Incentivadas pelo testemunho de Isabel Dias,
que se relacionou com mais de trinta homens para vingar anos de
infidelidade no casamento, mulheres partilham histórias de espanto, dor e
recomeço
Débora Crivellaro (debora@istoe.com.br)
Cena 1: Da
janela de sua equipada cozinha, a senhora loira, magra e elegante
consegue vislumbrar toda a cidade. Com os três filhos criados e casada
há quase trinta anos, Isabel Dias leva uma vida tranquila. Mora num
apartamento um por andar de 280 metros quadrados em Jundiaí, no interior
paulista. Administradora de empresas, parou de trabalhar há algum
tempo. Preenche seus dias entre o clube, o dermatologista e o
cabeleireiro, acompanhada do seu fiel círculo de amigos. O maior sonho?
Aproveitar a velhice caminhando na praia com o marido, companheiro da
pizza de sexta-feira, do almoço de domingo e das freqüentes viagens.
CORAGEM
Com o apoio dos três filhos, Isabel está confortável em partilhar suas
aventuras sexuais: 'Eu não podia me esconder embaixo da cama'
Cena 2 (aproximadamente um ano depois):
Estela Andrade caminha apressada pelas ruas do Pacaembu, bairro nobre de
São Paulo, com um vestido leve, sapato baixo e sem calcinha. Vai
encontrar “Marcos, o Selvagem”, 40 anos, sócio de um grande escritório
de advocacia. É a segunda vez que se veem e o objetivo, nessa ocasião, é
fazer sexo na mesa do escritório, correndo o risco de serem
surpreendidos. Loira 1,68 m, 55 kg, 48 anos, nível superior,
interessante, divertida. Assim Estela se apresenta em sites de
relacionamentos para encontrar parceiros. Apenas a idade não é
verdadeira – a bela senhora já passou dos 50 há algum tempo. Munida de
um bem construido perfil em uma rede social, coleciona aventuras
amorosas. Homens casados, divorciados, solteiros. Profissionais
liberais, empresários, professores. Jovens, mais velhos, gordos, magros,
divertidos, calados, sedutores, brutos. O importante é se divertir e
chegar ao número: 32.

“Não há no céu fúria comparável ao amor
transformado em ódio, nem há no inferno ferocidade como a de uma mulher
desprezada”. A frase pinçada da obra do poeta e dramaturgo inglês
William Congreve (1670-1729) ajuda a explicar como a plácida Isabel Dias
se transformou no vulcão Estela Andrade. Uma ligação anônima a informou
que o marido tinha um caso. A dona de casa tentou relevar a
infidelidade, reconfortada que estava nas três décadas de casamento
estável. Mas nunca mais conseguiu dormir de olhos fechados. E, com um
pouco de apuração, descobriu que o pai de seus filhos mantinha quatro
amantes. Quatro anos depois de ter descoberto a primeira infidelidade, a
administradora, ruidosamente, decidiu se separar. Do marido, da
família, da cidade, do círculo social, do conforto financeiro. Mudou-se
para São Paulo e, após meses de intensa dor, se aventurou nos sites de
relacionamento. “Eu não podia me esconder embaixo da cama”, diz. Isabel
não sabe em que momento seu projeto de vingança entrou em ação: iria se
relacionar com 32 homens, um para cada ano de casamento. Justamente ela,
que até se separar só tinha feito sexo com o marido.

