A internação da ministra Dilma Rousseff provocou um grave efeito colateral na democracia: a volta do golpe do terceiro mandato para Lula
Otávio Cabral e Alexandre Oltramari.Desde a eleição do presidente Lula, em 2002, o PT trabalha com a meta explícita de se manter no poder por vinte anos. É uma aspiração justa e natural de um grupo que construiu uma história e se legitimou politicamente no Brasil. Antes de cair em desgraça no escândalo do mensalão, o candidato natural à sucessão de Lula era o ex-ministro José Dirceu. A segunda opção lógica recaiu sobre o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, também abatido na investigação sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Desde o ano passado, a opção vem sendo Dilma Rousseff, a gestora eficiente, gerente do governo e coordenadora das principais obras federais. Há um mês, porém, a ministra descobriu ser portadora de um câncer linfático. Como, ainda mais do que a natureza, a política abomina o vácuo, a quase certeza médica da cura total da ministra tem sido pouco para neutralizar os movimentos de busca de um novo candidato. Na semana passada, Dilma foi internada às pressas em São Paulo para tratar dos efeitos colaterais do tratamento quimioterápico a que se submete . O apelo da ministra para que não misturassem sua saúde a questões políticas caiu no vazio. A notícia atiçou os aliados do governo, que, mais uma vez, se encarregaram de fundir as duas coisas, só que agora acoplando alternativas golpistas – como a de um terceiro mandato para Lula ou a simples prorrogação do atual mandato do presidente.
O deputado Jackson Barreto, do PMDB de Sergipe, que se diz amigo de Lula desde os tempos do sindicalismo, anunciou que vai apresentar na Câmara um projeto de emenda constitucional que prevê a realização de um plebiscito para que a população decida se Lula poderá concorrer a um terceiro mandato. O deputado Sandro Mabel, líder do PR, outro partido aliado do governo, apareceu com uma novidade de arrepiar: ele quer aprovar um projeto de sua autoria prevendo a prorrogação por mais dois anos dos mandatos do presidente, dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais. A justificativa oficial é permitir a coincidência do calendário eleitoral em 2012. Até o fim da reeleição com a adoção de mandatos de cinco anos, o que daria mais um ano de Presidência para Lula, voltou a ser discutida como alternativa em reuniões de congressistas aliados do governo.
Em viagem oficial ao exterior, Lula tornou a afirmar que rejeita a proposta de um terceiro mandato: "Não discuto essa hipótese. Primeiro, porque não tem terceiro mandato. Segundo, porque Dilma está bem". É uma negativa protocolar, já que o assunto está sendo discutido inclusive por ministros e assessores próximos ao presidente. Na terça-feira, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio, participou de um jantar com líderes do governo na Câmara no qual foi discutido abertamente o terceiro mandato. Na manhã seguinte, o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, promoveu um café da manhã com ministros, deputados e senadores que teve o tema como um dos pontos do cardápio. Na noite de quarta-feira, em um jantar na casa do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, o partido decidiu abraçar a tese do terceiro mandato e acelerar a tramitação do projeto de Jackson Barreto, aquele amigo do presidente. "Lula diz que não quer, não vai se mexer publicamente, mas não desautoriza ninguém a defender o terceiro mandato. Se cair no colo dele, não vai reclamar", afirma um líder da base.Por enquanto, o discurso dos próximos do presidente é deixar a proposta de terceiro mandato seguir seu curso. Serve, no mínimo, para manter a base do governo unida enquanto aguarda uma definição da candidatura oficial. Para acalmar a oposição, o governo consolida a versão de que alterar a Constituição é uma tarefa difícil, o que é verdade, e que não existe mais tempo hábil para a manobra, o que é mentira. O tempo será um fator decisivo caso Lula queira mesmo disputar o terceiro mandato em 2010. Uma alteração constitucional precisa ser feita antes de outubro por meio de uma proposta de emenda. Ela precisaria tramitar em tempo recorde na Câmara dos Deputados e no Senado e ser promulgada por Lula durante os próximos quatro meses. É uma tarefa que parece impossível quando se considera que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso levou quase dois anos, apenas na Câmara dos Deputados, para aprovar a reeleição. Mas não é impossível. A emenda mais célere da história, a que prorrogou a cobrança da CPMF, em 1999, um tema nada popular, tramitou durante exatos 119 dias no Congresso até ser promulgada.
A incerteza sobre a saúde da ministra já concretizou até uma alternativa oficial. Se as propostas golpistas não derem certo, o ex-ministro Antonio Palocci é apontado como o nome que, no momento, reúne mais condições de disputar a sucessão do presidente, isso, evidentemente, se ele for absolvido da acusação de ter ordenado a quebra ilegal do sigilo do caseiro. Segundo assessores do presidente, Palocci é um petista histórico, capaz de reunir a militância em torno de seu nome com muito mais facilidade. Os marqueteiros do Planalto calculam que qualquer candidato apoiado por Lula já começará a campanha com 35% nas intenções de voto e com o apoio maciço do eleitorado do Nordeste.
Depois da internação de emergência, Dilma resolveu seguir os conselhos dos médicos e reduzir seu ritmo de trabalho. Há um mês, quando a ministra anunciou a doença, alguns assessores palacianos recomendaram-lhe que se licenciasse do cargo. O conselho estava fundamentado em uma pesquisa realizada durante os meses que precederam a morte do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, em 2007, depois de ter sido internado quatro vezes em um período de cinco meses. A pesquisa procurou aferir como a luta pela vida influencia o resultado das urnas. Descobriu-se que o drama desperta compaixão e solidariedade, mas causa sérios prejuízos eleitorais ao político. A pesquisa, em síntese, mostrou que a doença, apesar de galvanizar a opinião pública, tira votos. É este – e apenas este – o drama que hoje comove os golpistas.
