1 de ago. de 2015

O almirante põe a Marinha na Lava Jato

Considerado uma referência em estudos sobre o uso de combustível nuclear, Othon Pinheiro, preso na última semana acusado de receber R$ 4,5 milhões em propina, leva a força naval ao epicentro do Petrolão

Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
Nova personagem da investigação da Lava Jato, a Marinha havia sido mencionada pela primeira vez no esquema numa negociata articulada pelo doleiro Alberto Youssef com o ex-deputado petista André Vargas. O projeto de sociedade entre a Labogen, a EMS e o Laboratório da Marinha, para a produção de um “viagra genérico”, previa investimento total de R$ 150 milhões. Renderia a ambos dinheiro suficiente para alcançar a “independência financeira”, conforme revelou o doleiro numa mensagem de celular ao então parlamentar. Descoberto, o plano fez água. Na época, a força-tarefa da Lava Jato debruçava-se sobre a atuação do petista e do doleiro sem se preocupar com os motivos que levaram a Marinha a entrar naquele barco. Meses depois, a Polícia Federal descobriu que o irmão de Vargas era sócio oculto de uma empresa que fechou mais de R$ 87 milhões em contratos com órgãos públicos, como Serpro, Caixa e o Ministério da Saúde, a IT7 Sistemas. Ante estas constatações, procuradores e delegados passaram a se questionar quem estaria por trás da participação militar no Petrolão. A prisão, na terça-feira 28, do almirante Othon Pinheiro da Silva ajuda a responder essa pergunta. Mas também fazem surgir outras questões. Por que um militar de alta patente, aposentado, com uma longa folha de importantes serviços prestados ao País, se envolveria nessa complexa rede de corrupção revelada pela Lava-Jato?
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OUTRA VERSÃO
Fontes da Marinha dizem que os R$ 4,5 milhões em propina
para Othon Pinheiro podem ser recursos destinados a ações
secretas de inteligência naval no exterior
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Na Marinha, segundo apurou ISTOÉ, fala-se que Othon delinqüiu para conseguir a tão sonhada tecnologia de navegação do submarino nuclear para embutir o reator brasileiro. “Para fazer uma omelete é preciso quebrar alguns ovos”, disse à reportagem um militar próximo ao programa nuclear. Ainda corre a versão, de acordo com fontes da Marinha, de que os R$ 4,5 milhões pagos à Aratec, empresa em nome de Othon cujo nome é inspirado no centro de pesquisas de Aramar, não foram propina provenientes de contratos de obras da Usina Angra 3, no Rio de Janeiro., como afirmou a Polícia Federal ao prendê-lo na última semana. Os recursos teriam sido destinados ações secretas de inteligência naval no exterior. Basicamente, dinheiro usado para pagar informantes.
Se isso for verdade, a questão extrapolaria o âmbito do crime de corrupção para ganhar feições de um escândalo envolvendo a segurança nacional. Claro que isso precisa ser bem investigado, pois pode apenas tratar-se de uma estratégia de defesa do almirante. Seria uma espécie de releitura do que ocorreu no fim da década de 70 e início dos anos 80 com o chamado programa nuclear paralelo, que tinha como objetivo a construção de uma bomba atômica. Othon, que concebeu o projeto das ultracentrífugas de enriquecimento de urânio, pertencia ao seleto grupo do programa, coordenado pelo cientista Rex Nazareth, o “pai da bomba”, que no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a ocupar uma cadeira no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Para financiar o programa nuclear paralelo, a Marinha desviou recursos para contas bancárias secretas, as chamadas “contas Delta”, e realizou atividades de espionagem no exterior – que incluíram EUA, Inglaterra, Alemanha, França e Holanda.
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Formado em engenharia nuclear pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), Othon chefiou a Coordenadoria para Projetos Especial da Marinha (Copesp) por 15 anos. Como se sabe, o Brasil não chegou a desenvolver a “bomba”, mas conseguiu dominar o ciclo de produção do combustível atômico para uso pacífico. No governo do ex-presidente Itamar Franco, surgiram novos indícios de problemas na administração de verbas públicas. Não houve acusações. Em 1994, o almirante completou seu tempo de serviço militar e entrou para a reserva. Voltou em 2005, pelas mãos de Lula, para presidir a Eletronuclear. Era intocável. Othon promoveu o plano de aquisição do Scorpéne, pois considerava como a última oportunidade para concluir seu antigo projeto. A posição favorável ao submarino francês, porém, tinha forte oposição dentro da própria Marinha. Um dos críticos, curiosamente, também foi preso anos atrás por suposto envolvimento em notório caso de corrupção. O almirante Euclides Duncan Janot de Matos caiu na Operação Luxo da Polícia Federal, acusado de usar sua influência para fraudar licitações na Marinha e na Petrobras, em prol do grupo Inace e empresas coligadas. O esquema envolveria o uso de empresas laranjas sediadas nos EUA. Janot Matos chefiou o Estado Maior da Marinha e foi cotado para comandante, mas acabou transferido para a reserva por Lula, sendo substituído por Julio Soares de Moura Neto, que chegou ao comando em 2007 e lá ficou até 2015. Enquanto Moura Neto e Othon preferiam a compra dos submarinos do estaleiro francês DCNS, Janot de Matos liderava o grupo que defendia a compra de submarinos alemães. O Brasil chegou a contratar projetos alemães, mas a experiência foi malsucedida. Se condenado, Othon pode ser julgado novamente pelo Superior Tribunal Militar, correndo o risco de perder a patente e os benefícios salariais. Segundo o STM, Othon responderá pelo procedimento administrativo conhecido como “Representação para declaração de indignidade ou incompatibilidade para o oficialato”.
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Colaborou Josie Jeronimo
Fotos: Fernando Frazão/Agencia Brasil; JOÃO LAET/AG. O DIA /ESTADÃO CONTEÚDO 

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