Ao longo de 75 anos, o Jet Propulsion Laboratory, um complexo científico instalado na Califórnia, se tornou a maior referência na construção de jipes, sondas e satélites enviados para explorar o universo
Engenheiros trabalham na construção do Curiosity, um jipe marciano do tamanho de um Fusca que vai procurar por sinais de vida em Marte (JPL/Caltech/Nasa)
Nos idos da década de 1930, só havia uma pessoa na Costa Oeste dos Estados Unidos que sabia alguma coisa sobre a perigosa tecnologia de foguetes. Seu nome era Theodore von Kármán, professor húngaro-americano do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Kárman é considerado o pai da era supersônica: foi ele quem desenvolveu turbinas a jato que podiam ser anexadas às asas de aviões. Isso permitiu que os caças americanos decolassem a partir de porta-aviões. Os motores ficaram conhecidos pela abreviação JATO (Jet-fuel Assisted Take Off, ou decolagem com auxílio de combustível de avião, em inglês).
Kárman influenciou um grupo de estudantes que ficou conhecido como "esquadrão suicida", de tão perigosos que eram seus experimentos com foguetes. Depois de aterrorizar outros estudantes no câmpus do Caltech testando explosivos, o grupo encontrou uma área vazia nas redondezas de Los Angeles, em uma pequena cidade chamada La Cañada Flintridge, ideal para seus arriscados testes. Não demorou muito para que o trabalho dos estudantes chamasse a atenção do exército americano, que lucrou imensamente na década de 1940 com o trabalho do "esquadrão". Além dos motores a jato, eles construíram os primeiros mísseis intercontinentais. Para prestar serviço aos militares, Kárman fundou uma empresa ligada ao Caltech para vender turbinas e mísseis e a batizou de Jet Propulsion Laboratory (JPL). A sede da nova empresa seria o mesmo lugar de testes do "esquadrão suicida".
A entrada do Jet Propulsion Laboratory, na Califórnia, saúda os visitantes: "Bem vindos ao nosso universo"
Ironicamente, foram os soviéticos que levaram o JPL a se aproximar da Nasa. Em 1957, auge da Guerra Fria, Moscou colocou o primeiro satélite na órbita da Terra, o Sputnik-1 — uma pequena esfera metálica envolvida por longas hastes de metal e que enviava um bip a estações terrestres. A resposta americana precisava ser rápida. O JPL foi então convidado a tomar uma decisão: ou continuava a desenvolver mísseis e turbinas a jato para os militares ou embarcava na era espacial com a recém-criada National Aeronautics and Space Administration, ou simplesmente Nasa, a agência espacial americana. É possível que a administração do JPL nem fizesse ideia dos feitos grandiosos que estavam por vir, mas hoje sabemos que a decisão de abandonar o programa de mísseis rendeu excelentes frutos para a humanidade.
Robôs planetários — A união entre o JPL e a agência espacial americana foi consumada em 1958. Naquele ano, os americanos lançaram o Explorer-1, o primeiro satélite dos EUA e a primeira sonda espacial construída pelo JPL. Esteticamente, o Explorer-1 ainda tinha uma forte influência dos projetos que o JPL fazia para os militares: parecia um míssil. Apesar de não ter o mesmo aspecto futurista do Sputinik-1, o primogênito do casamento Nasa-JPL foi mais útil que o experimento soviético. Em vez de apenas enviar bips à Terra, o Explorer-1 foi a primeira espaçonave a realizar uma experiência científica: detectou o Cinturão de Van Allen, uma região em volta do planeta onde ocorrem vários fenômenos atmosféricos devido a concentrações de partículas no campo magnético terrestre.