Otávio Cabral e Alexandre Oltramari.Desde a eleição do presidente Lula, em 2002, o PT trabalha com a meta explícita de se manter no poder por vinte anos. É uma aspiração justa e natural de um grupo que construiu uma história e se legitimou politicamente no Brasil. Antes de cair em desgraça no escândalo do mensalão, o candidato natural à sucessão de Lula era o ex-ministro José Dirceu. A segunda opção lógica recaiu sobre o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, também abatido na investigação sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Desde o ano passado, a opção vem sendo Dilma Rousseff, a gestora eficiente, gerente do governo e coordenadora das principais obras federais. Há um mês, porém, a ministra descobriu ser portadora de um câncer linfático. Como, ainda mais do que a natureza, a política abomina o vácuo, a quase certeza médica da cura total da ministra tem sido pouco para neutralizar os movimentos de busca de um novo candidato. Na semana passada, Dilma foi internada às pressas em São Paulo para tratar dos efeitos colaterais do tratamento quimioterápico a que se submete . O apelo da ministra para que não misturassem sua saúde a questões políticas caiu no vazio. A notícia atiçou os aliados do governo, que, mais uma vez, se encarregaram de fundir as duas coisas, só que agora acoplando alternativas golpistas – como a de um terceiro mandato para Lula ou a simples prorrogação do atual mandato do presidente.
O deputado Jackson Barreto, do PMDB de Sergipe, que se diz amigo de Lula desde os tempos do sindicalismo, anunciou que vai apresentar na Câmara um projeto de emenda constitucional que prevê a realização de um plebiscito para que a população decida se Lula poderá concorrer a um terceiro mandato. O deputado Sandro Mabel, líder do PR, outro partido aliado do governo, apareceu com uma novidade de arrepiar: ele quer aprovar um projeto de sua autoria prevendo a prorrogação por mais dois anos dos mandatos do presidente, dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais. A justificativa oficial é permitir a coincidência do calendário eleitoral em 2012. Até o fim da reeleição com a adoção de mandatos de cinco anos, o que daria mais um ano de Presidência para Lula, voltou a ser discutida como alternativa em reuniões de congressistas aliados do governo.
Em viagem oficial ao exterior, Lula tornou a afirmar que rejeita a proposta de um terceiro mandato: "Não discuto essa hipótese. Primeiro, porque não tem terceiro mandato. Segundo, porque Dilma está bem". É uma negativa protocolar, já que o assunto está sendo discutido inclusive por ministros e assessores próximos ao presidente. Na terça-feira, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio, participou de um jantar com líderes do governo na Câmara no qual foi discutido abertamente o terceiro mandato. Na manhã seguinte, o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, promoveu um café da manhã com ministros, deputados e senadores que teve o tema como um dos pontos do cardápio. Na noite de quarta-feira, em um jantar na casa do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, o partido decidiu abraçar a tese do terceiro mandato e acelerar a tramitação do projeto de Jackson Barreto, aquele amigo do presidente. "Lula diz que não quer, não vai se mexer publicamente, mas não desautoriza ninguém a defender o terceiro mandato. Se cair no colo dele, não vai reclamar", afirma um líder da base.Por enquanto, o discurso dos próximos do presidente é deixar a proposta de terceiro mandato seguir seu curso. Serve, no mínimo, para manter a base do governo unida enquanto aguarda uma definição da candidatura oficial. Para acalmar a oposição, o governo consolida a versão de que alterar a Constituição é uma tarefa difícil, o que é verdade, e que não existe mais tempo hábil para a manobra, o que é mentira. O tempo será um fator decisivo caso Lula queira mesmo disputar o terceiro mandato em 2010. Uma alteração constitucional precisa ser feita antes de outubro por meio de uma proposta de emenda. Ela precisaria tramitar em tempo recorde na Câmara dos Deputados e no Senado e ser promulgada por Lula durante os próximos quatro meses. É uma tarefa que parece impossível quando se considera que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso levou quase dois anos, apenas na Câmara dos Deputados, para aprovar a reeleição. Mas não é impossível. A emenda mais célere da história, a que prorrogou a cobrança da CPMF, em 1999, um tema nada popular, tramitou durante exatos 119 dias no Congresso até ser promulgada.
A incerteza sobre a saúde da ministra já concretizou até uma alternativa oficial. Se as propostas golpistas não derem certo, o ex-ministro Antonio Palocci é apontado como o nome que, no momento, reúne mais condições de disputar a sucessão do presidente, isso, evidentemente, se ele for absolvido da acusação de ter ordenado a quebra ilegal do sigilo do caseiro. Segundo assessores do presidente, Palocci é um petista histórico, capaz de reunir a militância em torno de seu nome com muito mais facilidade. Os marqueteiros do Planalto calculam que qualquer candidato apoiado por Lula já começará a campanha com 35% nas intenções de voto e com o apoio maciço do eleitorado do Nordeste.
Depois da internação de emergência, Dilma resolveu seguir os conselhos dos médicos e reduzir seu ritmo de trabalho. Há um mês, quando a ministra anunciou a doença, alguns assessores palacianos recomendaram-lhe que se licenciasse do cargo. O conselho estava fundamentado em uma pesquisa realizada durante os meses que precederam a morte do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, em 2007, depois de ter sido internado quatro vezes em um período de cinco meses. A pesquisa procurou aferir como a luta pela vida influencia o resultado das urnas. Descobriu-se que o drama desperta compaixão e solidariedade, mas causa sérios prejuízos eleitorais ao político. A pesquisa, em síntese, mostrou que a doença, apesar de galvanizar a opinião pública, tira votos. É este – e apenas este – o drama que hoje comove os golpistas.
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