Há quarenta anos teve início a aventura do maior garimpo do mundo ao ar livre, que durou uma década e rendeu toneladas do precioso metal. Hoje resta uma cratera de duzentos metros de profundidade, inundada e contaminada por mercúrio
Na cidade paraense de Marabá, separada por seiscentos quilômetros de Belém, Genésio, emperiquitado em roupas domingueiras e cheio de si, comentou o assunto. Meu Deus! Notícia sobre ouro voa sem asas, e foi assim há quatro décadas, e foi assim também entre os séculos 17 e 18, nas Minas Gerais. Em poucos dias, centenas de garimpeiros já estavam demarcando suas áreas às margens do Grota Rica, pedaços de terras de seis metros quadrados, chamados de barrancos. Em um mês eram dezenas de milhares de pessoas atrás da riqueza do garimpo. E mais gente chegava porque havia ouro mesmo. Para se ter uma ideia, calcula-se que, em uma década, mais de cem mil pessoas (o ápice populacional foi em 1984) escavaram a região. Formigueiro humano que perfurou, com o passar dos anos, uma cratera de vinte e quatro mil metros quadrados. Sempre acompanhando o rio? Não. Ele foi logo abandonado…
O major Curió
Esqueça-se o rio. Os garimpeiros, no começo de 1980, subiram os cento e cinquenta metros de altitude de uma colina localizada ao lado do curso d’água, devastaram completamente as suas matas, e daí originou-se o nome Serra Pelada. Com as mãos, numa mistura de pele e terra e sangue, cavava-se. Com pás e picaretas, cavava-se. Com máquinas improvisadas e máquinas de verdade, cavava-se. À luz do Sol ou de lampiões, cavava-se. Gente empregando gente na mina, gente explorando gente na mina, gente escravizando gente na mina, sobretudo para subir, escalando com as mãos e com os pés, com sacos de terra nas costas, as desabantes paredes do grande buraco, em mambembes escadas apelidadas de “adeus mamãe” — basta o apelido para se ter noção do quanto elas eram inseguras e fatais. Quem já tinha achado um mínimo de ouro pagava para que outro garimpeiro lidasse com o mercúrio, metal líquido extremamente tóxico. Eis a receita: o mercúrio se junta ao ouro; então, mistura-se mercúrio à terra colhida, passa-se tal mistura na bateia para peneirar a terra, coloca-se a bateia ao sol, o mercúrio evapora e nela fica, se houver, o ouro.
No final de junho de 1980 um famoso personagem entrou em cena: o major Sebastião de Moura, apelidado major Curió, ex-integrante das tropas de repressão à guerrilha do Araguaia. O major foi enviado à Serra Pelada pelo então presidente João Figueiredo para colocar ordem no garimpo. Imagina! Ele proibiu travestis, mulheres e álcool. Pois bem, a trinta quilômetros de Serra Pelada, nasceu então a chamada Vila Trinta, justamente com muitas casas noturnas (que cobravam os olhos da cara), muita bebida e muita prostituição. Ironizava-se à época: “de dia é Vila Trinta, à noite é Vila Trinta e Oitão”. O major, na verdade, passou também a representar interesses dos garimpeiros e ganhou a sua simpatia, a Vila Trinta passou a se chamar Curionópolis e o militar elegeu-se deputado federal. Figueiredo indenizou a Companhia Vale do Rio Doce, que detinha os direitos da mineração, em US$ 69 milhões. Apesar das tentativas do ex-presidente Fernando Collor e do Congresso em reativar a exploração de ouro em 1992, o certo é que, já aí, a atividade despencara. Em 1986 o fotógrafo Sebastião Salgado esteve em Serra Pelada e suas fotos levaram a história do garimpo para o mundo – parte dessas imagens (algumas ilustram essa matéria) estará exposta até novembro no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo. Hoje, de Serra Pelada, resta a cratera de duzentos metros de profundidade. Nela, nada sobrevive. São duzentos metros inundados com água envenenada por mercúrio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário