9 de fev. de 2016

Um lixão no meio do caminho


Depósitos de lixo no Norte da África interrompem rota migratória de aves vindas da Europa, o que pode provocar mudanças profundas no ecossistema

Ana Carolina Nunes (acarol@istoe.com.br)
O aumento na produção de lixo e no consumo de alimentos industrializados no Norte da África está impactando diretamente os ciclos migratórios de pássaros que vivem na Europa se deslocam para o continente nos meses de inverno. Os animais, já acostumados a buscar comida em aterros sanitários e nas lixeiras das grandes cidades europeias, estão optando por fazer apenas uma parte da viagem que naturalmente fariam durante os períodos mais frios do ano. Os impactos a longo prazo nessa mudança de comportamento ainda são incertos, mas devem causar desequilíbrio em diferentes ecossistenas.
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FARTURA
Aterros sanitários mal cuidados são um banquete para 
aves acostumadas a viver em centros urbanos
Utilizando pequenos GPS implantados em 70 aves da espécie de cegonhas-brancas de oito diferentes locais a Dra. Andrea Flack e sua equipe do Instituto Max Planck de Ornitologia, na Alemanha, rastrearam o comportamento de migração das aves s e observaram que os indivíduos de regiões mais urbanizadas, optaram por não completar a rota migratória,. Tradicionalmenteas aves iriam até o sul do continente africano. No entanto, elas preferiran passar o período de inverno na região do Marrocos, no Norte da África, onde, além de temperatura favorável, existe uma fonte de alimento satisfatória. Grandes cidades como Rabat, a capital marroquina, e Casablanca são os pontos preferidos de parada dessas aves.
Em um primeiro momento, de acordo com as pesquisas, o comportamento favoreceu as chances de sobrevivência das aves, todas elas jovens, pois poupou uma boa quantidade de energia com a redução da jornada, já que percorrem distâncias mais curtas que os possíveis oito mil quilômetros da rota completa. Mas o benefício se desfaz no longo prazo, pois as cegonhas-brancas acabam ingerindo o pior tipo de alimento possível, como restos de carnes podres e dejetos humanos, quando seu cardápio natural é composto por pequenos répteis, anfíbios, peixes e insetos. “Para as cegonhas não há diferença entre se alimentar em campos agrícolas ou depósitos de lixo”, explica a Dra. Andrea.
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Contudo a nova alimentação, além da baixa qualidade, traz o risco de intoxicação com componentes químicos e até mesmo de sufocamento das aves ao ingerir porções de plástico, como pedaços de sacolas e embalagens. “Ainda não sabemos quais as consequências no longo prazo, mas podemos especular danos para a saúde em geral e, o pior, principalmente na dinâmica reprodutiva desses indivíduos”.
Alterações ambientais também podem ser esperadas no suposto destino das cegonhas-brancas, na porção do centro ao sul da África, uma vez que a espécie deixa de atuar no local, favorecendo a superpopulação de animais que seriam suas presas naturais.
“Certamente haverá um desequilíbrio nessa relação e o que mais preocupa nessa pesquisa é que ela foi realizada com indivíduos jovens, que representam a renovação de uma população, o que pode ser um sério prejuízo para esse grupo”, afirma João Luiz Nascimento, biólogo e coordenador do Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação de Aves Silvestre (Cemave). João lembra que no Brasil ocorreu um fenômeno semelhante na ilha de Fernando de Noronha, quando uma estação de tratamento de lixo orgânico a céu aberto ofereceu um farto banquete para a garça-vaqueira, levando a uma superpopulação da espécie, que por sua vez acabou interferindo no tráfego aéreo da região, que tem alta movimentação turística.
A expectativa para Andrea e sua equipe é que em um intervalo de dois anos os países da União Europeia cumpram com a determinação do governo central de fechar ou cobrir todos os lixões a céu aberto, o que levará a uma nova mudança de hábito dessas aves. “As cegonhas-brancas são pássaros muitos oportunistas e sempre se beneficiaram da convivência próxima aos humanos. Temos expectativa de que a mudança nos depósitos de lixo não será um problema para eles, pelo contrário”.
Foto: Huguette Roe 

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