6 de abr. de 2012

Cachoeira chega a Perillo

Gravações revelam que o esquema de Carlinhos Cachoeira recebia proteção do governo de Goiás. Assessores do governador Marconi Perillo antecipavam operações policiais para o bicheiro

Claudio Dantas Sequeira

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RELAÇÕES PERIGOSAS
Cachoeria (abaixo) indicava auxiliares de Perillo (acima)
e assim influenciava setores estratégicos do governo

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A organização criminosa montada pelo bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, revela-se aos poucos muito mais ampla do que se pensava. Após a derrocada do senador Demóstenes Torres, que foi obrigado a abandonar o DEM e corre o risco de perder o mandato por suas ligações com Cachoeira, o dilúvio de informações que constam no inquérito da Operação Monte Carlo chega ao governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). De acordo com a PF, pessoas ligadas diretamente a Perillo vazaram previamente a Cachoeira informações sigilosas sobre ações policiais, permitindo ao bicheiro se antecipar a operações de repressão à jogatina. Além disso, o monitoramento de Cachoeira também identificou laços estreitos com políticos e empresários e sua influência na nomeação de dezenas de pessoas para ocupar funções públicas no governo de Goiás.

Em diálogo gravado pela PF, obtido com exclusividade por ISTOÉ, Carlinhos Cachoeira pede ao ex-presidente da Câmara Municipal de Goiânia Wladimir Garcez, apontado pela PF como arrecadador de campanha de Perillo, informações sigilosas sobre ações do grupo tático (GT3), a unidade de elite da Polícia Civil local. Wladimir, então, promete apurar com o corregedor-geral de Segurança Pública do Estado, Aredes Correio Pires, e com “Edmundo”, que a PF identifica como o delegado Edemundo Dias Filho, também tesoureiro do PSDB de Goiás. “Vai lá no Aredes pra ver o que que tá acontecendo”, ordena Cachoeira, a quem Wladimir se refere como “chefe”. “É, tô indo aqui do Edmundo. Já tô chegando aqui. Vou ligar pro Aredes.” Horas depois, Wladimir retorna com a informação sobre uma atuação policial na região de Valparaíso, no entorno de Goiás. “Não. Tava previsto só essa ação e uma em Val. Ele vai ver, mas não tem nada previsto mais, não. Mas ele vai confirmar isso para mim agora. Só tava previsto isso... essa aí e... GT3 não tá mais previsto pra lá, não em nenhuma ação”.
Numa outra conversa, Wladimir descreve para Cachoeira um diálogo que manteve com Aredes Pires, em que o corregedor de Segurança Pública fala no “governador” ao tratar de um “processo do Edmundo”. “É o seguinte: eu tava com o Aredes aqui, agora, ficamos um tempão. Ele tá tentando pegar os locais pra gente na inteligência agora”, disse Wladimir Garcez. “Aí eu perguntei pra ele o negócio da... o Edmundo. O Edmundo não tá preocupado com isso, não? Ele falou: ‘Não, tá nem um pouco preocupado’. O governador disse que ia resolver para ele. Tá confiando no governador.”

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Cachoeira pede então ao ex-vereador que determine a Edemundo Dias Filho a transferência de responsabilidade sobre as operações de repressão ao jogo do GT3 para a Força Nacional. “Liga no celular do Edmundo, rapaz. Vai lá na casa dele”, manda Cachoeira. Em seguida, Cachoeira fala com o próprio corregedor sobre as ações da polícia no combate ao jogo ilegal. Falando como quem tivesse prestando contas, Aredes tenta tranquilizar o contraventor. “Eu tenho que conversar com o pessoal da inteligência de lá. Lá tem um grupo grande que tava fazendo o serviço. Mas num tá previsto pra esse final de semana, não tá”. O chefe da Polícia Civil e tesoureiro tucano negam qualquer relação com o bicheiro. Na análise dos áudios, a PF indica que Cachoeira pagava regularmente aos integrantes do governo Marconi Perillo “para ter acesso a informações de interesse financeiro ou político da organização criminosa”. Além de Aredes, outro chefe da segurança em Goiás comprovadamente envolvido é o coronel Massatoshi Sérgio Katayama, o “Japão”, comandante da PM. Nos diálogos gravados pela PF, o auxiliar de Katayama, conhecido como Ananias, chamava Cachoeira de “chefe”, a exemplo de Wladimir. O empresário do jogo também exercia influência sobre a Secretaria de Indústria de Comércio, onde trabalhariam seis parentes de Cachoeira e do ex-presidente da Câmara Municipal. O presidente do Detran goiano, Edivaldo Cardoso, também é citado no inquérito da operação.

Segundo os investigadores, Wladimir Garcez, que também explorava máquinas caça-níqueis, mantinha contato frequente com Perillo, tendo trocado dezenas de torpedos pelo celular com o governador. Ele até ajudou na coordenação da campanha de 2010, quando teria atuado como um dos arrecadadores. O próprio Perillo, na quarta-feira 4, admite que vendeu a mansão onde morava para o ex-vereador e que este a repassou a um empresário, que, por sua vez, emprestou a casa justamente para Cachoeira. “Não sabia que Cachoeira estava morando lá”, alegou Perillo. O governador disse que suas relações com o bicheiro eram apenas “esporádicas”. Lembrou que esteve com ele em “um aniversário e dois jantares” e acreditava que Carlinhos “havia abandonado a contravenção”. Durante a semana passada, o governador começou a mobilizar sua defesa com advogados e uma tropa de especialistas em comunicação. A turma foi engrossada pelo presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que teve que emitir uma nota e defesa de Perillo.

