O usineiro e deputado João Lyra já foi considerado o parlamentar mais rico do Congresso. Agora, mergulhado em dívidas que somam R$ 2 bilhões, ele experimenta o declínio
Izabelle TorresBANCARROTA
Depois de dar calotes em série em bancos privados, João Lyra
teve a falência de seu conglomerado decretada pela Justiça
Em valores atualizados, o deputado deve R$ 2 bilhões, dez vezes o patrimônio pessoal declarado por ele à Justiça Eleitoral há dois anos. Em setembro, o juiz Marcelo Tadeu decretou a falência de seu conglomerado, entregando o comando de suas empresas a interventores. “Não dá para fechar os olhos para os débitos e essa situação vinha se arrastando há anos”, disse o juiz, que alega ter sofrido ameaças de morte por conta de sua atuação em desfavor de João Lyra. Há apenas dois meses, cinco auditores fazem uma devassa nas contas das usinas. As primeiras análises mostram que havia recursos em caixa para cumprir as negociações judiciais dos débitos, apesar dos argumentos de crise no setor sucroalcooleiro e das enchentes que atingiram Alagoas nos últimos anos. “A situação parece bem diferente do que era passado oficialmente nas negociações. Eles vinham dando calote em todo mundo deliberadamente”, resume um dos credores envolvidos no processo. Na ação de falência do Grupo João Lyra, que corre em sigilo, seus advogados não negam os débitos. Entretanto, dizem que não concordam com os critérios da cobrança. Também apelam para a importância do grupo na geração de empregos, especialmente em Alagoas e Minas Gerais. São cerca de seis mil funcionários diretos.
Para continuar mantendo seu alto padrão de vida, e as empresas em funcionamento, Lyra iniciou uma estratégia de calotes em série contra bancos privados, tanto estrangeiros como nacionais, e também entidades públicas. A cada ano e período de entressafra da cana-de-açúcar, seu grupo entrava com pedidos de empréstimos em diferentes bancos. Conseguiu abocanhar quase R$ 1 bilhão de pelo menos três instituições estrangeiras (um banco francês, um belga e um inglês), além do Banco do Nordeste, Bradesco e até do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas o usineiro, mesmo com o lucro da safra, deixou de pagar os empréstimos. Quando pressionado, renegociava a dívida. Fez isso ao menos seis vezes, segundo o processo de falência do Grupo João Lyra, obtido pela reportagem. Em 2010, a situação chegou ao limite. Os bancos estrangeiros, credores rurais e funcionários com salários atrasados decidiram cobrar a dívida de Lyra.
O calote bilionário se soma à lista de abusos alimentados pela impunidade. A influência de Lyra no Judiciário alagoano é conhecida há tempos. Nos anos 1990, ele conseguiu se livrar de acusações de assassinatos, apesar dos depoimentos e indícios contundentes de sua participação nos crimes. Em 1991, Lyra foi acusado pelo Ministério Público de mandar matar o amante da ex-esposa. Cinco anos depois, o parlamentar foi apontado como o mandante do assassinato do fiscal de renda Sílvio Vianna, que o cobrava por impostos devidos à União. O deputado, por meio de sua rede de influência, conseguiu engavetar os processos, que acabaram prescrevendo depois que ele completou 70 anos.
A crise nos negócios deixou o parlamentar com a saúde debilitada. A convivência conflituosa com a família tem agravado as doenças. Pai de quatro filhos, entre eles Tereza Collor, a musa do impeachment, o deputado não fez sucessores. Não treinou herdeiros naturais para cuidar dos seus negócios e a família não se encontra com frequência. Nas últimas décadas, suas companhias são assessores muito bem pagos, seguranças e, recentemente, a nova esposa, quase 30 anos mais jovem. Voa de jatinho particular entre Brasília e Maceió, e de helicóptero dentro da cidade.
Ao transitar nos corredores do Congresso, o parlamentar mantém-se distante das discussões e das rodinhas de políticos. Sempre circula pelas laterais, evitando o centro do plenário, onde as televisões captam imagens em tempo real e os deputados se digladiam na disputa por microfones. Isso quando ele aparece na Casa. Além de ser o mais faltoso, tendo comparecido a menos de 30% das sessões de 2012, o deputado apresentou este ano apenas quatro projetos. Três eram simples sugestões a ministérios, e outro foi elaborado sob medida para beneficiar a si mesmo. Pediu à Secretaria de Patrimônio da União a redução do laudêmio e da taxa de ocupação cobrados de quem mora em áreas pertencentes à Marinha. Ocorre que Lyra vive em uma luxuosa cobertura à beira-mar em Maceió e paga cerca de 3% do valor do imóvel à União. Na justificativa do projeto, o deputado alega que as taxas são abusivas e que também é preciso rever a dívida das famílias que acumulam débitos de laudêmio. Ele não paga a taxa há cinco anos. Pelo visto, o coronel continua o mesmo. Mas a possibilidade de que finalmente seja alcançado pela Justiça mostra que os tempos mudaram.
Foto: Orlando Brito
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