Há séculos, filósofos debatem se é possível fazer política sem mentira. Otto von Bismarck, primeiro-ministro da Prússia no fim do século XIX, unificador da Alemanha, chegou a chanceler por meio de uma mentira. Em 1870, ele recebeu um telegrama escrito pelo embaixador da França propondo uma negociação entre as duas nações. Bismarck, defensor da guerra, alterou o texto, cortou frases inteiras e transformou o aceno de paz em uma declaração de hostilidade. Vieram a guerra, a vitória da Prússia e a unificação dos estados alemães. A revelação da farsa tempos depois maculou a imagem do herói que passou à história por defender abertamente a ideia de que um estadista precisa ter a mentira como arma legítima. Felizmente, com o triunfo das sociedades democráticas veio a intolerância com a mentira, mas nem isso tirou dela o papel central que exerce na prática política. Pergunte, por exemplo, ao presidente Lula o que ele pensa sobre o presidente do Congresso, senador José Sarney. Pergunte a alguns petistas de alto coturno o que eles realmente acham da candidatura da ministra Dilma Rousseff. As respostas serão políticas ou técnicas, mas elas mais esconderão do que revelarão. Isso é mentira? No mundo real, sim. Na política de todos os tempos, é apenas esperteza, inteligência ou habilidade. O pecado não está propriamente em mentir, mas em ser pego na mentira. Será? No Brasil de hoje, nem isso.
O senador José Sarney, por exemplo, disse em plenário que nunca usou o poder para beneficiar amigos e parentes – e segue tranquilamente no comando do Senado. Alguns senadores de oposição juram de pés juntos que não existe o chamado "acordão" para esconder as irregularidades no Congresso debaixo do tapete – e seguem fazendo de conta que lutam pela moralidade. A ministra Dilma Rousseff tem como regra negar peremptoriamente qualquer fato que a envolva de forma negativa – mesmo quando as evidências se voltam totalmente contra ela. Por essa razão, talvez, mesmo quando o ônus da prova é de quem a acusa, a ministra parece estar, se não mentindo, pelo menos omitindo alguma coisa. Isso é o que se vê agora, com sua negativa de que tenha se reunido com a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira para tentar interferir em uma investigação do órgão contra a família Sarney. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, na semana passada, a ex-secretária contou que, no fim do ano passado, foi chamada ao gabinete da ministra, no Palácio do Planalto, e ela pediu que a investigação sobre as empresas da família Sarney fosse concluída rapidamente. Lina disse ter interpretado o pedido como uma ordem para encerrar o trabalho. Por ter se recusado a cumpri-la, foi demitida. Cabe a Lina provar o que afirmou e reafirmou. Esse é o ponto de vista não apenas legal, mas também ético da questão. Entretanto, do ponto de vista político, infelizmente o que vale mesmo são as aparências.A reação de Dilma Rousseff à acusação de Lina não agradou a uma parte do PT – aquela que, em público, diz que as explicações da ministra foram absolutamente convincentes. Embora careçam ainda de comprovação, as declarações da ex-secretária são de extrema gravidade e causaram preocupação no governo por dois motivos (verdadeiros). No campo administrativo, se provada a existência da reunião, a ministra teria cometido um crime de prevaricação e improbidade em benefício de um aliado, fatal para quem tem ambições à Presidência da República. No campo político, a reação de Dilma foi classificada como inábil para alguém que tem pela frente uma dura campanha presidencial, na qual acusações, provocações e denúncias são parte do jogo. Começar a partida com a fama de não escapar ilesa de acusações – sejam elas falsas ou verdadeiras – é o fardo que a candidatura de Dilma está tendo de carregar agora.
"Se o rótulo de mentirosa colar na ministra, será muito difícil superar isso em uma campanha", diz um petista com interlocução direta com o presidente Lula. Há sinais de que o episódio da Receita Federal chegou a fazer Lula questionar a escolha de sua candidata à sucessão. Em conversa com aliados, o presidente se mostrou preocupado com o fato de a ministra estar criando muitos atritos antes do início do processo eleitoral. Em público, Lula jamais admitirá isso, até porque Dilma só é candidata por imposição do próprio presidente. O problema é que existe um movimento subterrâneo do PT, supostamente os aliados da ministra, para tentar criar-lhe dificuldades. A história petista de Dilma é recente. Ela se filiou ao partido apenas em 1999, após romper com o PDT. Não pertence a nenhuma das correntes petistas e não tem influência na máquina partidária. Jamais disputou eleição e é considerada no partido apenas um quadro técnico. O PT aceitou sua candidatura por submissão a Lula, mas jamais se empolgou com a ideia. Nesta terça-feira, Lina Vieira deverá prestar depoimento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Ela só foi convocada após afirmar a senadores de oposição ter como comprovar sua versão dos fatos. Não havia um único petista na sessão que aprovou o comparecimento da ex-secretária. O governo enxergou na "negligência" uma ação combinada da bancada petista no Congresso.Há, de fato, uma insatisfação latente entre diversos setores do PT que não têm coragem de enfrentar o presidente Lula mas alimentam uma espécie de rebelião silenciosa. Em uma reunião com dirigentes do PT e do PSB, Lula não poupou críticas ao líder de seu partido, Aloizio Mercadante. Para Lula, se houve omissão ou falha do líder no caso da convocação da ex-secretária da Receita, é um fato grave. Mas, se a ausência da bancada foi deliberada, como forma de mandar um recado ao governo, é imperdoável. Mercadante e os petistas do Senado vêm batendo de frente com Lula desde a eleição de José Sarney para a presidência do Senado, em fevereiro passado. O PT queria o senador Tião Viana, e o governo, o PMDB, representado por José Sarney – que acabou vencendo a disputa e enfrentando uma saraivada de denúncias que o envolvem em nepotismo, favorecimento de familiares, contas secretas no exterior, desvios de recursos públicos e irregularidades administrativas. Boa parte dos escândalos envolvendo Sarney, suspeita o governo, teve origem em documentos e informações vazadas por parlamentares do PT.
