Deputados e senadores voltam aos trabalhos nesta segunda-feira de olho no projeto de reeleição. Nem mesmo as pautas que levaram milhares de pessoas às ruas em 2013 devem sair do papel
Marcela Mattos, de Brasília
Nuvens carregadas sobre o prédio do Congresso Nacional, em Brasília
(Dida Sampaio/Agência Estado)
“Não tem que se falar em pauta-bomba. É um ano que o Brasil
precisa melhorar a economia, não temos tempo para brincadeira nem para
nenhuma maldade. Essas atitudes poderiam colocar em risco as alianças
estaduais e temos de centrar esforços nelas. Vai ser um ano com mais
foco nas eleições", Valdir Raupp (PMDB-RO)
No segundo semestre, os congressistas só costumam ir a Brasília se for convocado o chamado “esforço concentrado”, quando são agendadas sessões para votar temas importantes ou urgentes. O salário de 26.700 reais mensais, porém, está garantido.
Ainda
que a perspectiva seja de um Congresso esvaziado, a presidente Dilma
Rousseff tem pela frente um campo minado: enquanto alguns projetos
tratados como prioritários pelo governo podem motivar batalhas em
plenário, a oposição se organiza para pautar matérias que aumentam os
gastos públicos.
Para acalmar os ânimos, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante,
foi realocado na Casa Civil – tomará posse nesta segunda-feira. Com
passagens pela Câmara e pelo Senado, o novo homem forte do governo vai
assumir a interlocução com o Congresso Nacional, função que a
articuladora política do governo, ministra Ideli Salvatti (Relações
Institucionais) nunca conseguiu exercer com desenvoltura. Com Mercadante
no comando, o governo espera manter a base pacificada.Fogo amigo – A temperatura da relação entre os aliados vai ser medida já nas primeiras votações do ano. A nova regulação da internet brasileira, patrocinada por Dilma após as denúncias de espionagem dos Estados Unidos, esbarra na insatisfação do PMDB – o maior aliado do governo petista. Dois pontos do Marco Civil da Internet são motivo de embate: a neutralidade da rede – que determina que as operadoras não podem diferenciar os dados da navegação, como disponibilizar velocidades diferentes para cada serviço – e a previsão de obrigar as empresas estrangeiras de instalar data centers no país, de forma a armazenar os dados em terras brasileiras.
As propostas foram desenhadas pelo governo Dilma e consolidadas pelo relator, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), mas não avançam principalmente por causa do líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), que foi presidente da Telerj (antiga operadora do Sistema Telebrás) e desempenha o papel de interlocutor do setor no Congresso. “Ainda não tem acordo no mérito. Se continuar assim, uma das hipóteses pode ser derrubar o projeto e apresentá-lo de novo, sem a urgência”, explica Cunha. Por causa da urgência imposta por Dilma, o Marco Civil tranca a pauta desde outubro e impossibilita a votação de projetos de lei. Se a proposta de Cunha for adotada, a votação voltará a ficar com a data indefinida.
Petistas e peemedebistas também estão em lados opostos na reforma política. Uma das bandeiras do presidente da Câmara Henrique Alves (PMDB-RN), a reformulação do sistema político proposta não contempla pontos defendidos pelo PT, como a realização de plebiscito. “Não vejo a única possibilidade de fazer plebiscito em ano eleitoral. Aquilo que vem sendo discutido de reforma política é bastante mais restrito que a reforma que muitos partidos defendem. Agora é cedo para dizer se é possível ou impossível, mas é difícil [votar]”, disse Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo. Alves, no entanto, quer cumprir o compromisso feito em rede nacional no final do ano de que a reforma política, tema que patina no Congresso há uma década, agora vai sair do papel. Mesmo se aprovadas, as novas regras não valerão para o pleito de outubro.
