27 de jun. de 2018

Em clínica psiquiátrica Especialistas em Direito Internacional comentam caso de cearense internado na Rússia

Para o presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB, Leonardo tem direito de fazer tratamento no Brasil,caso esteja com problema psiquiátrico
Leonardo Pestana
Leonardo foi detido em São Petersburgo ao tentar embarcar para o Brasil ( Foto: Arquivo pessoal )
A internação do jovem cearense Leonardo Pestana Dantas em uma clínica psiquiátrica em São Petersburgo, na Rússia, desde o último dia 16, levantou questionamentos sobre a legitimidade do caso. A clínica diz que o jovem teve surtos e que está passando por tratamento. Mas a família acredita que pode ter havido algum engano, já que os últimos diálogos de Leonardo com a mãe foram coerentes.
O presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará (OAB-CE), Fabiano Távora, comenta que Leonardo tem direito de se tratar no Brasil.  "A família aqui tem que entrar em contato com as autoridades locais e pedir a transferência dele para o Brasil. Se o problema dele for psiquiátrico mesmo, ele tem todo direito de fazer o tratamento aqui no Brasil. Como é uma questão de saúde e principalmente, nesse caso, que não coloca a vida dele em risco. Se colocasse a vida dele em risco, poderia até colocar a vinda dele em questionamento, mas não coloca, então ele deve vir para o Brasil", informa.
Para o professor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza (Unifor), Marcelo Ribeiro Uchôa, o jovem cearense tem direitos no exterior. "Ele tem que ser respeitado na sua integridade, no seu direito de ir e vir. Agora, ele também precisa respeitar a legislação do país que ele está visitando", destaca.
Marcelo diz que nunca se viu um caso como este, em que um brasileiro vai para Rússia, mas esteja impedido de retornar ao seu País.  "O que acontece na sua normalidade é que frequentemente as pessoas vão, no caso dele, para estudar,e voltam normalmente".
O professor da Unifor explica que o tipo de internação a qual Leonardo está passando na Rússia não é mais aceita ao Brasil. "Ele está sob autoridade russa. Esse tipo de internação, aqui no Brasil, numa clínica psiquiátrica, quando ela acontece, acontece de forma extraordinária, porque o Brasil tem uma legislação antimanicomial. Ou seja, a internação é, via de regra, voluntária, e quando é involuntária, a pedido da família, ela tem que ter um dorso médico e a escuta do Ministério Público. Só judicialmente é que, em último caso, pode internar. Mas a legislação russa pode ser diferente". Ele cita como exemplo de legislação própria do país o caso das crianças que estão separadas de seus pais nos Estados Unidos da América.
"Não só o Leonardo, mas qualquer outra pessoa quando sai do Brasil tem que saber as consequências que tem, se eventualmente acontecer um infortúnio no outro país. A gente ainda não sabe o que aconteceu. Mas não é normal uma pessoa, no aeroporto de São Petersburgo, ser levado para uma clínica psiquiátrica, independentemente de ser brasileiro", pontua. 
O professor garante que a Rússia tem responsabilidade sobre Leonardo. "Se ele está numa clínica, ou numa delegacia ou num presídio, ele está sob custódia. Portanto, há uma responsabilidade da integridade física dele", estabelece.
Pouco esclarecimento
A professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tarin Mont’Alverne, explica que o fato ainda não está totalmente claro para formular uma opinião sobre a legitimidade do caso ou não. "Poderia ser legítimo, dependendo da situação que o Leonardo tenha se posicionado na hora do embarque. O que falaram é que ele teve um surto na hora do embarcar. A responsabilidade é da empresa aérea, para autorizar o embarque de qualquer pessoa. Então, naquela situação, talvez, ela não quis de responsabilizar pelo embarque dele", ressalta.
Mas ela logo destaca que não acha adequado o tipo de atitude por parte do governo russo."Obviamente que eu sou contra o brasileiro ser detido e levado diretamente para uma clínica, não ter contato com a família. Não posso dizer que eu sou favorável a esse tipo de posição do governo russo. Ao mesmo tempo, eu acho estranho porque a Rússia está no centro dos holofotes mundiais e agir dessa forma não seria interessante. Mas é complicado a gente se posicionar porque não temos detalhes", pontua Tarin.
O próprio fato do Consulado ter comentado com a mãe que ele precisaria voltar na companhia de alguém, para a professora, é uma indicação de que, talvez, esta seja uma exigência da companhia aérea.
A professora destaca que é função do Consulado estar em contato entre a família e o jovem cearense internado. "Cabe ao consulado manter esse contato entre a família e o Leonardo porque quando um brasileiro se encontra em território estrangeiro, em situação difícil, é o consulado que deve passar esse contato. É uma situação muito complicada, porque as informações não estão tão claras", comenta.
Ela explica, ainda, que casos como esse exigem a contratação de um advogado lá no local. Isto é, na Rússia. "O que eu poderia sugerir é que ela contratasse um advogado lá, para entrar diretamente em contato com essa clínica médica, solicitar um laudo médico, verificar por qual motivo ele está nessa clínica, durante quanto tempo, quanto tempo será o tratamento, por qual motivo ele não retorna de imediato, qual o medicamento... O interessante seria o advogado se dirigir ao Consulado, para que o Consulado possa intermediar o retorno do Leonardo, de forma juridicamente correta", diz a professora.
Papel do Governo
Os especialistas comentam que, em casos como este, a família pode recorrer ao Governo Estadual do Ceará para que haja um acompanhamento oficial das autoridades locais junto ao Itamaraty.
"A mãe dele teria que entrar com alguma autoridade de relações internacionais, o Governo do Estado tem uma secretaria. E pedir que essa secretaria intermedeie esse contato com o Ministério para acelerar esse retorno. Como a mãe fala que as informações não estão claras, então ela se una ao Governo do Estado para entrar em contato com Ministério das Relação Exteriores, para que essa pressão política facilite o retorno do cearense", explica a professora Tarin.
O professor Marcelo também concorda que o Governo pode ajudar nesta situação. "Se ela fosse na Coordenadoria Especial de Direitos Humanos, que é um órgão do Gabinete do Governador, podia fazer essa solicitação oficial ao Ministério das Relações Exteriores, ao Itamaraty, e o Itamaraty ia ter uma vontade e um interesse maior na questão", comenta Marcelo.
O Itamaraty tem acompanhado o caso, estando em contato com a família. Nesta segunda (25), o Consulado conseguiu que um médico, amigo da família, conversasse com a médica que é responsável pelo tratamento de Leonardo na Rússia. O Consulado também deve organizar um contato entre o cearense e mãe ainda nesta semana.
Procurada pela reportagem, o Governo do Estado, através da Assessoria para Assuntos Internacionais, afirmou que já está monitorando o caso de Leonardo e solicitou informações oficiais ao Ministério de Relações Exteriores (MRE). Em nota, o governo disse que tem interesse em colaborar com o caso e, se for procurado pela família do cearense, será solidário.
"Por se tratar de um tema com informações pessoais, o MRE não pode, pelos termos da Lei de Acesso à Informação, passar detalhes adicionais à respeito do caso a órgãos e pessoas que não sejam familiares ou indivíduos autorizados pela família a recebê-los. Caso o Governo do Estado do Ceará seja procurado pela família, será solidário e, desde já, manifesta interesse em colaborar. Por se tratar de um assunto diplomático, todos os critérios hierárquicos estão sendo cumpridos e as medidas cabíveis estão sendo tomadas", diz a nota.
OAB Ceará
Para a Comissão de Direito Internacional, da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Ceará (OAB-CE), alguns direitos de Leonardo não foram atendidos na Rússia. "As relações entre países e o respeito entre os nacionais de outros países é regulado pela Convenção de Viena. Então, as convenções de Viena, da década de 60, estabelecem que ele, nessa situação, tem alguns direitos que, a meu ver e inicialmente, estão sendo desrespeitados", afirma o presidente da Comissão, o advogado Fabiano Távora.
O especialista logo cita o direito que o cearense tem a um advogado. "Em primeiro lugar, ele tem direito a um advogado para fazer a sua defesa na própria Rússia. Pode ser alguma indicação ou alguém que se prontifique. Segundo: a própria autoridade que o prendeu tem que dizer isso a ele. Pode ser que ele não saiba, mas a autoridade tem a obrigação de dizer que ele tem direito a um advogado. Em terceiro lugar, o Consulado tem direito de ter acesso a ele onde ele estiver", lista o presidente da Comissão.
Fabiano afirma que não só no caso de Leonardo, mas estas diretrizes são importantes para qualquer brasileiro. "Esses pressupostos são fundamentais para que os brasileiros, quando tenham algum problema no exterior, tenham ciência desse direito, que é do direito internacional", garante.
Questionado sobre o que a família do jovem poderia fazer para resolver a situação, Fabiano Távora comenta que o Itamaraty deve ser informado. "Eu recomendo a família que ela entre em contato com o Itamaraty, que é a representação do Brasil no Exterior. E que tenha um acompanhamento de um advogado especializado aqui no Brasil. Não é qualquer profissional que vai poder ajudá-lo, tem que ser na área de Direito Internacional", pontua, afirmando, ainda que, se a família assim desejar, pode ter assistência da OAB por meio da Comissão de Direito Internacional.

Nenhum comentário: