Após a prisão de uma adolescente de origem
cigana durante um passeio escolar, o presidente da França enfrenta
protestos em todo o país e vê seu nível de popularidade despencar
Fabíola Perez
O fantástico lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que
consagrou a Revolução Francesa do século XVIII e que há mais de 200 anos
inspira gerações, vem sendo subvertido na própria França. O aumento da
xenofobia chegou ao seu ápice com a deportação, há uma semana, da
adolescente de origem cigana Leonarda Dibrani, 15 anos, detida quando
trafegava em um ônibus escolar e deportada para o Kosovo sem direito a
apelação. Há cinco anos Leonarda vivia de forma irregular com familiares
na região de Doubs, mas seus parentes já haviam entrado com um pedido
de regularização. A truculência policial e a indiferença do governo de
François Hollande, que não moveu uma palha para ajudar a garota,
comoveram o país e levaram milhares de jovens às ruas. “Parar um ônibus e
humilhar alguém em frente aos colegas de classe foi uma ação sem
sentido do governo francês”, afirmou à ISTOÉ Alex Lazarowicz, cientista
político do European Policy Centre. “Há muito racismo no país,
principalmente contra ciganos”, concorda Olivier Dabène, cientista
político do instituto francês Sciences Po. “Eles são frequentemente
acusados de não se integrarem à sociedade e de comportamentos ilegais.
Em tempos de crise, se tornaram bodes expiatórios.”
Estudos recentes mostram que aversão a estrangeiros é um mal que
avança de forma perigosa na Comunidade Europeia. Na Alemanha de Angela
Merkel, uma pesquisa revelou que 80% da população se preocupa com a
presença de imigrantes ilegais. Outro levantamento mostrou que 77% dos
franceses aprovam as leis rígidas que estabelecem a deportação imediata
para moradores irregulares. De olho nesses indicadores, os políticos
aumentaram a intensidade de seus discursos contra os imigrantes – e é
justamente essa onda de preconceito vinda de todos os lados que gera
preocupação. No caso do francês François Hollande, o endurecimento
contra os estrangeiros pode ser visto como uma tentativa desesperada de
aumentar seus índices de popularidade. Há alguns dias, uma pesquisa de
opinião trouxe um dado espantoso: apenas 23% dos franceses aprovam o
governo de Hollande, o percentual mais baixo entre todos os países ricos
da Europa. Mais surpreendente ainda: trata-se do menor índice desde o
governo de François Mitterrand, na década de 1980.
Hollande substituiu o ex-presidente Nicolas Sarkozy com o objetivo
declarado de governar para todas as classes sociais, conduzir o país a
uma solução para o desemprego e equilibrar os anseios de uma população
majoritariamente de direita. Sua elevadíssima taxa de rejeição, porém,
aponta para um caminho de incertezas.“Apesar de uma retórica diferente, o
governo atual não marcou uma ruptura com Sarkozy”, observa Dabène, do
Instituto Sciences Po. As críticas surgem principalmente pela falta de
liderança política e pela incapacidade de tomar decisões. “Ele parece
hesitar constantemente”, afirma o cientista político. À medida que
Hollande perde popularidade, o ministro do Interior, Manuel Valls,
emerge como uma voz de peso. Filiado ao Partido Socialista, mas
identificado com o eleitorado de direita, o ministro declarou guerra à
população de ciganos. “A cultura deles é muito diferente da nossa”,
afirmou recentemente. “Como não querem se integrar, a única solução é
devolvê-los para seus países.” Declarações como essas deram a Valls 89%
do apoio dos eleitores de direita.
A decisão de expulsar Leonarda foi tomada com base em informações de
que a família teria ignorado diversas ordens de deixar o país. No mesmo
dia em que a jovem foi impedida de participar da excursão escolar, a mãe
e os cinco irmãos também foram detidos. O pai da adolescente, Resat
Dibrani, havia sido deportado um dia antes da filha. Sob forte pressão e
reprovação do eleitorado de esquerda, o presidente Hollande tentou
voltar atrás. Disse que Leonarda poderia regressar à França para dar
sequência aos estudos – mas sem a família, que deveria continuar vivendo
no Kosovo. “Se ele não tem coração para acolher minha família, vou
ficar”, afirmou Leonarda. “Mas um dia voltarei.”
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