15 de jun. de 2014

Eletrizados... pela nação

Torcida brasileira dá espetáculo na largada da Copa do Mundo no País, embala a vitória da Seleção e mostra que será a grande protagonista deste Mundial

Débora Crivellaro (debora@istoe.com.br)
Faltam cerca de 30 minutos para o início da festa de abertura da Copa do Mundo e dona Irene está recostada na bancada do banheiro feminino, no terceiro andar da Arena São Paulo. Enquanto reclama da água rarefeita das torneiras, a auxiliar de limpeza comenta que, apesar de estar tão perto da celebração, não poderá assistir ao espetáculo que acontecerá a poucos metros dali e será visto por milhares de pessoas ao vivo e 3,5 bilhões pela tevê. “O encarregado não nos deixa sair daqui”, diz ela, para logo depois abrir um sorriso confiante. “Mas vou dar um jeitinho, afinal, sou brasileira.” O orgulho e a alegria de dona Irene são os mesmos que contagiaram a população nos últimos dias e culminaram com o ensolarado 12 de junho de 2014. Tão ansiado e tão temido. Nestes sete anos de preparação para o Mundial no Brasil, o País foi açodado por críticas – pertinentes – de mau uso dos recursos públicos e de construção de obras de utilidade duvidosa. O período de preparação da competição terminou, aos 47 minutos do segundo tempo, para usar o jargão do futebol, com menos da metade do que foi programado entregue. E o mês de junho, exatamente um ano depois das manifestações históricas de 2013, em que se questionava, entre outras coisas, a validade da Copa no Brasil, chegou com o gosto amargo da dúvida: como a população acolherá este Mundial? Se havia alguma incerteza, ela foi completamente dissipada nos primeiros raios da manhã da quinta-feira 12, quando o País acordou verde e amarelo para receber e se exibir para o mundo.
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MATURIDADE
Empurrado pelos 62 mil torcedores presentes à Arena
São Paulo, que não pararam de incentivar, o time de
Felipão conseguiu reverter o placar desfavorável
A cidade de São Paulo, temida pela Seleção Brasileira pela decantada impaciência da torcida, deu o pontapé inicial na competição e foi a capital da abertura. Tudo fluiu muito bem, apesar dos problemas, que não foram poucos (leia na pág. 60). Nas primeiras horas da manhã, nos arredores da Arena São Paulo, no bairro de Itaquera, praticamente uma cidade com mais de 200 mil habitantes na zona leste da capital paulista, os moradores enfeitavam as ruas, à espera do grande jogo. Um pouco em cima da hora, é verdade, como que esperando para ver se a Copa ia acontecer mesmo. Apesar de as portas do estádio só abrirem às 13 horas, os felizardos que portavam ingressos para Brasil x Croácia começaram a se dirigir para a Arena por volta das 10 horas. Cerca de 90% das 62 mil pessoas que assistiram à partida ao vivo optaram pelo transporte público, segundo a Secretaria de Transportes Metropolitanos – o “Expresso da Copa”, que saía da Estação da Luz e demorava apenas 19 minutos, ou o metrô, que desembocava na estação Arthur Alvim. A festa já se iniciava no trajeto. Em cada torcedor, um sorriso colado ao rosto, como se ainda não acreditassem no que estava por vir e eles teriam o privilégio de presenciar. Sessenta e quatro anos depois da primeira edição, em 1950, iria começar uma Copa do Mundo no país do futebol.
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FESTA
A torcida não parou um só minuto durante o jogo de abertura.
A alegria de sediar um Mundial depois de 64 anos
estava presente no rosto de todos
A massa verde e amarela chegava às portas da Arena São Paulo e, sem se importar com o forte calor que fazia, confraternizava com os torcedores de outras nacionalidades, que, muitas vezes com dificuldade, mas contaminados pelo bom humor dos brasileiros, se esforçavam para se comunicar. Valia de tudo: faixa com escritos em português, fantasias ou algum símbolo da Seleção nacional. “Em meia hora, fiz amizade com holandeses, argentinos e uruguaios”, dizia o administrador Felipe dos Santos, 24 anos, de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, que iria assistir ao jogo com um grupo de amigos. Havia pequenos grupos de samba, muita gente caracterizada e até um boneco do argentino Maradona com a bandeira do Brasil. Muita gente ainda tentava comprar ingresso para o jogo, em vão. Nada tirava o humor da multidão. Nem quando os portões se abriram e as filas, para as lanchonetes, por exemplo, começaram a se avolumar. Nem as falhas de sinalização de assento. Nada. “Hoje tudo é festa, fico o tempo que for aqui, numa boa”, falava a carioca Silvia Fernandes, 39 anos, que veio ao jogo com o marido e um casal de amigos e esperava pacientemente na quilométrica fila de uma das lanchonetes para ser atendida. Os torcedores presentes, que representavam todos os brasileiros, tinham se colocado no papel de anfitriões. E anfitrião não reclama, contorna os problemas e acolhe os convidados.
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ESTRELA
Neymar beija a bola diante do juiz japonês Yuichi Nishimura: dois gols já na estreia
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UMA SÓ VOZ
Hulk, Luiz Gustavo, Fred, Paulinho e David Luiz:
“Hino Nacional” à capela imprimiu ainda mais emoção à festa
Deu 15h15, começou a celebração de abertura, protocolar e despretensiosa como é de praxe em Copas do Mundo, e a Arena ainda não estava completamente cheia. Até que a organização desmontou a parafernália do cenário e, finalmente, surgiu o gramado, o verdadeiro palco da festa. Minutos depois, aparecem os três goleiros da Seleção – Jefferson, Victor e Júlio César – para se aquecer. Neste momento, a mística da torcida nacional, aquela capacidade de emocionar e provocar arrepios que só o brasileiro é capaz de produzir, entrou em cena. Os três jogadores foram ovacionados pelo público, insistentemente. Comovidos, se abraçaram demoradamente, num gesto que provocou uma aclamação ainda maior. Começava ali o show da torcida brasileira, o maior legado que essa Copa irá deixar. Para nós e para o mundo (leia reportagem sobre a recepção dos brasileiros às seleções na pág. 68).
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RITUAL
Jogadores inauguraram uma nova forma de entrar em
campo nesta Copa: em fila, com a mão no ombro
Quando a Seleção Brasileira finalmente entrou em campo, todos em fila indiana com a mão nos ombros, inaugurando um novo ritual, os olhos marejados dos jovens jogadores entregaram que os vestiários não ficaram imunes à emoção das arquibancadas. O capitão Thiago Silva estava chorando. Depois explicou por que estava tão emocionado. “Foram minhas as palavras finais e pedi ao grupo para jogarmos por nosso técnico, que havia perdido dois parentes queridos nos últimos dias.” Não à toa, Neymar correu para Luiz Felipe Scolari para comemorar seu primeiro gol. A temperatura subiu definitivamente na hora do “Hino Nacional” brasileiro. Milhares de pessoas, vestidas com as cores do País, a mão no peito, os olhos fechados, e cantando, da forma mais potente que conseguiam, o hino à capela. Até o mais gélido croata derreteu nesse momento. Nos dois telões do estádio, as câmeras se detinham no rosto dos jogadores e passeavam pelo público das arquibancadas. A emoção era uma só. No gramado, os 11 perfilados, a comissão técnica, a enorme torcida, os telespectadores da tevê, os frequentadores das fun fests espalhadas pelas cidades brasileiras. Todos com uma enorme sensação de pertencimento e orgulho. A Copa havia dado certo, sim. Manifestações violentas eram sufocadas pelos gritos de “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.
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POLÊMICA
Fred cai e o árbitro marca um pênalti duvidoso.
Alheios, os jogadores e as arquibancadas vibram
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Eletrizada pela torcida, embalada pela emoção, a Seleção não desmoronou quando, aos 10 minutos do primeiro tempo, o lateral Marcelo fez um gol contra, inaugurando o placar do Mundial para a Croácia. Maduro, o time de Luiz Felipe Scolari, capitaneado pelos jovens Neymar e Oscar, ambos de 22 anos, os melhores em campo neste jogo de estreia, resistiu à pressão até o gol do camisa 10 e astro do time, aos 29 minutos. Durante esses longos 19 minutos de placar desfavorável, a torcida lançava gritos e hinos de apoio, numa manifestação constante de confiança. Ao contrário do que fez com a presidente Dilma Rousseff e os representantes da Fifa presentes (leia na pág. 56). Veio o intervalo, o segundo tempo, Fred caiu na área aos 23 minutos, o árbitro japonês Yuichi Nishimura enxergou um pênalti e Neymar converteu. A Arena explodiu em festa com a vitória parcial. Carregado pela vibração do torcedor o time fez 3x1, com Oscar. A tônica do jogo foi a emoção. Ao marcar, o jovem meia do Chelsea (ING) se jogou no chão e caiu no choro. Pai recente, e alvo de muitas críticas por suas últimas atuações, ele comemorava sua redenção nos braços da torcida.
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VIBRAÇÃO
Torcedores comemoram o terceiro gol do Brasil na Fun Fest
armada em Copacabana (RJ): 17 mil pessoas estavam presentes
O papel das arquibancadas foi tão decisivo que, durante a tradicional coletiva de imprensa pós jogo, Felipão pediu a palavra para elogiar. “Os torcedores que estiveram aqui foram fantásticos, incríveis... Foi inacreditável o apoio que recebemos em São Paulo”, afirmou, em mais uma declaração que confirmava o que até o mais pessimista enxergou: O ‘Dia D’ da Copa foi um sucesso. E irá deixar saudades. Enlevados pelo que haviam acabado de presenciar, centenas de torcedores que haviam assistido à partida na Arena São Paulo entoavam o hino nacional nos vagões da estação Bresser-Mooca do metrô. Essa será a tônica deste Mundial. Super craques em campo, grandes embates, jogos emocionantes, surgimento de novos ídolos, seleções muito bem armadas. Mas, o maior espetáculo virá das arquibancadas e do povo nas ruas.
(Em tempo: Dona Irene, a auxiliar de limpeza, conseguiu assistir ao jogo...)
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Foto: João Castelano/Ag. Istoé,Vanderlei Almeida/AFP Photo; Buda Mendes/Getty Images; Frederic Jean/Ag. Istoé, Adrian Dennis/AFP Photo; Silvia Izquierdo/AP Photo

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