O episódio Lina não foi o único a azedar a semana da ministra Dilma. Talvez pior tenha sido o aparecimento no cenário de campanha para 2010 da senadora petista Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, que recebeu convite do Partido Verde para se candidatar ao Planalto. "Tantos projetos que eu não consegui aprovar nestes anos… Se eu não consegui com o Lula, como é que eu vou lutar por mais oito anos com a Dilma?", disse ela. O Planalto convocou os dois principais aliados de Marina, o senador Tião Viana e o ex-governador Jorge Viana, para tentar demovê-la da ideia, mas eles nada fizeram, porque também estão insatisfeitos com Lula. Tião não se conforma com o boicote do presidente e de Dilma à sua candidatura no Senado. E seu irmão, Jorge, desconfia que Dilma foi contra a sua entrada no ministério após a queda de Marina. Para aumentar a tensão, os petistas de São Paulo, que comandam o partido, não querem nem ouvir falar no apoio, defendido pelo presidente Lula, ao deputado Ciro Gomes para o governo paulista.
"Falta a Lula dimensão histórica dessa crise. Sarney, Collor e outros representam a política que o Brasil quer superar. Ao apoiá-los e obrigar o PT a andar junto com essa gente, Lula está nos forçando a abraçá-los e morrer junto com eles", analisa um senador petista, sob a garantia do anonimato. Esse mesmo senador, se perguntado formalmente sobre a mesma história, dirá, em público, que Lula tem razão ao defender o presidente do Congresso, que não há nada de mais em andar acompanhado de Fernando Collor e que as críticas não passam de uma conspiração da oposição para tentar implodir o apoio do PMDB a Dilma em 2010. Diz o filósofo Roberto Romano: "A mentira sempre foi um componente histórico da política. O avanço da sociedade democrática serve como um antídoto, mas os políticos continuam fazendo da mentira um instrumento de trabalho". Sendo realistas, foi, é e sempre será assim.
O senador José Sarney, por exemplo, disse em plenário que nunca usou o poder para beneficiar amigos e parentes – e segue tranquilamente no comando do Senado. Alguns senadores de oposição juram de pés juntos que não existe o chamado "acordão" para esconder as irregularidades no Congresso debaixo do tapete – e seguem fazendo de conta que lutam pela moralidade. A ministra Dilma Rousseff tem como regra negar peremptoriamente qualquer fato que a envolva de forma negativa – mesmo quando as evidências se voltam totalmente contra ela. Por essa razão, talvez, mesmo quando o ônus da prova é de quem a acusa, a ministra parece estar, se não mentindo, pelo menos omitindo alguma coisa. Isso é o que se vê agora, com sua negativa de que tenha se reunido com a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira para tentar interferir em uma investigação do órgão contra a família Sarney. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, na semana passada, a ex-secretária contou que, no fim do ano passado, foi chamada ao gabinete da ministra, no Palácio do Planalto, e ela pediu que a investigação sobre as empresas da família Sarney fosse concluída rapidamente. Lina disse ter interpretado o pedido como uma ordem para encerrar o trabalho. Por ter se recusado a cumpri-la, foi demitida. Cabe a Lina provar o que afirmou e reafirmou. Esse é o ponto de vista não apenas legal, mas também ético da questão. Entretanto, do ponto de vista político, infelizmente o que vale mesmo são as aparências.A reação de Dilma Rousseff à acusação de Lina não agradou a uma parte do PT – aquela que, em público, diz que as explicações da ministra foram absolutamente convincentes. Embora careçam ainda de comprovação, as declarações da ex-secretária são de extrema gravidade e causaram preocupação no governo por dois motivos (verdadeiros). No campo administrativo, se provada a existência da reunião, a ministra teria cometido um crime de prevaricação e improbidade em benefício de um aliado, fatal para quem tem ambições à Presidência da República. No campo político, a reação de Dilma foi classificada como inábil para alguém que tem pela frente uma dura campanha presidencial, na qual acusações, provocações e denúncias são parte do jogo. Começar a partida com a fama de não escapar ilesa de acusações – sejam elas falsas ou verdadeiras – é o fardo que a candidatura de Dilma está tendo de carregar agora.
