No meio
político, a semana passada ficou fortemente marcada pela decisão do
Supremo Tribunal Federal de dar uma guinada no rito do impeachment
inicialmente estabelecido pela Câmara e pela anunciada saída do ministro
da Fazenda, Joaquim Levy. Para a força-tarefa da Lava Jato, outro fato
se impôs como mais relevante e grave. Na segunda-feira 14, o pecuarista
José Carlos Bumlai prestou um depoimento considerado nitroglicerina
pura. Para os policiais federais, as palavras de Bumlai, amigo do
ex-presidente Lula preso em Curitiba desde novembro, representaram mais
do que uma delação premiada. Soaram como uma confissão. Em mais de seis
horas de depoimento, o empresário reconheceu tudo o que havia refutado
na primeira vez em que foi ouvido pelos integrantes da Lava Jato. As
revelações colocam Lula e o PT numa encalacrada. Sem titubear, o
pecuarista admitiu ter contraído em 2004 um empréstimo irregular de R$
12 milhões junto ao Banco Schahin e repassou ao PT, por meio de
laranjas.

O dinheiro, ainda segundo Bumlai, tinha uma
destinação: abastecer as campanhas petistas. Em especial, a do
ex-presidente Lula, candidato a reeleição em 2006. Bumlai foi além.
Confirmou que, como contrapartida, o Banco Schahim foi contemplado com
um contrato de R$ 1,6 bilhão para fornecimento de navios-sonda para a
Petrobras. Para possibilitar o desvio, o contrato foi superfaturado. O
modus operandi, acrescentou o pecuarista, teria se repetido em outras
transações envolvendo outros laranjas, sempre tendo como beneficiário
final as arcas do PT. “A estrutura da Petrobras era do PT”, disse o
empresário aos agentes da PF.
O depoimento do pecuarista implica
sobremaneira Lula por algumas razões fundamentais. A principal delas:
Bumlai nunca foi empreiteiro nem mantinha negócios com a Petrobras. Agiu
sempre em favor e em nome do ex-presidente como uma espécie de laranja
dele e do PT. Perguntado pelos policiais federais sobre a motivação do
empréstimo, o pecuarista disse: “Não iria custar nada a mim. Quis fazer
um favor. Uma gentileza a quem estava no poder”. E quem estava no poder
na ocasião? Lula, o presidente que forneceu a Bumlai um crachá para que
ele pudesse ter acesso livre ao seu gabinete. Em recente entrevista, o
presidente da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul, Jonathan
Pereira Barbosa, dileto amigo de Bumlai, contou que Lula costumava ligar
para o pecuarista atrás de favores. “Eu estava com Bumlai, tocava o
telefone e quem era? O ex-presidente. Pedindo que fizesse favor, isso e
aquilo. Zé Carlos, muito gentil, concordava”. Ainda segundo Jonathan
Pereira, Bumlai era constantemente chamado para “resolver uns problemas”
para Lula em São Paulo e em Brasília.
O PODER DA INTIMIDADE
Bumlai (no destaque), com Lula e Marisa em festa de
Santo Antônio na Granja do Torto, em 2004
No círculo íntimo do presidente Lula, todos
sabem que o empréstimo junto ao Banco Schahin não foi a única gentileza
feita pelo pecuarista ao amigão poderoso. Alguns préstimos já são
públicos. Em depoimento à Lava Jato, o lobista Fernando Baiano disse que
a pedido de Bumlai repassou R$ 2 milhões para uma nora de Lula quitar
dívidas pessoais. Segundo apurou ISTOÉ, o fazendeiro ainda teria
contribuído para aproximar o empresário Natalino Bertin, proprietário do
Grupo Bertin, do clã Lula em meio às negociações para venda de uma
fatia do frigorífico. A proximidade resultou em favores aos filhos de
Lula. A pedido de Bumlai, Bertin disponibilizou um jatinho para os
filhos do ex-presidente em São Paulo, entre 2010 e 2011.
As operações fraudulentas confirmadas pelo
amigão de Lula foram trazidas à tona pela primeira vez em reportagem de
capa de ISTOÉ em fevereiro deste ano. Àquela altura, Bumlai já era uma
figura carimbada no Planalto, mas ainda pouco conhecida na cena política
nacional. De lá para cá, foram lançadas luz sobre suas incursões no
submundo do poder. Ninguém duvida mais de que ele privava da intimidade
do ex-presidente Lula. Agora sabe-se, por exemplo, que Bumlai esteve ao
lado de Lula e sua família em momentos bem particulares. Nas buscas
realizadas durante a Operação Passe Livre, batizada com esse nome numa
alusão ao acesso facilitado do pecuarista ao gabinete presidencial, os
agentes federais encontraram fotos que confirmaram a grande proximidade
dos dois. Numa das imagens, Bumlai aparece com Lula e dona Marisa
Letícia festejando o dia de Santo Antônio na Granja do Torto no início
do primeiro mandato do petista. Quem conhece os códigos do poder sabe
que a presença num evento desses revela uma intimidade capaz de abrir
portas a negócios escusos. O material fotográfico foi encontrado num dos
endereços do pecuarista no Mato Grosso do Sul. Também foi encontrado um
cartão de apresentação com o brasão da República, em nome da
ex-primeira-dama. Daí o peso e a importância das revelações do
pecuarista para os investigadores da Lava Jato. A confissão de Bumlai
fez alguns procuradores o tratarem como “o laranja de Lula”.
