O ambiente do “nós contra eles”, criado por Lula, contaminou o debate político, hoje eivado de radicalismos e pendores autoritários. O Brasil, no entanto, só resolverá suas mazelas se trilhar o caminho do equilíbrio e da pacificação
A ditadura acabou. O país já vive 33 anos de redemocratização. Mas alguns setores insistem em transformar as eleições de outubro em “um tempo de guerra”. Um “tempo sem sol” que obscurece qualquer chance de bom senso e racionalidade em algumas hordas na campanha. Um lado fala em convocar seu “exército”. Diz que vai “incendiar” o País. O outro promete “fuzilar” seus adversários. Simbolicamente, chuta num comício um boneco que representa seu adversário. No meio dos dois grupos, há quem ensaie colocar o Judiciário e o Ministério Público nas suas “caixinhas”, fala sem corar a face em receber juízes “à bala”. Nas redes sociais, um homem com compreensão distorcida da realidade absorve todas essas agressões e as mistura com suas próprias convicções, inclusive religiosas. “A mando de Deus”, como declara acreditar, pega um longo facão de cozinha e sai ao encontro da multidão disposto a mudar a história pelas suas próprias mãos, com violência. A vítima – um candidato à Presidência do Brasil – segue internada.
A facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira em Jair Bolsonaro, na tarde de 6 de setembro, provocou um choque na campanha presidencial. A cena, por absurda e inaceitável, fez o País resgatar momentos da República Velha em que a política era exercida sem apreço a valores democráticos. Dali, degeneramos a conflitos armados entre constitucionalistas de São Paulo e o governo Getúlio Vargas, ao Estado Novo e desaguamos em 21 anos de trevas. No momento em que o país se prepara para realizar a sua sétima eleição direta, depois da redemocratização, é inadmissível o regresso a um passado maculado pela intolerância, pelo extremismo e por pendores radicais. É hora de serenidade e equilíbrio, sem os quais o Brasil não conseguirá se desvencilhar de suas mazelas e da grave crise econômica legada por 13 de PT no poder. Para a tristeza dos que querem trilhar o caminho da pacificação, paira no ar um perigoso ranço autoritário – como pôde ser claramente observado em episódios como a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL), em março deste ano, os tiros contra a caravana do PT, no mesmo mês, e, agora, em meio às reações ao atentado à faca a Bolsonaro.
O presidente do PSL e coordenador da campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebbiano, reconhece publicamente que, neste momento, não há clima para “cessar fogo”. Declarou à ISTOÉ que trégua só será possível após a “derrota total da esquerda”. “Quem gera discurso de ódio há 20 anos no Brasil ou mais é o PT, o PSOL… Nós estamos dispostos a nos confrontar com o mal. O mal silencioso que tomou conta do Brasil. Quem gera discurso de ódio é a esquerda instalada no país que gera divisão entre as pessoas, entre brancos e negros, ricos e pobres, patrões e empregados e por aí vai”, destacou Bebbiano.
No PDT de Ciro Gomes, o presidente do partido, Carlos Lupi, até defende a necessidade de distensão. O problema é garantir que o discurso do ódio não comece pelo próprio Ciro. O candidato do PDT já disse que, caso batesse à sua porta, receberia “a turma do juiz Sérgio Moro”, que coordena a Operação Lava Jato, “à bala”. Em outro momento, afirmou que, se eleito, colocaria o Poder Judiciário e o Ministério Público “na sua caixinha”. Por mais que tente, o temperamento de Ciro não é exatamente sinônimo de tranquilidade, bom senso e racionalidade. Nesta semana, respondeu a Mourão, vice do candidato do PSL: “Vem, general, ser jumento de carga”.
O risco de que o ódio não se dissipe é enorme. E pode não serenar nem mesmo em um próximo governo, a depender do cenário. O analista político Leopoldo Vieira, executivo da agência de análise e estratégia política Idealpolitik, chama essa hipótese de “governo enxaqueca”, uma situação que provocaria nos derrotados um efeito semelhante às consequências desagradáveis após uma grande embriaguez. “As eleições projetam uma disputa muito apertada no segundo turno.
O elemento gerador do clima tenso das eleições reside no fato de que o estopim da insatisfação brasileira é a sua contrariedade com a corrupção e os desmandos na política. O brasileiro se mostra cansado de pagar impostos escorchantes e ver como contrapartida na sua vida somente a eclosão de escândalos. Acima de qualquer disputa, o importante é lembrar que o país não vive um “tempo de guerra”. As eleições são o meio pacífico que a democracia encontrou de resolver as suas questões mais prementes. Elas não podem ser “um tempo sem sol”. O debate democrático precisa de luz. Quanto mais, melhor.
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