Se o STF não reverter a decisão que manteve os direitos políticos de Dilma estará consumado o atentado à Constituição Federal, que coloca em xeque a Lei da Ficha Limpa. Com isso, políticos corruptos e quase cinco mil servidores públicos demitidos por justa causa poderão ser beneficiados


É unanime entre os juristas a convicção de que a manutenção dos direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff representa uma ameaça à Constituição. E, apesar disso, a tendência é a de que nas próximas semanas o Supremo Tribunal Federal irá validar esse atentado contra o estado de direito. Embora os ministros considerem inconstitucional o fatiamento da punição imposta a Dilma, há entre eles um perigoso consenso. “Alterar agora o que foi definido no Senado poderá colocar o País sob uma grande instabilidade política”, disse na semana passada uma ministra ouvida por ISTOÉ. É verdade que boa parte das decisões proferidas pelo STF tem conotação política, mas politizar as decisões não é o que se espera dos magistrados da mais alta corte de Justiça do País.
No caso específico do impeachment de Dilma, há entre os juristas a certeza de que o erro cometido pelo Senado pode sim ser corrigido no STF sem risco de haver instabilidade. “Está muito claro que o vício está na manutenção dos direitos políticos da ex-presidente e não na perda do mandato”, argumento o professor de direito administrativo da PUC-SP Adilson Dalari. “E a decisão deve ser revista apenas onde existe o vício que está no quesito do fatiamento”.

Nos últimos dias, mais de dez ações contra o processo do impeachment desembarcaram no tribunal constitucional, dentre elas os mandados de segurança que questionam a separação das votações da cassação e da perda dos direitos políticos. Todos relacionados ao fatiamento ficaram nas mãos da ministra Rosa Weber. Na quinta-feira 8, a ministra rejeitou seis desses mandados de segurança, mas apenas por questões processuais. O mérito ainda será julgado pelo plenário da corte. A mesma ministra Rosa Weber determinou a inclusão da ex-presidente, Dilma Rousseff, como parte em diversos mandados de segurança. Nos despachos, publicados na última quinta-feira, 8, ela deu prazo de 15 dias para a correção das petições iniciais. Até la, o caso está em suspenso. Uma espera que ameaça abarrotar os escaninhos da justiça com pedidos de revisão de punições de servidores públicos. Muitos deles vão apelar a jurisprudência concedida com o fatiamento dado ao caso de Dilma.
UMA ENXURRADA DE AÇÕES
É fato que a separação das punições preocupa e muito. Se a moda pega, todos os políticos e todo rol de servidores públicos que foram punidos com a inabilitação para o exercício público estarão na condição de ter restabelecidos seus direitos. De 2003 a julho deste ano, 4.962 servidores foram demitidos do serviço público por envolvimento com irregularidades, segundo dados do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, antiga Controladoria-Geral da União (CGU). Em tese, pela Lei da Ficha Limpa, todos eles ficam inelegíveis por oito anos. A depender do tipo de infração, também podem ser impedidos de voltar a exercer função pública. Todos poderão tentar, na Justiça, uma nova habilitação para o serviço público.

O jurista Modesto Carvalhosa afirmou que o entendimento do Senado “cria um precedente brutal”. “Pela Constituição, é indissociável a punição de perda dos direitos políticos. O efeito da sentença é justamente esse. Não pode alguém cometer um crime de responsabilidade e ser novamente eleito na eleição seguinte”, disse. Um dos mais respeitados jurista do País, Ives Gandra afirma que o Supremo pode decidir declarar a inconstitucionalidade apenas para os casos vindouros, evitando anular a votação do impeachment. “Na eventualidade de alterar e considerar inconstitucional teria de expelir nova votação, e isso estabeleceria o caos absoluto. A essa altura, eu tenho a impressão de que é inconstitucional, mas a competência é do Senado”, disse. Mesmo que não haja a aplicação da separação para casos de outros políticos, esse se torna um forte argumento para os parlamentares tentarem mudar a Lei da Ficha Limpa, grande conquista da sociedade. É o que pensa o professor da FGV Direito Rio, Michael Mohallem. O destino dessa questão pode demorar ainda mais de duas semanas, o que causa um clima de instabilidade política no País. Mesmo com a importância da questão e a urgência de uma decisão, o Supremo postergou a análise do assunto. Nos bastidores do tribunal, a avaliação é que os ministros não irão interferir no julgamento do Senado, quando bastava fazer o dever de casa: manter a resultado do impeachment, mas anular a segunda votação que manteve os direitos de Dilma. A Constituição respiraria aliviada.
Foto: Aílton de Freitas/Agência O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário