25 de dez. de 2015

Como sobreviver às más notícias

Para não sucumbir à ansiedade causada pelo excesso de informações da era digital, é preciso pôr os fatos em uma perspectiva histórica, aceitar que o conhecimento está em constante transformação e lembrar-se de que acontecimentos ruins muitas vezes têm desfecho positivo

ALÍVIO -  Um refugiado comemora ao desembarcar na Ilha de Lesbos, na Grécia. Para ele, o pior ficou para trás
ALÍVIO - Um refugiado comemora ao desembarcar na Ilha de Lesbos, na Grécia. Para ele, o pior ficou para trás(ARIS MESSINIS/AFP)
As informações chegam por todos os meios, quer a gente queira ou não: pelo jornal, pela televisão, por rádio, pela internet, por Twitter, por WhatsApp, por Facebook e até pelo boca a boca. "Salsicha causa câncer", "Donald Trump lidera a corrida republicana à Presidência dos Estados Unidos" ou "Aylan, um refugiado sírio de 3 anos de idade, é encontrado morto numa praia da Turquia". A era digital é também a era do excesso de informação. Estima-se que na primeira década deste século tenham sido produzidos mais conteúdo e dados novos do que em toda a história anterior da humanidade. Diante de tal sobrecarga, é natural a sensação de que os fatos negativos são os mais frequentes e de que o mundo é um lugar cada vez pior para viver. Antes de chegar a este artigo, o leitor provavelmente folheou a retrospectiva nas páginas anteriores e teve esta mesma impressão sobre o ano que se encerra: quanta desgraça, quanta notícia ruim! Corrupção, conchavos políticos, recessão, terrorismo, terremoto, guerras. Como absorver tudo isso, mantendo-se atualizado com os conhecimentos essenciais à vida moderna - mas às vezes conflitantes e negativos -, sem sucumbir à ansiedade e ao pessimismo? Eis como fazê-lo em três passos simples.
Situe a notícia em um contexto mais amplo
A grande variedade de fontes de informação e de opinião disponíveis raramente faz isso por você, mas, quando se analisa a maioria dos fatos à luz da história, a conclusão é que houve progresso, e não retrocesso. Em outras palavras, o mundo está melhor. Nos últimos quinze anos, a média anual de mortes em guerras foi quase um quarto da registrada na segunda metade do século XX. Em 2014 e 2015, porém, o número total de mortos aumentou na comparação com os dois anos anteriores por causa da guerra civil na Síria. Isoladamente, essa é uma má notícia. Mas também significa que, uma vez solucionado o conflito sírio, a tendência de queda no número de vítimas será recuperada.
O que dizer, então, do terrorismo islâmico, um fenômeno contemporâneo, inexistente um século atrás? Evidentemente, trata-se de uma ameaça a ser combatida com seriedade, mas também precisa ser posta em perspectiva. As vítimas de atentados representam menos de 2% do total de mortes violentas em todo o mundo. E a proporção destas, por sua vez, re­duziu-se em 3,3% entre 2000 e 2012, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS). A melhoria é lenta, mas o mundo é um lugar cada vez mais seguro.
Na área da saúde, há ainda mais motivos para comemorar. O número de crianças que morrem anualmente antes de completar 5 anos, por exemplo, caiu pela metade desde 1990. Epidemias são controladas mais rapidamente do que algumas décadas atrás. "É possível acompanhar os desdobramentos de um novo vírus quase em tempo real pela internet", diz a epidemiologista Maria Rita Donalisio Cordeiro, da Unicamp. O acesso fácil à informação também salva vidas porque a população aprende a se prevenir melhor. A sobrecarga de informação é o preço que se paga por esse benefício.
Deixe por um instante suas crenças arraigadas de lado e considere natural que os fatos mudem
"Quando tentamos extrair um significado de eventos públicos, tendemos a misturar nossa compreensão dos fatos com nossas crenças subjetivas sobre o que eles representam", escreveram Bill Kovach e Tom Rosenstiel, dois mestres do jornalismo americano, no livro Blur (sem publicação em português). A dificuldade de se desfazer de convicções pessoais contribui para a ansiedade causada pela mudança constante dos fatos, especialmente os científicos. Quando uma pessoa adquire um conhecimento e se convence de que ele é verdadeiro (por exemplo, de que ovo faz mal à saúde), provoca-lhe incerteza receber a informação oposta. Contra isso, é preciso compreender que a produção de conhecimento é um processo contínuo. Há fatos que mudam rapidamente, como a previsão do tempo, e outros que são mais perenes, como o número de continentes no planeta. As mudanças mais difíceis de assimilar são aquelas que levam meses ou anos, no intervalo de tempo de uma vida humana, para ocorrer.
Imagine o que pode dar certo. Nem todas as más notícias se concretizam
Algo que aparentemente está dando errado pode ser apenas uma etapa que levará a um desenlace positivo. A corrupção no Brasil parece ter superado todos os níveis históricos? Sim, mas há bons sinais para acreditar que a punição aos envolvidos também será inédita. Os Estados Unidos deram uma guinada nacionalista, anti-imigrante? Calma, essa é apenas a impressão que se tem por causa do barulho provocado ao longo do ano por um pré-candidato republicano, Donald Trump. Ele ainda não é presidente, e talvez nunca venha a ser.
Muitos fatos são apenas pedaços de uma longa história. Para entender o seu verdadeiro impacto, é preciso esperar pelo ponto-final.
Com reportagem de Paula Pauli

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