8 de set. de 2009

Laços cada vez mais sólidos

BRASÍLIA - Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, da França, confirmaram ontem o início das negociações entre os governos dos dois países para a compra, por parte do governo brasileiro, de 36 aviões caça Rafale franceses, com o compromisso de transferência de tecnologia relacionada às aeronaves ao Brasil. Lula e Sarkozy não revelaram os valores oficiais que envolvem a negociação, mas o governo brasileiro confirmou que negocia apenas com a França a compra das aeronaves – excluindo temporariamente a Suécia e os Estados Unidos, que também concorriam com os franceses pela oportunidade de comercializar aeronaves ao Brasil.
Lula justificou a compra dos aviões de caça com o argumento de que o Brasil precisa reforçar o controle de suas fronteiras e de suas riquezas naturais, principalmente a Amazônia e o pré-sal.
– Vamos produzir equipamentos que reforçarão a capacidade tecnológica do Brasil para proteger e fortalecer suas riquezas naturais. Esse é um componente essencial da estratégia de defesa que meu país aprovou. Queremos preservar o continente como zona de paz. O Brasil aposta em projeto regional de defesa para a integração e o desenvolvimento – afirmou. Ao discursar ao lado de Sarkozy, o presidente disse ainda que o Brasil é um país que “prima pela paz”, mas precisa se precaver. – Deve sempre passar pela nossa cabeça a ideia de que o petróleo já foi motivo de muitas guerras, muitos conflitos. Não queremos nem guerra nem conflito. O Brasil vê oportunidade do pré-sal como oportunidade de daqui a 10 ou 15 anos se transformar em grande economia mundial.
Lula disse ainda que Brasil e França consolidaram ontem uma “parceira estratégia entre dois povos que têm muita coisa em comum”. Segundo o presidente brasileiro, a França e o Brasil não querem apenas vender aeronaves, mas “pensar juntos, criar juntos, construir juntos e, se for possível, vender muito juntos”.
Madrugada
O acordo entre o governo francês e o brasileiro para a compra dos caça Rafale foi fechado ainda na madrugada de ontem, depois que Lula jantou com Sarkozy no Palácio da Alvorada. Ministros e técnicos dos dois países ficaram reunidos até as 2h para definir os termos do acordo, que inclui a troca de tecnologia entre França e Brasil para a manutenção e futura produção das aeronaves. Na conversa entre Lula e Sarkozy, representantes do governo francês se comprometeram com os repasses tecnológicos.
– Para nós, o avião é importante. Mas o importante mesmo é ter acesso à tecnologia para que possamos produzir esse avião no Brasil. É isso que estamos negociando agora, com o ministro da Defesa da França, a empresa que produz (o avião). No fundo, o Brasil quer comprar um avião que dê ao Brasil a garantia de uso total desse avião com transferência de tecnologia – explicou Lula. Segundo o presidente, caberá, agora, ao comandante da Aeronáutica e ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, negociar os termos financeiros da operação de compra e venda das aeronaves. – Nós decidimos começar as negociações para a compra do Rafale. Eu não sei o total ainda. Esta semana estarei discutindo pormenores com comandante da Aeronáutica e o ministro Jobim, porque eles vão ter que viaja re discutir esses assuntos.
Sarkozy, por sua vez, disse que a disposição dos dois governos é fazer uma espécie de operação “casada” para a compra e venda das aeronaves com as respectivas transferências de tecnologia entre França e Brasil. Ao contrário de Lula, que evitou confirmar o fim da concorrência com as empresas norte-americanas e suecas para a compra das aeronaves, Sarkozy foi mais direto e disse que o governo brasileiro quer negociar diretamente com a França a aquisição das aeronaves.
– Eu anuncio aqui a decisão de, a princípio, comprar os aviões de transporte brasileiro para substituir nossos C-130. A negociação está começando, nas mesmas condições. Se eles (brasileiros) estiverem de acordo, gostaríamos de nos associar a essa construção de aviões numa verdadeira troca, como faremos da mesma maneira com o Rafale, que será desenvolvimento em comum acordo com os brasileiros – disse Sarkozy.
Além da compra das aeronaves Rafale, o governo brasileiro também firmou com a França ontem o compromisso de adquirir submarinos com tecnologia nuclear e helicópteros de transporte do tipo EC-725. A ideia inicial é adquirir ao menos 50 aeronaves. Os helicópteros serão produzidos pela Helibras, que tem entre os acionistas a francesa Eurocopter.
Rafale expande aviação de combate no Brasil
Força Aérea vai criar dois novos grupos, um no Norte e outro no Nordeste, como resultado da aquisição dos caças franceses pelo governo brasileiro
