o custo à Previdência Social seria de R$ 156 mil.
A outra ação regressiva cobrará do acusado de uma tentativa de homicídio com qualificadores, ocorrida em setembro de 2009, os R$ 49.160 pagos à ex-mulher, referentes a dois auxílios-doença, frutos da agressão.
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