Apesar do cenário aparentemente conturbado, dificilmente PMDB e PT entrarão em rota colisão em ano eleitoral e colocarão em risco as alianças estaduais. O presidente do PMDB resume: “Não tem que se falar em pauta-bomba. É um ano que o Brasil precisa melhorar a economia, não temos tempo para brincadeira nem para nenhuma maldade”, afirmou o senador Valdir Raupp (RO). “Essas atitudes poderiam colocar em risco as alianças estaduais e temos de centrar esforços nelas. Vai ser um ano com mais foco nas eleições.”
Dilma ainda estuda outra estratégia para garantir um PMDB fiel: acomodar o partido no comando de mais um ministério – hoje a legenda está à frente de cinco pastas. Os peemedebistas pleiteiam a Secretaria de Portos ou a pasta da Integração Nacional. A reforma ministerial começou na última semana e deve ser concluída até o final de fevereiro.
Gastos – Ao Congresso, o principal apelo da presidente Dilma é para evitar a votação de matérias que possam desequilibrar os cofres públicos. Rondam a pauta projetos que aumentam o piso salarial de policiais, bombeiros e agentes comunitários de saúde, mas o recado da presidente é para não permitir a votação. Mesmo com a inflação nas alturas, Dilma quer mostrar aos eleitores e ao empresariado que as contas estão sob controle.
Enquanto contém os gastos internos, o governo tem sido generoso com países vizinhos. Após ter inaugurado o porto de Cuba, construído com financiamento bilionário do BNDES, o Planalto tenta aprovar medida provisória que libera 60 milhões de reais do orçamento para serem investidos na Bolívia. O recurso será usado pelo Ministério de Minas e Energia para contratar, sem licitação, empresa para restaurar equipamentos de geração de energia elétrica e cedê-los ao governo de Evo Morales.
“Essa é mais uma contradição do governo", criticou o líder do PSB, deputado Beto Albuquerque (RS). O parlamentar promete unir esforços para aprovar o projeto que melhora a remuneração dos agentes de saúde. "Não podemos esquecer do barulho grande que fizeram para aprovar o Mais Médicos e agora não querem nem pagar 900 reais para o agente de saúde, que é parte integrante da saúde. Vamos tentar votar”, disse Albuquerque.
Também deve ser retomada a votação do novo Código de Processo Civil (CPC). O texto principal já foi aprovado, mas o governo trabalha para barrar a inclusão de dispositivo que determina que os honorários de sucumbência – dinheiro pago pela parte perdedora da ação – sejam destinados aos advogados públicos. Atualmente, os recursos são injetados nos cofres do Tesouro. Durante sessão no fim do ano passado, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia, conseguiu evitar a votação e pediu o adiamento da análise do caso. O direito aos honorários, no entanto, é alvo de forte lobby dos juristas, o que pode fazer com que os deputados ligados à categoria pressionem pela aprovação.
Diante de um prazo curto, muitos projetos alardeados em 2013, inclusive os que atendiam as reivindicações de junho, devem voltar para a gaveta. A proposta que aumenta as punições para os casos de corrupção, tornando-os crimes hediondos, por exemplo, foi aprovada no Senado logo depois das manifestações, mas não foi pautado pelos deputados. Da mesma forma, o Plano Nacional de Educação (PNE) aguarda análise da Câmara, mas dificilmente será concluído nos próximos meses. Outros temas de interesse da população devem ficar escanteados, como o novo Código Penal, a criminalização dos maus-tratos a animais e a não-autorização para a publicação de biografias.
Cassações – Mas os parlamentares já planejam limpar a imagem negativa da Casa. O primeiro ato será investido na nova tentativa de cassação de Natan Donadon (RO) – o primeiro deputado presidiário graças ao aval da Câmara dos Deputados. Para mudar o roteiro, deputados devem cassá-lo, em sessão com o voto aberto, ainda em fevereiro.
A perda do mandato do petista João Paulo Cunha – o único deputado condenado no mensalão que ainda compõe os quadros da Casa – também promete agitar a Câmara. A decisão sobre a abertura de processo de cassação ainda depende do aval da Mesa Diretora e a expectativa é que aliados do mensaleiro recorram a diversas manobras para evitar ou protelar o encaminhamento da ação – a mesma estratégia usada para barrar o processo contra o ex-deputado José Genoino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário