Como o ritual de cantadas, gritarias e desrespeito mantido pelo cônsul Américo Fontenelle transformou o consulado do Brasil na Austrália num ambiente indecente e insuportável
Liz Lacerda, de Sydney, e Claudio Dantas Sequeira, de Brasília
Era mais uma manhã comum de trabalho para
Viviane Jones, auxiliar administrativa do Consulado-Geral do Brasil em
Sydney, Austrália. Por volta das 11h, enquanto ela estava concentrada
trabalhando, uma pessoa chegou sorrateiramente por trás, beijou-lhe o
rosto e sussurrou em seu ouvido. “Sua linda”, disse. Era seu chefe, o
embaixador Américo Dyott Fontenelle. Atitudes como esta já não eram mais
surpresa. Outra vez, na recepção, enquanto Viviane atendia um
visitante, o embaixador se aproximou e cochichou em seu ouvido. “Estou
louco para te dar um beijo”, disse. Nesse mesmo dia, ela ouviu dos
colegas algo revelador da personalidade de Fontenelle que a assustou
ainda mais. O embaixador, segundo os relatos, falava dela em reuniões,
comentava de suas roupas, do perfume e até da maquiagem. “Dizia que
ficava imaginando o que estava debaixo da minha blusa, da minha saia e
ainda falou que os australianos ficavam loucos comigo na recepção”,
lembra. Dias depois, Viviane foi até a cozinha pegar um café. Os copos
descartáveis haviam acabado. Ela se abaixou para procurá-los em uma das
gavetas do armário, quando foi surpreendida por uma voz masculina.
“Nossa, Viviane, você está em uma posição muito sugestiva”, disse
Fontenelle. A funcionária, de 37 anos, separada e mãe de um garoto de
11, vestia uma calça social preta e uma blusa da mesma cor. A cantada de
mau gosto foi testemunhada por outro funcionário, Luiz Neves,
responsável pelo setor comercial e de investimentos. “Ele deixou a porta
aberta e ouvi o que disse”, afirmou Neves à ISTOÉ. A funcionária estava
se achando indefesa. “Foi o momento em que senti mais medo”, desabafa.
Os acontecimentos afetaram a vida pessoal de Viviane, que se tornou agressiva em casa e passou a ter crises de ansiedade e insônia. O medo de perder o emprego a fez ficar em silêncio por muito tempo.
Os acontecimentos afetaram a vida pessoal de Viviane, que se tornou agressiva em casa e passou a ter crises de ansiedade e insônia. O medo de perder o emprego a fez ficar em silêncio por muito tempo.
LASCÍVIA
Sob a gestão de Américo Fontenelle (acima), o Consulado-Geral
do Brasil em Sydney, na Austrália, virou palco de vulgaridades
Apesar do sigilo que envolve o caso, as vítimas dos diplomatas resolveram contar tudo à ISTOÉ. Os detalhes chocantes mostram como Fontenelle conseguiu transformar a rotina consular num ritual de abusos contra seus subordinados. Além de se esfregar nas funcionárias, o embaixador perseguia, violava a intimidade, tinha acessos de fúria e demonstrava prazer em humilhar a todos publicamente.
Em depoimentos reveladores, funcionários do consulado de Sydney contam
como agiam o cônsul Américo Fontenelle e seu número 2, Cesar Cidade
como agiam o cônsul Américo Fontenelle e seu número 2, Cesar Cidade
Os abusos levaram o oficial de chancelaria Alberto Amarilho, vice-cônsul, a se aliar ao grupo. “Diante de tudo isso, você se sente um babaca. Via o sofrimento dos funcionários locais. Então, fiquei me achando covarde e conivente”, lembra. Cidade chegou a chamá-lo de “filho da puta”, porque ele deixou farelos de pão na tostadeira da cozinha. O comportamento de Fontenelle e Cidade refletiu na piora do trabalho do consulado. A rotina diária se transformou num inferno. Amarilho foi o único funcionário de carreira do Itamaraty a apoiar formalmente as denúncias dos contratados locais. Ele escreveu e-mail para cinco diplomatas da Comissão de Ética do Ministério, se posicionando a favor da abertura do processo administrativo disciplinar.
Como se sabe, Fontenelle é reincidente. Antes de Sydney, chefiou o Consulado-Geral de Toronto, no Canadá, onde foi denunciado, investigado e absolvido. A brasileira Vanice Lopes, hoje com 40 anos, lembra com angústia dos momentos na embaixada. “Isso mexe com nosso lado de mulher, de mãe e esposa.” Um dia o embaixador a chamou no arquivo. Ao entrar, ele ordenou “tire a roupa”. Ela saiu correndo, enquanto ele gargalhava.
Servidores do consulado em Toronto confirmam rotina de imoralidades
Se não se pode afirmar que Fontenelle recorreu a Dirceu para livrá-lo há cinco anos das acusações em Toronto, é certo que o Itamaraty não fez nenhum esforço real. Agora, ao nomear o ministro de segunda classe Roberto Abdalla para investigar o caso, o chanceler Antônio Patriota deu demonstrações de que o empenho segue tímido. Mais novo e hierarquicamente inferior ao investigado, Abdalla é como um coronel investigando um general. Talvez por isso, ao chegar a Sydney, tentou convencer os funcionários de que “o que era assédio na cultura australiana não era na cultura brasileira”.
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