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PROTOCOLAR
O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, teve que vir
a público fazer uma defesa do governador Perillo

Mesmo negando qualquer relação com o esquema do jogo, Perillo não conseguiu explicar por que o bicheiro e sua chefe de gabinete, Eliane Pinheiro, mantinham comunicação frequente. A PF, em seu relatório, revela que ambos trocaram uma série de telefonemas e mensagens de texto por celular. Cachoeira teria dado a Eliane detalhes dos alvos da Operação Apate, que investigou em 2011 supostas fraudes tributárias em prefeituras do interior goiano.

Segundo a PF, a chefe de gabinete alertou o prefeito Geraldo Messias (PP), de Águas Lindas de Goiás, que é aliado de Perillo. Dessa maneira, de acordo com o Ministério Público Federal, Cachoeira causou “prejuízo à administração pública ao passar informação de que haveria operação de busca na casa do prefeito”. Nas conversas, o bicheiro indaga Eliane. “Falou com o maior?”, e ela responde: “Falei, estou com ele aqui. Tá aqui. Imagina como que tava.” Eliane também usou um rádio Nextel com uma linha habilitada nos EUA, assim como o senador Demóstenes Torres. A turma de Cachoeira acreditava que os aparelhos eram imunes aos grampos da PF. Na terça-feira 3, Eliane pediu demissão do cargo. Na carta, disse que foi confundida pela PF com “outra Eliane”. “Injustamente fui vítima de um grande equívoco. Não tenho nada a temer”, escreveu. Antes, no entanto, disse que se lembrava das mensagens de Carlinhos Cachoeira e que avisou Geraldo Messias por “amizade”. “Eu queria falar para o Geraldo Messias tirar os filhos de casa porque haveria uma operação lá”, disse.

A ex-chefe de gabinete cuidava da agenda de Marconi Perillo, atividade que exercia desde o governo passado. Ainda na gestão de Alcides Rodrigues (PP), antecessor de Perillo, ela atuou na articulação do tucano para que prefeitos do PP apoiassem a campanha de Marconi ao governo estadual. Eliane Pinheiro afirmou que foi apresentada a Cachoeira em 2003 pelo ex-chefe Fernando Cunha, secretário de Assuntos Estratégicos, morto no ano passado. Uma filha de Cunha é casada com um dos irmãos de Cachoeira. Esse tipo de relação familiar, aliás, se repete no esquema Cachoeira. O bicheiro casou-se com a ex-mulher do suplente do senador Demóstenes Torres, o empresário Wilder Pedro de Morais, que vem a ser secretário de Infraestrutura do governo de Marconi Perillo.

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A partir de conversas mantidas entre o bicheiro e o senador Demóstenes Torres, a Polícia Federal firmou a convicção de que Cachoeira pretendia ampliar seus negócios para além das fronteiras de Goiás e do Distrito Federal. Um dos passos idealizados pelo grupo seria a transferência do senador para o PMDB. Em um telefonema, Cachoeira faz essa recomendação e diz que seria bom para o grupo que Demóstenes se aproximasse da presidenta Dilma Rousseff. Fora de Goiás, no entanto, os negócios de Cachoeira caminhavam para Tocantins. Em conversa gravada em abril de 2011, o bicheiro pede a Demóstenes que interceda junto ao ministro Luiz Fux, do STF, para garantir a posse do ex-governador de Tocantins Marcelo Miranda no Senado. Sua posse estava em julgamento, pois fora condenado por abuso de poder político durante a campanha de 2006. “Ele é um cara nosso”, disse Cachoeira. Demóstenes prometeu ajudar, mas Fux julgou contra Miranda e na semana passada afirmou que nunca fora procurado por Demóstenes para tratar desse caso. A decisão, no entanto, não atrapalhou completamente a ação do grupo em Tocantins. Em uma conversa em maio de 2011 com o empresário Cláudio Abreu, na época diretor da Delta Construções, o bicheiro diz que o secretário de Relações Institucionais de Tocantins e filho do governador, Eduardo Siqueira Campos, apesar de inimigo político de Miranda é amigo do grupo e afirma: “Foi ele quem mandou dar o negócio lá para nós. A inspeção veicular em Tocantins.”

Segundo as investigações da PF, ao lado de 38 pessoas não vinculadas diretamente ao poder público, foram identificados 43 agentes públicos – sendo seis delegados da polícia civil, 30 PMs, dois policiais federais e um agente administrativo, além de um policial rodoviário federal – que teriam participado do esquema comandado pelo contraventor. Por motivos óbvios, a área de segurança pública era o foco de Cachoeira. Vale lembrar que Demóstenes foi secretário de Segurança Pública do primeiro governo de Perillo (1999-2002). No fim de 1999, ISTOÉ denunciou a complacência do governo tucano com o jogo do bicho. Após a reportagem, Demóstenes garantiu que faria uma operação limpeza no Estado. Hoje, sabe-se que o então secretário limpou, sim, a área, mas para Carlinhos Cachoeira, eliminando seus concorrentes.

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