29 de mar. de 2017

A reconstrução do Santo Sepulcro

Após duzentos anos de impasse, local de maior veneração do cristianismo é reformado ao custo de R$ 12 milhões

A reconstrução do Santo Sepulcro
INVESTIMENTO Foram nove meses de trabalho, financiado por católicos, ortodoxos gregos e ortodoxos armênios
A pós a aflição da via dolorosa e do suplício da crucificação, diz a Bíblia que o oficial romano Pôncio Pilatos concedeu aos seguidores de Jesus o direito de realizar os rituais fúnebres no corpo de Cristo. Os restos mortais foram assim levados para uma tumba nas proximidades, enrolados em linho e cobertos por ervas aromáticas pelo discípulo José de Arimateia. Quando, depois, Maria Madalena foi visitar o mausoléu, descobriu que estava aberto e vazio. Ela ficou inicialmente em choque, mas não demoraria em receber a revelação: o nazareno havia ressuscitado. Em Jerusalém, cenário onde essa história teria acontecido, o chamado Santo Sepulcro acaba de ser reformado e reaberto na quarta-feira 22, após nove meses de trabalhos feitos sob o comando da Universidade Técnica Nacional de Atenas (Grécia). “Pela primeira vez em dois séculos, a edícula sagrada foi restaurada”, afirmou, na cerimônia de reinauguração, o patriarca ortodoxo grego de Jerusalém, Theophilos 3º. “Esse não é apenas um presente para nossa Terra Santa, mas para todo o mundo.”
O motivo pelo qual a reforma demorou tanto para acontecer foi o fato de três denominações cristãs diferentes dividirem a administração da tumba: católicos, ortodoxos gregos e ortodoxos armênios. Desentendimentos sequenciais embargaram as obras até 2015, quando as autoridades israelenses detectaram risco de desabamento e deram o ultimato. Sob pressão, os religiosos ainda demoraram um ano até que a reconstrução de fato começasse, ao custo equivalente de mais de R$ 12 milhões. Além das igrejas envolvidas, financiaram a iniciativa a Autoridade Palestina e o Rei Abdullah, da Jordânia. A restauração foi focada na edícula, pequena capela que recobre o local sagrado — que está dentro de um santuário maior, a Igreja do Santo Sepulcro. Outras partes do templo principal já haviam sido consertadas décadas atrás, mas o centro da edificação continuava negligenciado. As paredes estavam pretas da fumaça de velas, algumas partes desmoronando e uma jaula feita pelos britânicos há 70 anos mantinha a estrutura em pé. Terminadas as obras, as paredes recuperaram a cor original alaranjada e a gaiola foi retirada, pois o prédio recebeu reforços.
VENERAÇÃO  O local recebe cerca de 5 mil visitantes por dia
VENERAÇÃO O local recebe cerca de 5 mil visitantes por dia
Reabertura
O momento mais crucial aconteceu no fim do ano passado, quando o sepulcro em si foi aberto, depois de cerca de meio milênio. À medida que as pedras eram retiradas, camadas de adereços colocados por adoradores em diferentes épocas iam sendo reveladas. Por baixo desses ornamentos (que incluem uma placa de mármore com o desenho de uma cruz) foi descoberta intacta a rocha onde os fieis acreditam que o corpo de Jesus repousou entre a crucificação e a ressurreição. Durante dois dias e meio, fotos foram feitas, amostras coletadas e amparos colocados. Cinco dezenas de religiosos, pesquisadores e restauradores tiverem acesso durante esse período, após o qual o local foi fechado.
A Igreja do Santo Sepulcro já foi destruída e reconstruída várias vezes no decorrer da história, depois de invasões estrangeiras a Jerusalém. A edícula propriamente dita foi erguida em 1810, durante o domínio otomano. Não há provas arqueológicas concretas de que Cristo realmente esteve ali, mas para muitos estudiosos há evidências que apontam para essa possibilidade. Uma delas é a antiguidade do culto no local, que data de poucos séculos depois da vida de Jesus. No começo do século 4 d.C., quando o imperador Constantino se converteu ao cristianismo, ele teria construído a primeira versão da Igreja do Santo Sepulcro sobre um templo romano que havia sido feito pelo imperador Adriano no local. O objetivo era suprimir o crescimento do novo culto. Em escavações do século 20, foram encontrados fragmentos do que seriam as edificações de Constantino e de Adriano. Além disso, a rocha onde se acredita que Jesus esteve corresponde ao modo como os judeus sepultavam seus mortos naquele tempo. No entanto, não se pode saber se a pedra é a correta, já que diversas outras semelhantes foram identificadas no perímetro do santuário.
Hoje, o Santo Sepulcro é um dos locais mais venerados do cristianismo, recebendo até 5 mil visitantes diariamente. Com a reforma, os restauradores devolveram a segurança aos peregrinos. Agora, devido à obra, os responsáveis esperam que o templo siga em pé pelos próximos 500 anos.
O QUE FOI FEITO NO TÚMULO DE JESUS
Reforma se concentrou na edícula, pequena capela dentro da Igreja do Santo Sepulcro. Abaixo, templo antes da restauração

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1. Séculos de fumaça das velas dos fieis deixaram as paredes pretas. Agora, elas recuperaram a cor alaranjada
2. Como partes estavam soltas, a reforma desmontou, limpou e renovou todas a estrutura, incluindo colunas e domos
3. Após terremoto em 1947, britânicos instalaram uma jaula para prevenir desabamento, o que foi retirado
4. Dentro do santuário, uma janela foi instalada para deixar os peregrinos verem a pedra original da tumba pela primeira vez

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