23 de jan. de 2015

Haiti pode 'se deteriorar rapidamente', diz brasileiro comandante de missão

Protestos, disputa de áreas por gangues e instabilidade política preocupam.
Brasil lidera desde 2004 missão de paz da ONU no país caribenho.

Tahiane Stochero Do G1, em São Paulo
General Jaborandy (à frente) inspeciona operação em área violenta e pobre do Haiti (Foto: UN)General Jaborandy (à frente) inspeciona operação em área violenta e pobre do Haiti (Foto: UN)
Protestos violentos, disputas de território entre gangues e incertezas políticas estão entre as principais preocupações do general do Exército brasileiro José Luiz Jaborandy Júnior, comandante militar da missão da ONU no Haiti. O país vive uma crise derivada da renúncia do premiê e da dissolução do Parlamento.

Desde 2004, quando uma crise institucional culminou com a queda do então presidente Jean Bertrand-Aristides, o Brasil comanda a operação de paz no país caribenho, trocando a cada seis meses mais de 1.000 soldados que mantém lá.
“A situação atual do Haiti, em função da instabilidade política, está frágil e volátil, podendo se deteriorar rapidamente. Há manifestações por todo o país e por razões distintas, como melhoria das condições de ensino e aumento salarial para os professores, falta de energia elétrica, falta de água, carência na assistência médico-hospitalar, dentre outras”, afirmou o general em entrevista exclusiva ao G1 a partir de Porto Príncipe.
Na capital haitiana, ele lidera mais de 5.000 militares da missão da ONU para estabilização do Haiti (Minustah). “Temos que admitir que realmente a situação política está passando por um momento de instabilidade e a comunidade internacional está acompanhando de perto”, acrescentou.
Em dezembro, o então primeiro-ministro Laurent Lamothe renunciou em meio a um período de agitação liderado pela oposição, que reivindica também a renúncia do presidente Michel Martelly, acusado de corrupção e de realizar prisões arbitrárias de opositores.
general jaborandy (Foto: Divulgação)
No início de janeiro, o Parlamento foi dissolvido após o fracasso das negociações para estender o mandato dos seus membros. País mais pobre das Américas e com metade da população analfabeta, o Haiti não tem eleições legislativas ou municipais há três anos, devido a diversos adiamentos. A falta de um Parlamento efetivo faz com que o presidente na prática governe por decreto.
“Na capital, a população tem se mobilizado nas ruas em demonstrações tanto pró como contra o governo. Em sua maioria apresentam um viés político e, normalmente, começam de maneira pacífica mas, por vezes, tornam-se violentas, sendo necessária a intervenção do poder público haitiano por meio da Polícia Nacional do Haiti (PNH)”, afirma o general brasileiro.
Cerca de 70% da população do país não possui emprego formal, segundo dados da ONU.
“Quanto aos riscos políticos, posso dizer que sempre existirão e que fazem parte do amadurecimento do processo democrático. A Minustah existe exatamente para auxiliar nesse processo", diz.

"Do ponto de vista das operações militares, o que mais nos preocupa é o incremento da violência entre gangues rivais na disputa de áreas de influência. Temos tomado as medidas cabíveis”, afirma. "Temos conseguido manter a segurança no país, mesmo com este cenário de instabilidade política".
Protestos tomam ruas do Haiti contra falta de água, luz e baixos salários (Foto: HECTOR RETAMAL / AFP)Protestos tomam ruas do Haiti contra falta de água, luz e baixos salários (Foto: Hector Retamal/AFP)
Antes de comandar a tropa no Haiti, o general esteve à frente da região militar responsável pela defesa do Pará e atuou em duas operações das Nações Unidas na América Central.
Questionado sobre se há temores de excesso de autoritarismo e ameaças à democracia, diante do cenário frágil, o oficial respondeu que era “difícil dizer”, mas que “acreditava que não”.

“Tanto a comunidade internacional, como a própria oposição, estão bastante vigilantes quanto a isso. Penso que qualquer indício poderá comprometer os investimentos e o aporte financeiro internacional”, entende o general Jaborandy.
Redução do efetivo da ONU
Segundo o brasileiro, o Conselho de Segurança da ONU deve votar em março o prosseguimento do cronograma de redução das tropas internacionais do país, que poderá cair a quase metade do efetivo atual e ficar em apenas 2.370 soldados. Logo após o terremoto que devastou o país em 2010, a ONU chegar a ter mais de 14 mil militares no Haiti.
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Manifestantes protestam contra suspeitas de corrupção do governo haitiano; polícia do Haiti e a ONU são responsáveis por cuidar da situação (Foto: HECTOR RETAMAL / AFP)Manifestantes protestam contra suspeitas de corrupção do governo haitiano; polícia do Haiti e a ONU são responsáveis por cuidar da situação (Foto: HECTOR RETAMAL / AFP)
O general diz que não se pode afirmar categoricamente se a ONU vai ou não manter o planejado, diante da situação atual.
“Qualquer que seja a decisão do Conselho de Segurança da ONU, estaremos prontos para executar. Temos plena confiança que nossa tropa saberá dar continuidade ao legado dos seus antecessores e que as forças haitianas saberão conduzir seus próprios destinos”, acredita Jaborandy.
Em 2 de janeiro deste ano, um soldado brasileiro de 21 anos foi baleado na perna em Cité Soleil, a maior e mais violenta favela de Porto Príncipe, pacificada pela tropa brasileira em 2007. O suspeito de acertar o brasileiro estava escondido e fugiu. A situação de segurança no local voltou a se deteriorar após esse processo.

“Cité Soleil é a região mais desfavorecida socialmente da capital do Haiti. A maior parte de seus habitantes são pessoas simples e humildes. Pessoas de bem. Porém, a marginalidade que existe em toda grande cidade, se esconde nas vielas das favelas de Cité Soleil”, explica o general, salientando que o soldado está em recuperação e deve voltar às atividades em algumas semanas.

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