O radicalismo do lulopetismo é visto atualmente como foi o comunismo nos anos que precederam o golpe militar
As elites representativas dos mais diversos setores da sociedade brasileira temem atualmente o retorno do PT ao poder, o que se daria com a vitória nas urnas do candidato Fernando Haddad, praticamente da mesma forma que se temeu, no início da década de 1960, a ascensão e a continuidade de João Goulart no comando da Nação após a renúncia de Jânio Quadros. Existe uma diferença no grau de ostensividade com que tais elites procuram exorcizar o fantasma do lulopetismo se a cotejarmos com o medo do comunismo no passado. O risco para o futuro, no entanto, é o mesmo.
Há pouco mais de meio século, figuras notáveis da sociedade civil bateram diretamente às portas dos quartéis seguindo uma perigosa tradição de nossa frágil república — ela própria nascida de um golpe militar. O desejo era derrubar João Goulart e tal ímpeto levou o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco a proferir uma das mais herméticas e indicativas frases da história do Brasil: “são as vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e causar extravagâncias ao poder militar”. Castelo Branco queria dizer, se o traduzirmos para a linguagem de fora da caserna, que empresários, banqueiros, políticos, padres e civis em geral (das classes média e alta) desejavam mesmo era rasgar a Constituição e chamar um golpe militar. Foi também nesse momento que organizou-se a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, libelo contra o comunismo, capitaneada pelas mais diversas entidades conservadoras.
Hoje, as elites, a classe média e os bem endinheirados não recorrem aos quartéis (até porque os comandos das três Armas são unânimes em garantir a incolumidade das instituições democráticas), mas espalham ao vento e nas esquinas o temor do lulopetistmo. Igualmente, espalham, em decorrência, a sensação de instabilidade e de medo, espalham a passionalidade, espalham os sentimentos de extremismo, exclusão e intolerância. Espalham, erroneamente, que a única saída política e ideológica para evitar a radicalização não fica ao centro, mas sim em outro extremo. Pois bem, encarna o papel de exorcista do lulopetismo o candidato que tem apoio de parte da caserna (entre baixos oficiais) e a simpatia de uma infinidade de seus pares que já estão de pijama (leia-se, na reserva). Ele vem plantando frases, aqui e ali, que deixam explicito o fato de que irá ampliar a representação dos militares no governo federal, caso chegue à Presidência do País. Vamos à sua patente, nome e sobrenome: é capitão e chama-se Jair Bolsonaro.
O candidato não sopra esses ventos para frente, mas vale-se deles para navegar mais à vontade – até criou polêmica sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, num claro recado: se perder o jogo, mela o resultado. Já o seu vice, general Hamilton Mourão, usa e abusa de causar arrepios à democracia. Fiquemos com três de suas explosivas falas: teríamos herdado dos negros a malandragem e dos indígenas, a preguiça; a casa que só tem mãe e avó é berço de gerar desajustados sociais (ele esqueceu que o País tem 11 milhões de lares assim, e sequer um milhão de bandidos); o Brasil carece de uma Constituição escrita tão somente por uma comissão de notáveis – vale lembrar que o conceito de “notável” é algo bastante pessoal e subjetivo.
Se a sensatez política e o caminho do saneamento da crise econômica fica no centro, como ensina a mais simples teoria sobre a democracia, é importante considerarmos que também o lulopetismo não significa a salvação do Brasil. Ok, comunismo ele não é, mas seu retorno ao Planalto traz consigo o que há de mais execrável em mandatários e em todos aqueles que lidam com a coisa pública: corrupção, patrimonialismo, aparelhamento do Estado, crescente intromissão estatal, anarquia econômica e graves riscos às garantias fundamentais – além das tentativas de indultar Lula e fazer do preso o presidente . Se o fantasma do lulopetismo, encarnado por Fernando Haddad, e o fantasma do militarismo, encarnado por Jair Bolsonaro, assombrassem um ao outro, que bom seria porque, nessa hipótese, as posições de centro triunfariam nas urnas.
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