Por que ela não puniu e nem poderá punir os torturadores e assassinos da ditadura militar como pleiteiam familiares de mortos e desaparecidos políticos
Do lado que lhe era contrário, a ditadura não anistiou aqueles que haviam “cometido crime de sangue”; do lado dos que lhe davam sustentação nos porões ou em órgãos oficiais da repressão, concedeu o benefício a torturadores e assassinos – dois pesos e duas medidas jamais vistos com tal descaramento no universo jurídico. Pelo “princípio legal da conexidade”, ganharam anistia “todos os agentes que combateram os opositores” da ditadura, mesmo valendo-se de bárbaros métodos. Uma “conexidade”, digamos, tão parcial que a própria Justiça Militar desconsiderou o texto e acabou libertando também os presos que tinham crime de morte. A Justiça ignorou completamente o que determinara o general que declarava preferir “o cheiro de cavalo ao cheiro do povo”.
A lei é um nó
O tempo passou e o nó deformante da lei foi se atando cada vez mais. O que não faltam são pedidos de familiares de mortos e desaparecidos políticos para que torturadores sejam criminalmente responsabilizados, mas, com razão, como veremos posteriormente, o STF sempre manteve incólume a Lei da Anistia. Uma tentativa de afrouxar o tal nó deu-se na semana passada com o início do julgamento pelo STJ de recurso do MPF. Houve uma inteligente estratégia. O MPF não pediu alteração da lei, mas pleiteou, isso sim, que os militares responsáveis pelo atentado à casa de shows Riocentro, no Rio de Janeiro, na
noite de 30 de abril de 1981, sejam considerados “criminosos contra a humanidade” — e, com isso, seus crimes deixam de se enquadrar na anistia. O atentado visava a explodir um show em homenagem ao 1º de Maio, mas a bomba acabou detonando-se sozinha no colo do sargento que a carregava no interior de um Puma. O sargento morreu, e ferido saiu o capitão Wilson Machado, socorrido (ironia do destino) por Andrea Neves, irmã de Aécio Neves, que chegava ao local naquele momento. O atentado foi feito pela extrema direita para que a culpa acabasse jogada na extrema esquerda e, assim, a ditadura, que caminhava à abertura, inevitavelmente se redrudeceria (liderava essa tigrada o general Sílvio Frota). Repare-se, portanto, que o MPF não falou sobre anistia, falou de crime contra a humanidade. Na quarta-feira 28, o STJ nada decidiu porque um dos ministros pediu vistas do processo.
Entre os princípios da “constitucionalidade” e da “convencionalidade”, tem de valer a Constituição brasileira, garantidora do Estado de Direito
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