Também impressionaram os integrantes da
Lava Jato a riqueza dos detalhes fornecidos pelo empresário e a
semelhança no modo de atuar com outro operador petista: Marcos Valério.
Em seu depoimento, Bumlai disse à PF ter sido procurado em 2004, segundo
ano de Lula na Presidência da República, por pessoas ligadas ao PT.
Entre eles estava Delúbio Soares, então tesoureiro do partido. O
pecuarista disse que conheceu Delúbio no comitê da campanha presidencial
de 2002. De acordo com o depoimento de 11 páginas, colhido pelo
delegado Filipe Hille Pace, o grupo pediu a Bumlai que levantasse, em
seu próprio nome, recursos junto ao Banco Schahin. “Delúbio esclareceu
que se tratava de uma questão emergencial”, afirmou. O pecuarista disse
ainda que, embora Delúbio não tivesse especificado no início a que se
destinava o dinheiro, ele entendeu que seria para atender interesses do
PT. Depois, teria vindo a confirmação de que o recurso era destinado a
abastecer a campanha de Lula. A descrição e a época em que o negócio
entre Bumlai e Schahin foi fechado remetem aos empréstimos tomados pelo
empresário Marcos Valério nos bancos BMG e Rural para irrigar o caixa
petista e de partidos aliados no primeiro mandato de Lula, o escândalo
do mensalão.

Assim como os empréstimos contraídos por
Valério, os R$ 12 milhões que Bumlai tomou emprestado no Schahin não
eram para ser quitados. Em fevereiro deste ano, ISTOÉ teve acesso com
exclusividade a relatório do Banco Central demonstrando que a operação
foi liberada de forma irregular, “sem a utilização de critérios
consistentes e verificáveis”. Para liberar a bolada, o Schahin burlou
normas e incorreu em seis tipos de infrações diferentes. De acordo com
os procuradores da República que atuam na Lava Jato, há indícios de que o
ex-ministro José Dirceu e o próprio Delúbio intercederam junto a
Schahin para que o empréstimo fosse liberado. De acordo com delação de
um dos acionistas da instituição financeira, Salim Schahin, os R$ 12
milhões emprestados ao Bumlai foram repassados a empresas do Grupo
Bertin, do empresário Natalino Bertin, o mesmo que a pedido do
pecuarista colocou seus jatinhos à disposição dos filhos de Lula. Na
transação, os investigadores suspeitam que Natalino possa ter se
encarregado de fazer pagamentos a terceiros, no caso laranjas, indicados
pelo pecuarista. Bumlai ainda disse à PF acreditar que o empresário
Salim Schahin usou o empréstimo de R$ 12 milhões para ocultar outras
operações e negócios da empresa com o PT. Sempre para a formação de
caixa dois eleitoral.
Em um dos trechos da confissão, Bumlai
reavivou o caso Celso Daniel, confirmando outra revelação feita por
ISTOÉ em fevereiro deste ano. O pecuarista afirmou ao delegado da PF que
teve ciência, em 2012, depois de um depoimento de Marcos Valério ao MP,
de que parte do empréstimo contraído por ele junto ao Banco Schahin –
cerca de R$ 6 milhões – seria destinado a comprar o silêncio do
empresário Ronan Maria Pinto, conhecido como Sombra. Pinto ameaçou
comprometer a cúpula petista no assassinato do ex-prefeito de Santo
André Celso Daniel, entre eles o ex-presidente Lula, e os ex-ministros
José Dirceu e Gilberto Carvalho. Numa tentativa de conseguir uma delação
premiada, Valério chegou a afirmar há três anos que o pecuarista
intermediou operação para comprar o silêncio de Ronan. Agora, a PF
cogita convocá-lo novamente para depor a fim de que esclareça melhor o
caso.
A Receita Federal colheu indícios de que
parte dos valores do empréstimo do Schahin a Bumlai pode mesmo ter sido
direcionada a Ronan. Ele teria adquirido, em 2004, 60% das ações do
Diário do Grande ABC S/A no valor de R$ 6,9 milhões. Para isso, recorreu
a empréstimos e assumiu dívidas de terceiros junto às empresas das
quais era sócio, a Rotedali Serviços e Limpeza Urbana Ltda. e a Expresso
Nova Santo André. Tais dívidas ficaram sem quitação durante nove anos,
conforme revelaram suas declarações. A suspeita levantada pela Receita é
a de que esses empréstimos não teriam sido reais, mas destinados a
dissimular a real origem de recursos utilizados na aquisição das ações.
No dia posterior ao depoimento à PF, o pecuarista passou à condição de
réu, após o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, aceitar
denúncia da Procuradoria da República no Paraná. Também tornaram-se réus
Maurício e Cristine Barbosa Bumlai, filho e nora do pecuarista. Ao
fazer as primeiras confissões, o fazendeiro busca uma pena menor para
si. Para os investigadores, ainda há muito mais a elucidar e o
indiciamento da família Bumlai pode fazer com que um dos principais
arquivos-vivos da era petista no poder resolva, em algum momento, contar
tudo o que sabe.
