Procurador Rodrigo de Grandis engaveta oito
ofícios do Ministério da Justiça que pediam apuração do escândalo do
metrô de São Paulo e prejudica o andamento das investigações
Claudio Dantas Sequeira e Alan Rodrigues
Apareceu um escândalo dentro do escândalo
de corrupção em contratos de energia e transporte sobre trilhos de São
Paulo que atinge em cheio os governos do PSDB. ISTOÉ descobriu que o
procurador Rodrigo de Grandis engavetou desde 2010 não apenas um, como
se divulgou inicialmente, mas oito ofícios do Ministério da Justiça com
seguidos pedidos de cooperação feitos por autoridades suíças
interessadas na apuração do caso Siemens-Alstom. Ao longo de três anos,
De Grandis também foi contatado por e-mail, teve longas conversas
telefônicas com autoridades em Brasília e solicitou remessas de
documentos. Na semana passada, soube-se que, devido à falta de
cooperação brasileira, o Ministério Público suíço decidiu arquivar a
investigação contra três dos acusados de distribuir propina a políticos
tucanos e funcionários públicos. Em sua única manifestação sobre o caso,
De Grandis alegou que sempre cooperou e só teria deixado de responder a
um pedido feito em 2011, que teria sido arquivado numa “pasta errada”.
Mas sua versão parece difícil de ser sustentada em fatos.
PEDIDO
Informado da falta de cooperação, o ministro Cardozo
determinou novo contato com o procurador
Conhecido pelo vigor demonstrado em investigações sobre o
ex-governador Paulo Maluf e também no caso Satiagraha, que colocou o
banqueiro Daniel Dantas na prisão, desta vez o procurador federal, de 37
anos, não demonstrou a mesma energia. Para usar uma expressão que
costuma definir a postura de autoridades que só contribuem para a
impunidade de atos criminosos: ele sentou em cima do processo. No mês
passado, um integrante do Ministério Público Federal de São Paulo chegou
a denunciar a seus superiores que a conduta de De Grandis “paralisou”
por dois anos e meio a apuração contra os caciques tucanos. As razões
que o levaram a engavetar o caso agora serão alvo do procurador-geral,
Rodrigo Janot, e da Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério
Público, que abriu uma queixa disciplinar contra De Grandis.
Até o momento, as explicações do procurador carecem de consistência.
Com boa vontade, sua teoria de “falha administrativa” poderia até caber
para explicar um ofício perdido. Mas não faz sentido quando se sabe que
foram oito os ofícios encaminhados, sem falar nas conversas por telefone
e e-mails. O último dos ofícios, que chegou à mesa de Rodrigo De
Grandis há apenas duas semanas, acusa o procurador de “nunca” ter dado
retorno às comunicações feitas pelo Departamento de Recuperação de
Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça,
responsável pela interface em matéria judicial com outros países.

A primeira solicitação oficial do MP suíço chegou ao Brasil em 15 de
março de 2010 e, em 16 de abril, foi encaminhada à PGR e ao procurador
federal pelo ofício nº 3365. As autoridades suíças queriam a quebra de
sigilo bancário, o interrogatório, além de busca e apreensão nos
escritórios de Romeu Pinto Júnior, Sabino Indelicato e outros suspeitos.
Nada se fez. Em 18 de novembro, a Suíça fez o primeiro aditamento ao
pedido de cooperação e novo ofício foi encaminhado ao MPF, em 1º de
dezembro. Desta vez, o MP suíço pedia informações que poderiam alimentar
sete processos em curso naquele país. Nada. Em 21 de fevereiro de 2011,
os procuradores estrangeiros tentaram pela terceira vez. Queriam que
fossem ouvidos, entre outros, o lobista Arthur Gomes Teixeira e João
Roberto Zaniboni, ex-diretor da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM).

Em março, as autoridades suíças cobraram retorno das demandas. De
Grandis foi novamente acionado, mas não deu resposta. Em julho e
novembro, foram encaminhados novos ofícios sobre os pedidos de
cooperação da Suíça. Mais uma vez, o silêncio. Depois de dois anos e
meio, em 7 de agosto deste ano, já com o escândalo das propinas batendo à
porta do Palácio dos Bandeirantes, o ministro José Eduardo Cardozo foi
informado da falta de cooperação e determinou que se fizesse novo
contato com o procurador. Tudo em vão. Sem obter resposta, o MJ
encaminhou outro ofício (6020/2013) ao MPF em 10 de outubro. E novamente
outro (6280/2013) no dia 21, reiterando “extrema urgência e a
importância do tema” e pedindo retorno em cinco dias. De Grandis
solicitou novas remessas de documentos e finalmente respondeu na última
quarta-feira 30. A resposta, porém, foi incompleta – apenas algumas
oitivas. O silêncio obsequioso do procurador inviabilizou diligências
que poderiam ser essenciais para alimentar as investigações do
propinoduto, tanto na Suíça como no Brasil, causando um prejuízo
incalculável ao esclarecimento de um esquema de corrupção cuja dimensão
total ainda não se conhece. Feitas no tempo certo, poderiam ter ajudado
as autoridades a estabelecer, antecipadamente, a relação entre o esquema
usado pela Alstom e o da Siemens para subornar políticos.
ARQUIVADOS?
Teixeira, Zaniboni e Matarazzo (da esq. para a dir.): personagens centrais do escândalo do PSDB
Em agosto de 2012, após quatro anos de investigação, a Polícia
Federal concluiu o primeiro inquérito sobre o caso Alstom. Sem acesso a
dados bancários e fiscais da Suíça, conseguiu apenas reunir provas
parciais para indiciar por corrupção passiva o vereador Andrea
Matarazzo, que, em 1998, era secretário estadual de Energia no governo
Mário Covas. O inquérito foi para as mãos de De Grandis, que, passado
mais de um ano, ainda não apresentou sua denúncia. Nos bastidores, o
procurador reclamava a assessores que a peça policial era pouco
fundamentada. Sob pressão, solicitou à Justiça Federal a quebra do
sigilo de 11 acusados. O promotor Silvio Marques, do MP estadual, e
outros procuradores federais em São Paulo pediram em julho o
compartilhamento das provas para aprofundarem a apuração. Os
procuradores suíços, longe de arquivar os processos, também estão
interessadíssimos em conseguir a cooperação brasileira.
PARADO
Fachada do prédio do Ministério Público em São Paulo: investigações emperradas
Na semana passada, ISTOÉ enviou ao gabinete de De Grandis uma lista
com 20 perguntas. Nenhuma foi respondida. Por meio da assessoria de
imprensa, o MPF alegou “sigilo das investigações” e disse que o
procurador está de licença até 5 de dezembro para concluir um mestrado.
Especialista em direito penal e professor da Escola Superior do MP de
São Paulo, De Grandis é considerado pelos colegas um sujeito de
temperamento difícil e de poucos amigos. Entre eles, o ex-delegado
Protógenes e o neoativista Pedro Abramovay, hoje antipetista de
carteirinha após ser banido do governo. Para o advogado Píer Paolo
Bottini, ex-secretário da gestão Márcio Thomaz Bastos e professor de
Rodrigo de Grandis num curso de pós-graduação, o procurador nunca usaria
o cargo para fins políticos. “Conheço ele e não acredito que tenha
qualquer direcionamento em sua atuação”, diz.

O ex-ministro José Dirceu pensa diferente. Na semana passada, ele
voltou a acusar De Grandis de agir politicamente ao quebrar seu sigilo
telefônico para tentar envolvê-lo no caso MSI, o esquema de cartolagem
do futebol paulista. Na Satiagraha, De Grandis e Protógenes se uniram
contra Daniel Dantas, um velho aliado do PSDB e de Marcos Valério, que
se aproximou do PT depois que Lula chegou ao poder em 2002. A partir de
2008 o deputado estadual Roberto Felício (PT) encaminhou seis
representações ao procurador. O deputado ainda alertou De Grandis sobre
indícios de que Alstom e Siemens usavam as mesmas consultorias
internacionais para lavagem de dinheiro e pagamentos de propinas e
subornos a diversas autoridades no Brasil. Nenhuma foi concluída.
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