O ambiente do “nós contra eles”, criado
por Lula, contaminou o debate político, hoje eivado de radicalismos e
pendores autoritários. O Brasil, no entanto, só resolverá suas mazelas
se trilhar o caminho do equilíbrio e da pacificação
Rudolfo Lago, Ary Filgueiras e Wilson Lima
Bethânia cantava os versos de uma canção de Edu Lobo e Gianfrancesco
Guarnieri que dizia que “um tempo de guerra” é “um tempo sem sol”. Um
tempo em que a opção pela radicalização e pelo ódio obscurece qualquer
possibilidade de bom senso e racionalidade. O período retratado pela
canção era aquele em que, no dia 25 de julho de 1966, uma bomba explodia
no Aeroporto dos Guararapes em Recife, marcando o início da opção por
parte da esquerda de combater a ditadura militar pela luta armada. Uma
opção que, já na sua estreia, demonstrava os grandes riscos de equívoco.
O alvo era o então ministro do Exército, Arthur da Costa e Silva. Mas
os que morreram foram dois inocentes: o jornalista Edson Régis de
Carvalho e o almirante reformado Nelson Gomes Fernandes. Costa e Silva
escapou do atentado e virou presidente, assinando mais tarde o AI-5, que
mergulhou o Brasil no seu pior tempo de trevas e autoritarismo. A FACA DA INTOLERÂNCIA
O presidenciável Jair Bolsonaro levou uma facada no abdômen na última
quinta-feira 6, perfurando o intestino e atingindo a democracia
brasileira, com profundos reflexos no quadro eleitoral. A intolerância
atingiu limites inimagináveis (Crédito:Divulgação)
A ditadura acabou. O país já vive 33 anos de redemocratização. Mas
alguns setores insistem em transformar as eleições de outubro em “um
tempo de guerra”. Um “tempo sem sol” que obscurece qualquer chance de
bom senso e racionalidade em algumas hordas na campanha. Um lado fala em
convocar seu “exército”. Diz que vai “incendiar” o País. O outro
promete “fuzilar” seus adversários. Simbolicamente, chuta num comício um
boneco que representa seu adversário. No meio dos dois grupos, há quem
ensaie colocar o Judiciário e o Ministério Público nas suas “caixinhas”,
fala sem corar a face em receber juízes “à bala”. Nas redes sociais, um
homem com compreensão distorcida da realidade absorve todas essas
agressões e as mistura com suas próprias convicções, inclusive
religiosas. “A mando de Deus”, como declara acreditar, pega um longo
facão de cozinha e sai ao encontro da multidão disposto a mudar a
história pelas suas próprias mãos, com violência. A vítima – um
candidato à Presidência do Brasil – segue internada. TENTATIVA DE ASSASSINATO
Carlos Bettoni teve traumatismo craniano, internado em estado grave por
vários dias, depois de ter sido agredido e empurrado pelo ex-vereador
do PT Manoel Marinho, o “Maninho”, e seu filho Leandro, contra a
carroceria de um caminhão no dia 5 de abril (Crédito:Divulgação)
A facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira em Jair Bolsonaro, na
tarde de 6 de setembro, provocou um choque na campanha presidencial. A
cena, por absurda e inaceitável, fez o País resgatar momentos da
República Velha em que a política era exercida sem apreço a valores
democráticos. Dali, degeneramos a conflitos armados entre
constitucionalistas de São Paulo e o governo Getúlio Vargas, ao Estado
Novo e desaguamos em 21 anos de trevas. No momento em que o país se
prepara para realizar a sua sétima eleição direta, depois da
redemocratização, é inadmissível o regresso a um passado maculado pela
intolerância, pelo extremismo e por pendores radicais. É hora de
serenidade e equilíbrio, sem os quais o Brasil não conseguirá se
desvencilhar de suas mazelas e da grave crise econômica legada por 13 de
PT no poder. Para a tristeza dos que querem trilhar o caminho da
pacificação, paira no ar um perigoso ranço autoritário – como pôde ser
claramente observado em episódios como a execução da vereadora Marielle
Franco (PSOL), em março deste ano, os tiros contra a caravana do PT, no
mesmo mês, e, agora, em meio às reações ao atentado à faca a Bolsonaro.
No primeiro momento, mais por estratégia política do que por impulso
solidário, todos os demais candidatos repudiaram o ato. Muitos
interpretaram que o episódio poderia ser um ponto de inflexão na
escalada de violência política e maniqueísmo que assola o Pais pelo
menos desde 2013, após as manifestações de protesto contra a corrupção
durante a Copa das Confederações. Passado o choque inicial, porém,
algumas atitudes demonstram que, infelizmente, a lição pode não ter sido
aprendida. O vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, elevou o tom:
“Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”.
Uma ex-presidente da República, Dilma Rousseff, expôs o que na verdade o
PT – o grande responsável por desencadear o clima de “nós contra eles” –
pensa intramuros. “O ódio, quando se planta, colhe tempestade” afirmou,
quase como quem justificasse o agressor. Tão logo recobrou os sentidos,
Bolsonaro posou para foto repetindo o gesto com as mãos que simula uma
arma de fogo.
O presidente do PSL e coordenador da campanha de Bolsonaro, Gustavo
Bebbiano, reconhece publicamente que, neste momento, não há clima para
“cessar fogo”. Declarou à ISTOÉ que trégua só será possível após a
“derrota total da esquerda”. “Quem gera discurso de ódio há 20 anos no
Brasil ou mais é o PT, o PSOL… Nós estamos dispostos a nos confrontar
com o mal. O mal silencioso que tomou conta do Brasil. Quem gera
discurso de ódio é a esquerda instalada no país que gera divisão entre
as pessoas, entre brancos e negros, ricos e pobres, patrões e empregados
e por aí vai”, destacou Bebbiano.
No PDT de Ciro Gomes, o presidente do partido, Carlos Lupi, até defende a
necessidade de distensão. O problema é garantir que o discurso do ódio
não comece pelo próprio Ciro. O candidato do PDT já disse que, caso
batesse à sua porta, receberia “a turma do juiz Sérgio Moro”, que
coordena a Operação Lava Jato, “à bala”. Em outro momento, afirmou que,
se eleito, colocaria o Poder Judiciário e o Ministério Público “na sua
caixinha”. Por mais que tente, o temperamento de Ciro não é exatamente
sinônimo de tranquilidade, bom senso e racionalidade. Nesta semana,
respondeu a Mourão, vice do candidato do PSL: “Vem, general, ser jumento
de carga”.
O risco de que o ódio não se dissipe é enorme. E pode não serenar nem
mesmo em um próximo governo, a depender do cenário. O analista político
Leopoldo Vieira, executivo da agência de análise e estratégia política
Idealpolitik, chama essa hipótese de “governo enxaqueca”, uma situação
que provocaria nos derrotados um efeito semelhante às consequências
desagradáveis após uma grande embriaguez. “As eleições projetam uma
disputa muito apertada no segundo turno.
Especialmente se o segundo turno vier a ser entre Bolsonaro e
Fernando Haddad (PT), haverá uma grande chance de a parte derrotada não
se conformar com o resultado. E a parte vencedora se sentirá legitimada
pelo voto. O resultado das ações e reações a partir daí podem ser
imprevisíveis”, avalia ele.
O elemento gerador do clima tenso das eleições reside no fato de que o
estopim da insatisfação brasileira é a sua contrariedade com a
corrupção e os desmandos na política. O brasileiro se mostra cansado de
pagar impostos escorchantes e ver como contrapartida na sua vida somente
a eclosão de escândalos. Acima de qualquer disputa, o importante é
lembrar que o país não vive um “tempo de guerra”. As eleições são o meio
pacífico que a democracia encontrou de resolver as suas questões mais
prementes. Elas não podem ser “um tempo sem sol”. O debate democrático
precisa de luz. Quanto mais, melhor.
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