30 de set. de 2019

O inferno de Trump

Pedido para o presidente da Ucrânia investigar Joe Biden leva o Congresso a deflagrar processo de impeachment contra o mandatário norte-americano. É a quarta vez que isso ocorre nos EUA em 230 anos

Crédito: Mandel NGAN / AFP)
HISTÓRICO Presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi anuncia o processo: “As ações do presidente violaram a Constituição” (Crédito: Mandel NGAN / AFP))
ALVO Joe Biden, que está na mira do presidente dos EUA, é um possível adversário nas eleições de 2020 (Crédito: Olivier Douliery / AFP)
O presidente Donald Trump está diante da maior ameaça à sua gestão. Na última terça 24, em um momento histórico, a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, anunciou o início de um processo de impeachment do presidente. É a quarta vez que isso acontece em 230 anos, e a primeiro desde o caso do ex-presidente Bill Clinton, em 1998 (e negado no ano seguinte). As outras duas foram com Richard Nixon (que renunciou antes), em 1974, e com Andrew Johnson, em 1868 (cuja impedimento foi negado).
Tudo começou com uma acusação feita em agosto por um membro da comunidade de inteligência ao Inspetor Geral, Michael Atkinson, que tem a prerrogativa de fazer investigações independentes. Trump teria firmado um “compromisso verbal inapropriado” com um líder estrangeiro. Atkinson classificou a denúncia como urgente, status que exige a comunicação ao Congresso. Trump havia solicitado ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky , em julho, que investigasse um caso de corrupção envolvendo a família do ex-vice-presidente democrata Joe Biden, que é um possível adversário de Trump nas eleições de 2020. A suspeita seria de envolvimento no setor de gás da Ucrânia e suas ligações com um oligarca do setor. Piorou a situação do presidente a revelação de que, antes de falar com o presidente ucraniano, ele tinha suspendido uma ajuda militar de quase US$ 400 milhões ao país — o que foi interpretado como uma ameaça. A gravidade do caso levou a uma escalada na pressão contra a Casa Branca e ao desfecho.
AP Photo/Craig Ruttle
“As ações realizadas pelo presidente violaram seriamente a Constituição. Nós não pedimos a governos estrangeiros que nos ajudem em nossas eleições. Ele precisa ser responsabilizado, ninguém está acima da lei”, declarou Pelosi. Ela só tomou essa iniciativa quando a gravidade das informações sensibilizaram os últimos democratas que ainda resistiam a abrir um processo contra Trump. A Câmara precisará aprovar a investigação. Isso é provável, já que a casa tem maioria democrata desde o ano passado. No Senado, de maioria governista, 20 republicanos precisariam votar com a oposição. Isso torna, até o momento, pouco provável que Trump perca sua cadeira na Casa Branca. Trump tem uma grande adesão entre os republicanos. Além disso, as pesquisas indicam que a maioria dos americanos não apoia até o momento o impedimento.
Surpresa e indignação
Trump conta com isso. Ele se surpreendeu com a repercussão do caso. Para evitar o anúncio do impeachment, apressou-se em liberar a íntegra da gravação com o presidente ucraniano — contra a orientação de seus assessores. Também tentou demover Pelosi. Mas não conseguiu impedir o desfecho, que ocorreu quase ao mesmo em que discursava na ONU. Reagiu enfurecido no Twitter: “Um dia tão importante nas Nações Unidas, tanto trabalho e tanto sucesso, e os democratas de propósito tiveram que arruiná-lo e diminuí-lo com mais notícias relacionadas ao lixo da caça às bruxas. Muito ruim para nosso país!” Mas também tentou minimizar o fato, dizendo que a investigação seria “positiva” para sua reeleição. Biden, que tem aparecido à frente de Trump nas pesquisas eleitorais de 2020, condenou o presidente, mas foi cuidadoso. Quer evitar a exposição negativa da ex-candidata Hillary Clinton, que foi marcada nas últimas eleições pelas acusações de corrupção feitas por Trump.
O rumo do processo de impeachment será determinante Trump, cuja gestão é marcada pelo dissenso, pelo ataque agressivo aos adversários, por afirmações questionáveis e pela tentativa de desacreditar a imprensa. Por causa disso, desde o início seu governo sofre enorme escrutínio. Em razão de várias questões éticas, os seus adversários começaram a discutir um possível processo de impeachment logo após sua eleição, e ele quase foi iniciado pela suspeita de interferência russa na campanha de 2016. Agora, o cerco se fecha. Para apurar a conduta do presidente no último episódio, Pelosi pode formar uma comissão especial, similar à que investigou o escândalo Watergate. Mesmo que escape ao impeachment, Trump já conquistou seu lugar na história americana — de uma forma bem diferente do que imaginava.

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