Milícias e traficantes controlam os 64 conjuntos habitacionais do Rio e governo federal busca alternativas para o problema antes de construir novos condomínios
Helena Borges (helenaborges@istoe.com.br)
"Achávamos que
tínhamos ficado livres de um sistema criminoso, mas estamos assistindo à
reorganização das mesmas práticas violentas de antes”, denuncia à ISTOÉ
uma contemplada pelo Programa Minha Casa, Minha Vida no Rio de Janeiro.
A moradora pediu sigilo de identidade e não é difícil entender o
motivo. Todos os 64 conjuntos habitacionais do programa federal
implantados na cidade vivem sob domínio de organizações criminosas. A
carioca que não quer se identificar faz parte de uma das 85 famílias
transferidas da favela da Indiana, na zona norte da cidade, para o
conjunto Bairro Carioca, em Triagem, a 24 quilômetros de distância.
Segundo denunciam os moradores, ali quem manda é a milícia, mas
inquéritos policiais mostram que o tráfico tem sua parcela de poder
entre os conjuntos construídos no município. Também há registros de
denúncias de violência nos empreendimentos do programa em outros 16
estados.

DESCASO
Nas duas fotos, o Condomínio Guadalupe, no Rio, que está tomado por criminosos.
Acima, invasores fazem uma corrente. Abaixo, flagra de bandido com arma

Diferentemente de outras cidades, no Rio
mais da metade dos moradores do Minha Casa Minha Vida chega aos
apartamentos por ordem de remoção e não por financiamento. O resultado é
o perigoso encontro de grupos oriundos de territórios dominados por
facções rivais. No Conjunto Residencial Haroldo de Andrade I, na zona
norte, por exemplo, 80 famílias foram expulsas sob ordem de Celso
Pinheiro Pimenta, o Playboy, um dos criminosos mais procurados pela
polícia carioca. As pessoas expulsas vinham justamente de uma favela
comandada por adversários do traficante. Em outubro do ano passado, ele
enviou mensagem de voz a seus oponentes informando que os que mudaram de
lado e se juntaram aos seus capangas ganharam apartamentos. A realidade
é muito parecida no condomínio Valdoriosa, em Queimados, região
metropolitana fluminense. Em entrevistas realizadas pelo Instituto de
Estudos de Trabalho e Sociedade, 50% dos moradores admitiram ter visto
pessoas armadas circulando pelo local.
A Secretaria Estadual de Segurança informa
que está realizando investigações sigilosas, mas que prendeu em
flagrante três pessoas em dois condomínios diferentes entre os dias 8 e
10 deste mês, todas por tráfico de drogas. Mais operações e prisões
estão por vir, anuncia o órgão. No entanto, segundo Sergio Magalhães,
presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, o problema não é apenas
de polícia. “Não se resolve a questão da habitação somente com o
fornecimento de moradia. Desse modo se desestrutura as cidades e se
impõe uma vida em guetos. Precisamos olhar para as experiências
anteriores e reinventar o programa, criando uma política urbana.”

A funcionária pública Maria do Socorro, 49
anos, 35 deles vividos na favela Indiana, vem lutando para não ser
transferida para uma residência do projeto. “Quem se mudou, se
arrepende. As pessoas estão desesperadas porque pagam todos os impostos
que antes não pagavam e mesmo assim têm problemas. Os milicianos estão
ocupando os apartamentos”, diz. Após criar uma força-tarefa
interministerial para gerenciar a crise, em abril do ano passado, o
governo federal agora reúne especialistas em políticas públicas para
montar um diagnóstico de segurança a ser elaborado antes da construção
dos próximos condomínios. Pedro Strozenberg, um dos estudiosos
convidados e secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião,
diz que a intenção é criar um diálogo entre municípios, estados e União
porque sem essa sintonia, estarão sendo construídos condomínios
vulneráveis e violentos. “É um desafio enorme, mas é também o único
caminho para conquistarmos cidades mais seguras.”
Foto: Fabiano Rocha / Extra
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