O Comando da Força Aérea vai criar ao menos dois novos grupos de aviação de caça, no Norte e no Nordeste, deslocando para essas áreas parte da frota atual, formada por F-5EM, bombardeiros leves AMX e, talvez, o Mirage 2000C/B.
O novo desenho da aviação de combate está diretamente ligado ao advento do Rafale-3, a versão mais avançada do supersônico francês, cuja escolha pelo governo para compor a frota de aeronaves de combate de alta tecnologia e múltiplo uso foi anunciada ontem, em Brasília.
O contrato, envolvendo 36 unidades, deve chegar a 4 bilhões. É apenas o início. O programa contempla encomendas suplementares ao longo da próxima década, tendo como referência um lote de até 120 aviões.
Segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o modelo previsto é o da padronização da plataforma, em que um mesmo tipo de caça serve às diversas especificações - eventualmente, também da aviação naval.
No arranjo das novas unidades de ataque e interdição, está sendo considerada a necessidade de intervenção na região da Amazônia, fronteiras norte-noroeste e a projeção sobre o oceano Atlântico a partir de pontos no litoral do nordeste.
A princípio seriam levados a essas instalações os modernizados F-5EM, jatos supersônicos revitalizados pela Embraer. Há 59 deles no inventário da FAB. O mesmo movimento pode atingir os 53 AMX, caças bombardeiros de precisão e provavelmente os 12 Mirage 2000 atualmente no 1º Grupo de Defesa Aérea da base de Anápolis, próximo a Brasília, em Goiás, responsável pela proteção do Distrito Federal e de determinados alvos estratégicos.
O Rafale Mark 3 escolhido pelo Brasil está chegando agora a Armée de L’Air, a aviação militar da França. O primeiro protótipo foi apresentado em 1985. O desenvolvimento foi lento até a assinatura do primeiro contrato, em 1993. De acordo com o informe anual da presidência da república, o governo francês investiu, ao longo de 23 anos, completados em dezembro de 2008, aproximadamente 39 bilhões no programa. O horizonte de encomendas, entre pedidos firmes e opções futuras, era de 282 unidades para a Força Aérea e a Marinha. De acordo com especialistas brasileiros, o destaque do modelo é o novo radar RBE2, da companhia Thales. O equipamento é capaz de detectar alvos, vários deles simultaneamente - priorizando o engajamento na medida do grau de ameaça - a distância superior a 180 quilômetros. A integração com os outros recursos eletrônicos de combate é tida como "irrepreensível" pelo chefe de operações da fabricante Thales, Pierre Chaltiel.
No batismo de fogo, nas operações do Afeganistão, o Rafale cumpriu missões de ataque ao solo e de interdição com os sistemas em escala progressiva "e em nenhum momento foi necessário recorrer ao nível máximo dos equipamentos de bordo".
Dassault prevê concluir negócio no ano que vem
Andrei Netto, PARIS
Os 36 aviões de caça Rafale que serão adquiridos pelas Forças Armadas brasileiras custarão ao país entre € 3 bilhões e € 4 bilhões, dependendo do pacote tecnológico e dos armamentos que acompanharão as aeronaves. Para a Dassault, o início das negociações, que devem ser concluídas até 2010 - com a entrega de um primeiro aparelho em 2012 - representa não apenas uma grande venda em meio à crise do setor aeronáutico, mas o fim de 20 anos de negociações frustradas para a exportação dos caças franceses.
O anúncio realizado em nota oficial emitida em Brasília foi celebrada em Paris. "Se o presidente brasileiro anuncia sua decisão de negociar a compra dos Rafale, nós passamos a acreditar que essa venda de fato acontecerá", afirmou ao Estado Yves Robins, diretor de Relações Exteriores da Dassault em Paris, sem confirmar as cifras.
A companhia aposta em vários meses de discussões com o Ministério da Defesa do Brasil. Será necessário definir os termos da parceria que a Dassault será obrigada a forjar com empresas brasileiras, entre as quais a Embraer, da qual tem participação. "Estamos abertos à cooperação industrial mais larga possível, e naturalmente penso na Embraer. Mas há enormes variáveis para determinar a produção local, que exige infra-estrutura de produção cujos investimentos precisam ser rentabilizados", disse.
Do ponto de vista financeiro, a vitória na concorrência FX-2 representa um alívio financeiro para a companhia. A Dassault enfrentava os efeitos da crise do setor aeronáutico militar. Em abril, a companhia reconheceu que em caso de persistência da recessão, seria obrigada a adotar um plano de demissões.
A mídia francesa - incluindo o Le Monde e o La Tribune, além dos telejornais noturnos - destacou o fim de um tabu, que era a dificuldade da venda do avião no exterior.

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