Um trio de astrônomos amadores de Minas Gerais acaba de descobrir o
primeiro cometa brasileiro, ou seja, cuja detecção foi feita em
território nacional por observadores do próprio país.
A façanha foi realizada no último dia 12 e oficializada pela IAU
(União Astronômica Internacional) quatro dias depois, após outros grupos
de astrônomos espalhados pelo mundo confirmarem o achado. O cometa
acabou nomeado C/2014 A4 SONEAR (sigla para Southern Observatory for
Near Earth Asteroids Research), em homenagem ao observatório que o
encontrou.
A equipe é composta por Cristóvão Jacques, Eduardo Pimentel e João
Ribeiro. O equipamento, que envolve um telescópio de 450 mm de diâmetro —
fabricado sob encomenda no Brasil — e infra-estrutura dedicada, está
instalado na pequena cidade de Oliveira, a 165 km de Belo Horizonte.
“O João [Ribeiro] financiou a construção do observatório, e eu financiei os equipamentos”, conta Cristóvão Jacques ao Mensageiro Sideral. “A grana é do bolso nosso, 100%.”
HEROÍSMO ASTRONÔMICO
O foco principal do SONEAR é descobrir os chamados NEOs, sigla para
Near-Earth Objects, ou Objetos Próximos à Terra. Entram nessa categoria
asteroides e cometas que se aproximem perigosamente da órbita terrestre,
ameaçando uma colisão no futuro.
Trata-se de uma pesquisa importantíssima, que consiste em “patrulhar”
regiões do céu tirando fotos separadas por alguns minutos. A ideia é
que, na sequência de imagens, se houver algum objeto em órbita do Sol,
ele será percebido por uma mudança de posição com relação às estrelas
distantes. Foi assim que o C/2014 A4 SONEAR foi descoberto. Mas Jacques,
Ribeiro e Pimentel não souberam de cara que se tratava de um cometa.
Ao comunicar o achado ao Minor Planet Center (Centro de Planetas
Menores) da IAU, o trio forneceu as coordenadas celestes para que outros
astrônomos pudessem verificar a existência do objeto. “O primeiro a
confirmar foi o observador italiano Ernesto Guido, usando remotamente um
telescópio na Austrália de 500 mm de abertura. Ele me enviou um e-mail
dizendo que suspeitava que o objeto tivesse características de cometa,
ou seja, um pouco nebuloso e alongado”, conta Jacques.
O italiano voltou a observar o objeto, desta vez com um telescópio de
2 metros, e confirmou que era mesmo um cometa. Ponto para os
brasileiros!
Observações adicionais feitas por astrônomos na Argentina, no Chile,
na Nova Zelândia e na Austrália também confirmaram o novo objeto e
enviaram informações ao MPC, que permitiram calcular uma órbita
provisória do C/2014 A4 SONEAR. Ele passará a aproximadamente 420
milhões de quilômetros da Terra em setembro de 2015. Tão longe assim,
ele não tem a menor chance de se visível a olho nu. Mas a boa notícia é
que está descartado qualquer risco de colisão.
Afinal de contas, a missão principal do SONEAR é identificar objetos
perigosos. Uma atitude, aliás, digna de Dom Quixote. “Em julho de 2013, o
programa de buscas localizado na Austrália foi encerrado devido a falta
de verbas, ficando o SONEAR como o único programa de buscas de NEOs
atualmente em atividade no hemisfério Sul”, revela Jacques.
LONGA ESTRADA
O time brasileiro já está engajado há bastante tempo. As primeiras
observações com esse objetivo — ainda antes da formação do SONEAR —
foram feitas em 1999, e 13 asteroides novos foram descobertos no
cinturão entre Marte e Júpiter. Em 2000, a equipe desenvolveu um projeto
de observação de NEOs que foi selecionado entre 40 competidores para
receber financiamento da ONG Planetary Society. Em 2004, o grupo montou
um observatório totalmente operado pela internet em Belo Horizonte e
executou um programa de busca por supernovas. Além do trio do SONEAR, o
esforço contava com a ajuda de outros dois astrônomos amadores: Carlos
Colesanti e Tasso Napoleão. Foram descobertas 15 supernovas e 3 estrelas
variáveis no esforço.
Em 2009, nasceu o plano de construir o SONEAR. Coube ao óptico Sandro
Coletti, de Curitiba, produzir, sob encomenda, o espelho de 450 mm que
equipa o telescópio refletor do observatório. Em 2012, surgiu a
oportunidade de montar a infra-estrutura em Oliveira, e a construção só
foi concluída em junho de 2013. Em setembro o telescópio de 450 mm
estava pronto — para testes. “Foram várias noites para acertar e
calibrar o instrumento”, conta Jacques.
Para processar as imagens, os astrônomos amadores brasileiros contam
com um software chamado Skysift, desenvolvido pelo colega Paulo Renato
Holvorcem — um veterano da caça a asteroides, com cerca de 200
descobertas de objetos do tipo entre 1998 e 2003. Holvorcem também
chegou a participar da descoberta de três cometas, mas sempre em
parceria com observadores estrangeiros. Em compensação, o cometa Liais,
descoberto em 1860, foi primeiro visto do Brasil, mas por um astrônomo
francês, Emmanuel Liais. O achado foi feito em Olinda, Pernambuco, o que
fez muitos o chamarem de cometa Olinda.
O software analisa as imagens, detecta objetos móveis e os separa em
uma lista de conhecidos e desconhecidos. “Nesta lista de desconhecidos,
vamos checar mais imagens para ver se são objetos verdadeiros ou ruído
eletrônico”, afirma Jacques.
O sucesso na detecção dos cometas encanta até os astrônomos
profissionais. “A descoberta é significativa, particularmente para um
telescópio de pequeno porte como esse”, afirma Fernando Roig,
pesquisador do Observatório Nacional que trabalha no projeto IMPACTON,
que tem por objetivo rastrear — mas não descobrir — NEOs. “Cabe destacar
que a maioria dos cometas atualmente não são descobertos pelos
amadores, mas por telescópios profissionais dedicados a varreduras de
pequenos corpos, particularmente nos Estados Unidos.”
Daí o Mensageiro Sideral classificar como heroica e
quixotesca a iniciativa dos amadores brasileiros. Usando exclusivamente
fundos privados, a equipe do SONEAR está dando uma relevante
contribuição para proteger nosso planeta de bólidos espaciais
potencialmente perigosos. É fundamental que mapeemos as órbitas desses
objetos, a fim de afastar qualquer temor imediato de colisão. E, caso a
pesquisa gere más notícias, pelo menos as agências espaciais de todo o
mundo terão tempo para esboçar um plano capaz de evitar a catástrofe.
Como dizia o escritor Arthur C. Clarke, “os dinossauros morreram porque
não tinham um programa espacial”. Os terráqueos agradecem.
23 de jan. de 2014
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