Iranianos não se intimidam com a brutalidade policial e homenageiam os jovens que morreram nos protestos de junho, mas as manifestações estão diminuindo e Ahmadinejad vai, com a risadinha cínica, para o segundo mandato.Estava proibido homenagear os mortos na quinta-feira da semana passada em Teerã, capital do Irã. Desde cedo, a polícia colocou-se a postos no cemitério principal, armada com o arsenal habitual – cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, capacetes e escudos. Do outro lado, armas que ainda haverão de se provar mais fortes: desejo de liberdade, espantosa coragem e rosas. A cerimônia, tradicionalmente feita entre os xiitas para lembrar os quarenta dias de luto pela morte de entes queridos, era em memória de dez jovens que haviam sido espancados e assassinados durante a onda de furor público que sacudira o Irã depois da reeleição patentemente fraudada do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Pelas ruas eternamente poeirentas, mães, familiares e centenas de oposicionistas aproximaram-se do cemitério. Levavam rosas, tão simbólicas na cultura persa. E fotos dos mortos e faixas verdes, a cor do Islã cooptada pelo movimento espontâneo de repúdio aos poderes atuais. E celulares, onipresentes, incontroláveis. Através deles, as manifestações se organizam. Foi um celular que levou ao mundo a agonia da principal homenageada na semana passada, Neda Soltan, a bela e trágica jovem de 26 anos transformada em mártir com um tiro no peito. "Neda vive", gritava a multidão. A polícia fez o de sempre – bateu, prendeu. Os protestos continuaram noite adentro, terminando com a angústia costumeira – o sentimento de revolta é grande e os que saem às ruas para expressá-lo o fazem com bravura admirável, mas o regime parece mais forte.
Desde a grande explosão de protestos provocada pelo resultado da eleição presidencial de 12 de junho, que saiu tão depressa e tão maquiado que nem urnas hipereletrônicas conseguiriam, as manifestações estão refluindo. A tática dos organismos de repressão, de não ir para o confronto aberto, mas agir com brutalidade circunscrita e exemplar, produziu um número relativamente baixo de vítimas, considerando-se os precedentes: pouco mais de cinquenta mortos e cerca de 2 000 presos, dos quais 200 continuam detidos. Os relatos que saem dos cárceres são, previsivelmente, horríveis e alimentam a impressão de que o Irã, uma bomba que ameaçava devastar o Oriente Médio (e continua a ameaçar em face da perspectiva de um ataque israelense para acabar com a possibilidade de armamentos nucleares), está explodindo por dentro. Os jovens urbanos e instruídos que fazem o grosso dos manifestantes, apoiados por uma parte da classe dirigente, são movidos por um profundo desejo de liberdade. Querem ter uma vida normal, participar do mundo, não temer a polícia religiosa, que controla os menores desvios das normas mais ortodoxas. E, claro, não ver mais pela frente a risadinha cínica e a cara sinistra de Ahmadinejad. Não propugnam, em princípio, a derrocada dos preceitos da revolução islâmica, que instalou o sistema teocrata no Irã em 1979. O projetos totalitários, no entanto, não permitem reforma ou modernização. Ou existem em sua plenitude ou desabam.
Os protestos de rua galvanizam a insatisfação das camadas de elite, mas existe também uma luta política interna nas hostes do regime dos aiatolás. No Irã a autoridade máxima é exercida, como nas piadinhas de marciano, por um líder supremo, Ali Khamenei. Foi o grão-aiatolá que bancou a vitória fraudada de Ahmadinejad e foi ele também que lhe deu um chega pra lá quando tentou pôr as asinhas de fora. No caso, Ahmadinejad teve de recuar, pusilanimemente, quando tentou emplacar como o principal dos vice-presidentes – são doze, existem coisas piores do que Brasília – o sogro de seu filho. Para simular espírito conciliatório, Ahmadinejad também mandou liberar opositores, vivos ou mortos. O efeito foi o inverso. Os cadáveres foram devolvidos às famílias com sinais de tortura e espancamento. Dentre os libertados, surgiram relatos do suplício nas celas, que circularam via internet. "Tinha tanta gente que ninguém podia se mexer. Os guardas à paisana chegaram e quebraram todas as lâmpadas. Na escuridão total, começaram a nos espancar. Quando chegou de manhã, pelo menos quatro estavam mortos", escreveu um anônimo. "Eles obrigaram todos a ficar de pé durante 48 horas, sem dormir. Na primeira noite, amarraram nossas mãos e bateram sem parar com porretes. Havia meninos de 15 anos e homens com mais de 70. Eles choravam e pediam misericórdia; os guardas nem ligavam", contou outro. Persistir nas manifestações sabendo que correm semelhantes riscos é outra prova da coragem dos jovens iranianos. "Eles não podem transformar este país numa prisão de 70 milhões de pessoas", disse Mir Hossein Mousavi, o candidato oposicionista que se tornou repositório de tantas esperanças frustradas. Mas certamente vão continuar tentando.