A parceria prosperou. Depois do sucesso da missão Explorer, a Nasa passou a contratar o JPL para grande parte das missões não tripuladas ao espaço. Ao todo, 87 missões já passaram pelas mãos de cientistas e engenheiros do laboratório. Atualmente, 25 permanecem em atividade. Uma delas é a Voyager, um par de sondas enviadas aos confins do Sistema Solar com a intenção de pesquisar o espaço que existe entre as estrelas. As espaçonaves foram lançadas em 1977 e ainda enviam informações à Terra. O JPL também foi o responsável pela missão Cassini, um poderoso satélite enviado a Saturno em 1997 com a intenção de explorar as imediações do mais misterioso dos planetas do Sistema Solar. A última obra-prima da fábrica é o Mars Science Laboratory, o maior jipe marciano já construído e que será lançado no dia 25 de novembro.
Da sala de controle do JPL, engenheiros e cientistas enviam comandos para as missões que estão explorando o universo neste momento
Clima universitário — Apesar de ser uma das fábricas mais hi-tech de robôs do mundo, o JPL não perdeu as raízes acadêmicas. As instalações do laboratório são muito parecidas com as de um imenso câmpus universitário. Cerca de 5.000 pessoas trabalham nos prédios construídos aos pés das montanhas São Gabriel, na Califórnia.
O ambiente universitário deve-se ao fato de que todos os funcionários do laboratório são contratados pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia. Trabalham dentro de um rigoroso regime acadêmico herdado do Caltech. É uma lógica diferente dos outros nove centros da Nasa espalhados pelos EUA. Nesses casos, os funcionários trabalham para o governo americano, e as contas são prestadas ao Congresso.
O Mars Yard é um pátio que simula a superfície de Marte com rochas avermelhadas e terreno arenoso: ambiente propício para testar os jipes que visitarão o planeta vermelho
Dentro do campus existem vários prédios que poderiam muito bem ser confundidos com instalações universitárias, não fossem os nomes na entrada de cada um deles: Laboratório de Montagem de Espaçonaves, Laboratório de Operações de Voos Espaciais, Centro de Projetos de Voo... Em um deles mora o coração das missões não tripuladas dos Estados Unidos: a Sala de Controle das Missões. É deste centro que cientistas de todos os cantos do mundo, envolvidos nos projetos do JPL/Nasa, enviam comandos e monitoram os robôs que estão no espaço. O salão possui diversas fileiras de computadores e vários telões que exibem em tempo real informações de sondas localizadas a milhões de quilômetros de distância. No andar de cima, um mezanino protegido por uma cobertura de vidro recebe diariamente visitantes e personalidades importantes que observam atentamente o trabalho dos engenheiros e cientistas espaciais.
Utilizando um carrinho de golfe é possível subir uma pequena colina no coração do campus e chegar ao Mars Yard. O espaço é uma representação cenográfica da superfície de Marte do tamanho de um campo de futebol. Tem um solo arenoso avermelhado, pedras de todos os tamanhos e um paredão com obstáculos. O espaço foi construído para oferecer um espaço de testes para os robôs enviados ao planeta vermelho. Pelo Mars Yard passaram todos os jipes que atualmente estão em Marte, em atividade ou não. O JPL também possui um gigantesco túnel de vento para testar os sistemas de paraquedas que acompanham as sondas e jipes interplanetários, um galpão para simular de forma mais controlada o ambiente de Marte e um grande laboratório chamado "sala branca", onde a construção dos robôs acontece de fato.
É no grande "salão branco" que os engenheiros do JPL juntam as peças que posteriormente dão formas aos robôs exploradores do Sistema Solar
No dia 25 de novembro, com o lançamento do Mars Science Laboratory, o maior jipe marciano já construído, todos os olhos estarão voltados para o centro de lançamentos no Cabo Canaveral, na Flórida, de onde a máquina partirá. Contudo, a fábrica de robôs da Nasa não vai parar. Além das 25 missões em atividade, a instituição trabalha no desenvolvimento de 13 missões novas missões que pretendem realizar outras proezas, como trazer uma amostra de Marte ou construir um telescópio que vai enxergar os momentos iniciais da criação do universo. Tudo graças a um bando de jovens "suicidas".
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