Lá pelo quarto parceiro sexual a revanche
da administradora paulista foi arrefecendo e dando lugar à adrenalina
pelo próximo encontro. Findo o “Projeto 32”, cerca de um ano depois,
Isabel já não precisava mais de Estela. “Todas as experiências que tive
para viver eu vivi”, afirma, convicta. Sua autoestima havia sido
reconquistada e a vida de dona de casa no interior era apenas uma
lembrança que ela não queria resgatar. Como sempre teve o hábito de
escrever, registrou suas aventuras sexuais num diário, que depois se
transformou num blog. Não demorou para que sua história se transformasse
em livro e, mais do isso, estimulasse outras mulheres a expurgar a dor
da traição – ela já recebeu dezenas de testemunhos em sua página. “32,
um homem para cada ano que passei com você” (Ed. Boa Prosa) foi lançado
com quatro capas, com previsão de mais 28. Nelas, uma mulher nua ajeita o
cabelo em frente ao espelho do banheiro, numa explícita inspiração da
famosa foto de Simone de Beauvoir, tirada no banheiro de seu amante,
Nelson Algren, em 1950, por um amigo dele, o fotógrafo Art Shay. As
modelos da capa, todas com mais de 40 anos, também foram traídas por
seus companheiros. Algumas, como Isabel, tentaram revidar. Outras ainda
se debatem em intenso sofrimento, acuadas entre a dúvida e a
incredulidade (leia alguns depoimentos ao longo dessas páginas). O fato é
que o gesto incomum, acompanhado da corajosa exposição, tem feito da
administradora paulista uma fonte de estímulo para muitas mulheres, num
país em que o machismo e o preconceito com as pessoas mais velhas ainda
reinam. “Minha história não precisa ser exemplo para ninguém, mas me
sinto muito mais senhora do meu corpo e do meu desejo hoje”, diz ela,
que tem feito palestras motivacionais para grupos de terceira idade,
principalmente mulheres, e já rascunha um segundo livro, que deve
navegar nas águas da auto-ajuda.
Cada mulher traída reage de uma forma,
dependendo de uma série de variáveis. Mas a resposta de Isabel à
infidelidade do marido foi muito incomum, principalmente por sua idade e
histórico pessoal. “O tamanho da frustração reverte no tamanho da
reação. Quanto mais envolvida você está com alguém, maior o sofrimento.
Ela se sentiu ferida de morte e teve uma atitude que muitas mulheres
pensam em ter, mas se contêm”, afirma a professora Carmita Abdo,
coordenadora do Programa de Estudos de Sexualidade da Universidade de
São Paulo. Segundo a psicóloga clínica Ana Cristina Costa Figueiredo,
autora de tese de mestrado sobre o assunto, descoberta a traição, há
mulheres que paralisam, outras deprimem, há aquelas que cultivam o
desejo de vingança e até quem desenvolva transtorno pós-traumático. “A
infidelidade é um processo de elaboração do luto”, diz Ana Cristina, que
teve uma paciente que tentou o suicídio algumas vezes após a desilusão.

Estudiosos do tema afirmam que a maioria
das mulheres pressente que está sendo traída. Foi o que aconteceu com a
designer S.M, 44 anos. Ao longo de um ano de namoro ela colecionou
indícios de que havia algo errado na relação. Até que, com a ajuda das
redes sociais, encontrou outras moças que também eram namoradas do seu
parceiro. Sua revolta teve destino certo: ela terminou com o ex, assim
como as outras, e, numa doce vingança, se tornou amiga delas. “A gente
percebe que a pessoa traída sente culpa e vergonha. Por isso a
importância das mulheres conhecerem outras histórias”, diz Ana Cristina.
Após a infidelidade, a mulher precisa agir
para se reconstruir, afirmam os especialistas. As expectativas no
sucesso do relacionamento e a frustração com o seu fim muitas vezes
abrupto fazem com que todas as esferas da vida sejam contaminadas.
Elaborar um plano de vingança e partilhar sua história foi catártico
para Isabel, que tem orgulho de mostrar nome, sobrenome e rosto nestas
páginas. Mas Ana Maria Fonseca Zampieri, terapeuta de casais e autora do
livro “Erotismo, sexualidade, casamento e infidelidade” (Ed. Summus),
lembra que a vida é mais profunda do que uma reação ao que o outro fez.
“A infidelidade no casal não é culpa de um só”, diz.

Confortável na nova persona que foi
obrigada a construir após a demolição de 32 anos de uma vida que julgava
segura e estável, Isabel Dias se tornou uma mulher cheia de certezas.
Uma delas é a de que todo mundo já foi traído. “O que eu, você e Jesus
temos em comum? Nós fomos traídos, os três. E o resto do mundo, os que
sabem, os que ainda não descobriram e os que procuram não ver”. Outra é
que adora a solidão e sua própria companhia. E a terceira é que não é
todo mundo que teve sua sorte. “Quanta gente não tem medo de fazer o que
eu fiz?” Respostas para o blog trintaedois.com.br...
Fotos: João Castellano/Ag. Istoé