Após duzentos anos de impasse, local de maior veneração do cristianismo é reformado ao custo de R$ 12 milhões
INVESTIMENTO Foram nove meses de trabalho, financiado por católicos, ortodoxos gregos e ortodoxos armênios
Raul Montenegro
A pós a aflição da via dolorosa e do suplício da
crucificação, diz a Bíblia que o oficial romano Pôncio Pilatos concedeu
aos seguidores de Jesus o direito de realizar os rituais fúnebres no
corpo de Cristo. Os restos mortais foram assim levados para uma tumba
nas proximidades, enrolados em linho e cobertos por ervas aromáticas
pelo discípulo José de Arimateia. Quando, depois, Maria Madalena foi
visitar o mausoléu, descobriu que estava aberto e vazio. Ela ficou
inicialmente em choque, mas não demoraria em receber a revelação: o
nazareno havia ressuscitado. Em Jerusalém, cenário onde essa história
teria acontecido, o chamado Santo Sepulcro acaba de ser reformado e
reaberto na quarta-feira 22, após nove meses de trabalhos feitos sob o
comando da Universidade Técnica Nacional de Atenas (Grécia). “Pela
primeira vez em dois séculos, a edícula sagrada foi restaurada”,
afirmou, na cerimônia de reinauguração, o patriarca ortodoxo grego de
Jerusalém, Theophilos 3º. “Esse não é apenas um presente para nossa
Terra Santa, mas para todo o mundo.”
O motivo pelo qual a reforma demorou tanto para acontecer foi o fato
de três denominações cristãs diferentes dividirem a administração da
tumba: católicos, ortodoxos gregos e ortodoxos armênios.
Desentendimentos sequenciais embargaram as obras até 2015, quando as
autoridades israelenses detectaram risco de desabamento e deram o
ultimato. Sob pressão, os religiosos ainda demoraram um ano até que a
reconstrução de fato começasse, ao custo equivalente de mais de R$ 12
milhões. Além das igrejas envolvidas, financiaram a iniciativa a
Autoridade Palestina e o Rei Abdullah, da Jordânia. A restauração foi
focada na edícula, pequena capela que recobre o local sagrado — que está
dentro de um santuário maior, a Igreja do Santo Sepulcro. Outras partes
do templo principal já haviam sido consertadas décadas atrás, mas o
centro da edificação continuava negligenciado. As paredes estavam pretas
da fumaça de velas, algumas partes desmoronando e uma jaula feita pelos
britânicos há 70 anos mantinha a estrutura em pé. Terminadas as obras,
as paredes recuperaram a cor original alaranjada e a gaiola foi
retirada, pois o prédio recebeu reforços. VENERAÇÃO O local recebe cerca de 5 mil visitantes por diaReabertura
O momento mais crucial aconteceu no fim do ano passado, quando o
sepulcro em si foi aberto, depois de cerca de meio milênio. À medida que
as pedras eram retiradas, camadas de adereços colocados por adoradores
em diferentes épocas iam sendo reveladas. Por baixo desses ornamentos
(que incluem uma placa de mármore com o desenho de uma cruz) foi
descoberta intacta a rocha onde os fieis acreditam que o corpo de Jesus
repousou entre a crucificação e a ressurreição. Durante dois dias e
meio, fotos foram feitas, amostras coletadas e amparos colocados. Cinco
dezenas de religiosos, pesquisadores e restauradores tiverem acesso
durante esse período, após o qual o local foi fechado.
A Igreja do Santo Sepulcro já foi destruída e reconstruída várias
vezes no decorrer da história, depois de invasões estrangeiras a
Jerusalém. A edícula propriamente dita foi erguida em 1810, durante o
domínio otomano. Não há provas arqueológicas concretas de que Cristo
realmente esteve ali, mas para muitos estudiosos há evidências que
apontam para essa possibilidade. Uma delas é a antiguidade do culto no
local, que data de poucos séculos depois da vida de Jesus. No começo do
século 4 d.C., quando o imperador Constantino se converteu ao
cristianismo, ele teria construído a primeira versão da Igreja do Santo
Sepulcro sobre um templo romano que havia sido feito pelo imperador
Adriano no local. O objetivo era suprimir o crescimento do novo culto.
Em escavações do século 20, foram encontrados fragmentos do que seriam
as edificações de Constantino e de Adriano. Além disso, a rocha onde se
acredita que Jesus esteve corresponde ao modo como os judeus sepultavam
seus mortos naquele tempo. No entanto, não se pode saber se a pedra é a
correta, já que diversas outras semelhantes foram identificadas no
perímetro do santuário.
Hoje, o Santo Sepulcro é um dos locais mais venerados do
cristianismo, recebendo até 5 mil visitantes diariamente. Com a reforma,
os restauradores devolveram a segurança aos peregrinos. Agora, devido à
obra, os responsáveis esperam que o templo siga em pé pelos próximos
500 anos. O QUE FOI FEITO NO TÚMULO DE JESUS
Reforma se concentrou na edícula, pequena capela dentro da Igreja do Santo Sepulcro. Abaixo, templo antes da restauração 1. Séculos de fumaça das velas dos fieis deixaram as paredes pretas. Agora, elas recuperaram a cor alaranjada 2. Como partes estavam soltas, a reforma desmontou, limpou e renovou todas a estrutura, incluindo colunas e domos 3. Após terremoto em 1947, britânicos instalaram uma jaula para prevenir desabamento, o que foi retirado 4. Dentro do santuário, uma janela foi instalada para deixar os peregrinos verem a pedra original da tumba pela primeira vez
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