"Se o rótulo de mentirosa colar na ministra, será muito difícil superar isso em uma campanha", diz um petista com interlocução direta com o presidente Lula. Há sinais de que o episódio da Receita Federal chegou a fazer Lula questionar a escolha de sua candidata à sucessão. Em conversa com aliados, o presidente se mostrou preocupado com o fato de a ministra estar criando muitos atritos antes do início do processo eleitoral. Em público, Lula jamais admitirá isso, até porque Dilma só é candidata por imposição do próprio presidente. O problema é que existe um movimento subterrâneo do PT, supostamente os aliados da ministra, para tentar criar-lhe dificuldades. A história petista de Dilma é recente. Ela se filiou ao partido apenas em 1999, após romper com o PDT. Não pertence a nenhuma das correntes petistas e não tem influência na máquina partidária. Jamais disputou eleição e é considerada no partido apenas um quadro técnico. O PT aceitou sua candidatura por submissão a Lula, mas jamais se empolgou com a ideia. Nesta terça-feira, Lina Vieira deverá prestar depoimento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Ela só foi convocada após afirmar a senadores de oposição ter como comprovar sua versão dos fatos. Não havia um único petista na sessão que aprovou o comparecimento da ex-secretária. O governo enxergou na "negligência" uma ação combinada da bancada petista no Congresso.Há, de fato, uma insatisfação latente entre diversos setores do PT que não têm coragem de enfrentar o presidente Lula mas alimentam uma espécie de rebelião silenciosa. Em uma reunião com dirigentes do PT e do PSB, Lula não poupou críticas ao líder de seu partido, Aloizio Mercadante. Para Lula, se houve omissão ou falha do líder no caso da convocação da ex-secretária da Receita, é um fato grave. Mas, se a ausência da bancada foi deliberada, como forma de mandar um recado ao governo, é imperdoável. Mercadante e os petistas do Senado vêm batendo de frente com Lula desde a eleição de José Sarney para a presidência do Senado, em fevereiro passado. O PT queria o senador Tião Viana, e o governo, o PMDB, representado por José Sarney – que acabou vencendo a disputa e enfrentando uma saraivada de denúncias que o envolvem em nepotismo, favorecimento de familiares, contas secretas no exterior, desvios de recursos públicos e irregularidades administrativas. Boa parte dos escândalos envolvendo Sarney, suspeita o governo, teve origem em documentos e informações vazadas por parlamentares do PT.
O episódio Lina não foi o único a azedar a semana da ministra Dilma. Talvez pior tenha sido o aparecimento no cenário de campanha para 2010 da senadora petista Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, que recebeu convite do Partido Verde para se candidatar ao Planalto. "Tantos projetos que eu não consegui aprovar nestes anos… Se eu não consegui com o Lula, como é que eu vou lutar por mais oito anos com a Dilma?", disse ela. O Planalto convocou os dois principais aliados de Marina, o senador Tião Viana e o ex-governador Jorge Viana, para tentar demovê-la da ideia, mas eles nada fizeram, porque também estão insatisfeitos com Lula. Tião não se conforma com o boicote do presidente e de Dilma à sua candidatura no Senado. E seu irmão, Jorge, desconfia que Dilma foi contra a sua entrada no ministério após a queda de Marina. Para aumentar a tensão, os petistas de São Paulo, que comandam o partido, não querem nem ouvir falar no apoio, defendido pelo presidente Lula, ao deputado Ciro Gomes para o governo paulista.
"Falta a Lula dimensão histórica dessa crise. Sarney, Collor e outros representam a política que o Brasil quer superar. Ao apoiá-los e obrigar o PT a andar junto com essa gente, Lula está nos forçando a abraçá-los e morrer junto com eles", analisa um senador petista, sob a garantia do anonimato. Esse mesmo senador, se perguntado formalmente sobre a mesma história, dirá, em público, que Lula tem razão ao defender o presidente do Congresso, que não há nada de mais em andar acompanhado de Fernando Collor e que as críticas não passam de uma conspiração da oposição para tentar implodir o apoio do PMDB a Dilma em 2010. Diz o filósofo Roberto Romano: "A mentira sempre foi um componente histórico da política. O avanço da sociedade democrática serve como um antídoto, mas os políticos continuam fazendo da mentira um instrumento de trabalho". Sendo realistas, foi, é e sempre será assim.
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