Desde a grande explosão de protestos provocada pelo resultado da eleição presidencial de 12 de junho, que saiu tão depressa e tão maquiado que nem urnas hipereletrônicas conseguiriam, as manifestações estão refluindo. A tática dos organismos de repressão, de não ir para o confronto aberto, mas agir com brutalidade circunscrita e exemplar, produziu um número relativamente baixo de vítimas, considerando-se os precedentes: pouco mais de cinquenta mortos e cerca de 2 000 presos, dos quais 200 continuam detidos. Os relatos que saem dos cárceres são, previsivelmente, horríveis e alimentam a impressão de que o Irã, uma bomba que ameaçava devastar o Oriente Médio (e continua a ameaçar em face da perspectiva de um ataque israelense para acabar com a possibilidade de armamentos nucleares), está explodindo por dentro. Os jovens urbanos e instruídos que fazem o grosso dos manifestantes, apoiados por uma parte da classe dirigente, são movidos por um profundo desejo de liberdade. Querem ter uma vida normal, participar do mundo, não temer a polícia religiosa, que controla os menores desvios das normas mais ortodoxas. E, claro, não ver mais pela frente a risadinha cínica e a cara sinistra de Ahmadinejad. Não propugnam, em princípio, a derrocada dos preceitos da revolução islâmica, que instalou o sistema teocrata no Irã em 1979. O projetos totalitários, no entanto, não permitem reforma ou modernização. Ou existem em sua plenitude ou desabam.
Os protestos de rua galvanizam a insatisfação das camadas de elite, mas existe também uma luta política interna nas hostes do regime dos aiatolás. No Irã a autoridade máxima é exercida, como nas piadinhas de marciano, por um líder supremo, Ali Khamenei. Foi o grão-aiatolá que bancou a vitória fraudada de Ahmadinejad e foi ele também que lhe deu um chega pra lá quando tentou pôr as asinhas de fora. No caso, Ahmadinejad teve de recuar, pusilanimemente, quando tentou emplacar como o principal dos vice-presidentes – são doze, existem coisas piores do que Brasília – o sogro de seu filho. Para simular espírito conciliatório, Ahmadinejad também mandou liberar opositores, vivos ou mortos. O efeito foi o inverso. Os cadáveres foram devolvidos às famílias com sinais de tortura e espancamento. Dentre os libertados, surgiram relatos do suplício nas celas, que circularam via internet. "Tinha tanta gente que ninguém podia se mexer. Os guardas à paisana chegaram e quebraram todas as lâmpadas. Na escuridão total, começaram a nos espancar. Quando chegou de manhã, pelo menos quatro estavam mortos", escreveu um anônimo. "Eles obrigaram todos a ficar de pé durante 48 horas, sem dormir. Na primeira noite, amarraram nossas mãos e bateram sem parar com porretes. Havia meninos de 15 anos e homens com mais de 70. Eles choravam e pediam misericórdia; os guardas nem ligavam", contou outro. Persistir nas manifestações sabendo que correm semelhantes riscos é outra prova da coragem dos jovens iranianos. "Eles não podem transformar este país numa prisão de 70 milhões de pessoas", disse Mir Hossein Mousavi, o candidato oposicionista que se tornou repositório de tantas esperanças frustradas. Mas certamente vão continuar tentando.
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