18 de nov. de 2013

Mais feroz que o Katrina

Tufão Haiyan destrói cidades e mata milhares de pessoas nas Filipinas. A questão agora é se o aumento da força de fenômenos atmosféricos incomuns é resultado do aquecimento global

João Loes

Poucos países estão tão sujeitos a tragédias naturais quanto as Filipinas. Com vulcões ativos, terremotos que ultrapassam os sete graus na escala ­Richter e uma média de 20 tufões registrados todos os anos, há quem diga que essa ilha no Pacífico, uma ex-colônia espanhola, acostumou-se com os castigos impostos pela natureza. Mas nem os calejados filipinos esperavam ter de encarar o monstro meteorológico que aportou por lá na semana passada. Batizado de tufão Haiyan, o fenômeno já é tido como um dos mais fortes de que se tem registro (leia quadro). Até a quinta-feira 14, o Haiyan havia tirado a vida de 2.357 pessoas e ferido pelo menos outras 3.891, segundo dados oficiais. Com ventos médios de 315 km/h, quase 60% mais velozes que os registrados durante o furacão Katrina, que matou 1.836 pessoas nos Estados Unidos em 2005, o tufão chegou a elevar o nível do mar em algumas regiões em até quatro metros, alagando ruas e abrigos subterrâneos. “O Haiyan chegou à costa filipina quando ele estava no pico de suas forças”, afirmou Kerry Emanuel, cientista do clima do Massachusetts Institute of Technology (MIT), à National Public Radio, dos Estados Unidos. A devastação que se seguiu foi proporcional.
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DESTRUIÇÃO
As cidades de Guiuan (acima) e Tacloban foram devastadas
por ventos de 315 km/h e ondas de quatro metros
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Tufões nesta época do ano na região das Filipinas são um fenômeno bastante comum. O que surpreende no caso do Haiyan é sua intensidade. Há quem diga que a confluência de condições que criou esse monstro nada mais é que uma infeliz coincidência. O estrago se explicaria por acasos como o ângulo incrivelmente desfavorável de entrada do Haiyan no conjunto de ilhas, a velocidade com que ele se deslocou sobre o mar e a presença de ventos fortes na região antes de sua chegada. Outros especialistas, porém, apontam culpados menos aleatórios, sendo o principal deles o aquecimento global. “As mudanças climáticas significam que supertufões não serão mais eventos únicos a cada século”, disse Naderev Sano, em Varsóvia, na Polônia, durante a abertura da 19ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-19). “Temos que aceitar essa transformação e tentar nos preparar, pois estamos vendo essas tragédias anualmente”, completou ele. Sano anunciou ainda uma greve de fome que seria mantida até que ele visse resultados positivos no sentido de mitigar as mudanças climáticas.
Não é difícil entender o raciocínio de Sano e de um corpo crescente de especialistas em clima que associam o aumento da força e da frequência de fenômenos atmosféricos incomuns, como os supertufões, ao aquecimento global. Tufões se alimentam, fundamentalmente, de água do mar aquecida. Com a elevação das temperaturas atmosféricas em função do aquecimento global, as águas do mar se aquecem mais e em áreas mais extensas. Embora cautelosos – o raciocínio requer montanhas de dados para ser comprovado –, até os estudiosos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), órgão tido como referência mundial no assunto, já reconhecem como provável o vínculo entre aquecimento global e tufões mais intensos. Ou seja, a julgar pelas evidências e os repetidos fracassos nas tentativas de colocar em prática políticas que possam vir a reduzir o aquecimento global, quem vive nas rotas desses destruidores deve se preparar para encarar tufões cada vez mais fortes e frequentes.
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RESGATE
Voos militares tiraram alguns sobreviventes de Tacloban
Em países subdesenvolvidos como as Filipinas, o desafio será ainda maior. E por várias razões. A começar pela ocupação irregular das áreas de risco. Como acontece em boa parte das nações mais pobres – inclusive no Brasil –, o desleixo governamental estimula a ocupação caótica. “Muitos acabam se expondo, sem saber, a perigos que desconhecem”, diz Roberto do Carmo, do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fala-se que em Tacloban, a cidade mais atingida pelo tufão Haiyan, parte da tragédia se deveu ao fato de que muitos dos 220 mil moradores viviam em áreas de risco. Até o subprefeito da cidade, Jerry Sambo, foi pego de surpresa. Sua casa, abastecida de suprimentos, mas fincada entre o mar e uma baía, foi alagada em minutos. Por pouco Sambo não perdeu a mulher e o filho afogados. Ambos tiveram de ser retirados às pressas por uma janela quebrada.
Investir em sistemas de previsão de tempo altamente sofisticados e na divulgação dessas informações pode ser um caminho para reduzir o impacto das tragédias. De acordo com um analista regional da Aon Benfield, multinacional do ramo de seguros e resseguros, hoje boa parte das previsões de eventos atmosféricos extremos no Pacífico é feita apenas com informações de satélites, sendo que observações conduzidas por especialistas e equipamentos meteorológicos instalados em aviões costumam ser mais precisas. Retomar esses voos e refinar os sistemas de previsão não faria mal a ninguém. “Às vezes, não importa o quanto a gente se prepara, o desastre é simplesmente grande demais”, lamenta Zhang Qiang, especialista em mitigação dos efeitos de grandes desastres da Beijing Normal University, na China. Parece que foi o caso do encontro entre Haiyan e as Filipinas.
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Fotos: Erik De Castro/reuters; NOEL CELIS/afp photo; Bullit Marquez/AP Photo; Bullit Marquez/AP Photo

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