Delegados e procuradores da operação Lava Jato concluem que os partidos foram usados como lavanderias do esquema de corrupção instalado na Petrobras e farão uma devassa na prestação de contas da campanha eleitoral
Claudio Dantas Sequeira, de Curitiba (PR) e Mário Simas Filho
Não é novidade
que recursos públicos surrupiados por intermédio de obras
superfaturadas, empresas de fachada e outras modalidades de corrupção
acabem abastecendo o chamado caixa 2 das campanhas políticas. Essa é uma
prática condenável e recorrente no Brasil. Agora, o que a Operação Lava
Jato descobriu é que PT, PMDB, PP e PTB usaram a contabilidade oficial,
o caixa 1 das campanhas eleitorais, para receber milhões de reais
desviados da Petrobras. Para chegar a essa conclusão, os delegados e
procuradores que participam das investigações tomaram conhecimento de
centenas de movimentações bancárias no Brasil e no exterior, analisaram
documentos que veem sendo apreendidos desde março e ouviram os
depoimentos de empreiteiros, ex-diretores e ex-funcionários da estatal.

Os operadores Fernando Soares, Vaccari Neto e Youssef (da esq. para a dir.):
os interlocutores dos partidos aliados junto aos empreteiros
“Estamos diante de um crime gravíssimo, que
transforma os partidos políticos em autênticas lavanderias de dinheiro
ilegal”, disse à ISTOÉ, na tarde da terça-feira 18, uma das autoridades
com acesso a toda investigação. “A situação (investigação) coloca em
xeque inclusive as doações eleitorais legalmente registradas, que podem
indicar uma forma estruturada de lavagem de dinheiro”, atesta um
relatório analítico da Polícia Federal, elaborado pela Delegacia de
Repressão a Crimes Financeiros ao qual ISTOÉ teve acesso. Com essa
descoberta, a Operação Lava Jato irá abrir mais uma frente de
investigação e promover uma devassa nos cofres dos partidos envolvidos. É
essa futura investigação a responsável por elevar às alturas a
temperatura no Palácio do Planalto e no comando dos partidos aliados na
última semana.

A força-tarefa montada pela Lava Jato tem
como fazer uma apuração nas contas de campanhas muito mais aprofundada
do que rotineiramente é feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. De
acordo com os delegados e procuradores, a estratégia de usar o cofre
oficial dos partidos para colocar nas campanhas o dinheiro desviado de
estatais teve início depois de revelado o escândalo do mensalão e ganhou
força nas disputas eleitorais de 2010 e 2014. Os relatos feitos por
diretores de empreiteiras presos na semana passada indicaram que as
doações para as campanhas eram feitas diretamente pelos tesoureiros ou
operadores dos partidos, que tinham acesso ao doleiro Alberto Youssef e a
contas mantidas no exterior, particularmente na Suíça e na Holanda. Os
recursos eram sempre remetidos às legendas e nunca para candidatos
pré-estabelecidos. Dessa forma fica mais difícil o rastreamento desse
dinheiro. Às empreiteiras apenas era informado o valor que deveriam
declarar como doação oficial a ser registrada no TSE. “O dinheiro do
sobrepreço pago pela Petrobras já estava depositado em contas indicadas
pelos operadores dos partidos e não tínhamos acesso a esses recursos.
Eles apenas diziam quanto teríamos que declarar à Justiça Eleitoral”,
disse aos delegados o diretor da divisão de engenharia da Galvão
Engenharia, Erton Medeiros Fonseca, na tarde da segunda-feira 17.
Discurso semelhante foi feito por Idelfonso Colares Filho, ex-diretor da
Queiroz Galvão. No mesmo dia, Othon Zanoide de Morais, diretor da Vital
Engenharia – empresa do grupo Queiroz Galvão –, repetiu a versão
apresentada por Fonseca e Medeiros. Os três também confirmaram doações
feitas para o PT, PMDB e PP, através de João Vaccari Neto, o tesoureiro
petista; Fernando Soares, que falava em nome do PMDB, e Youseff, que
depois da morte do deputado José Janene passou a atuar pelo PP. Sobre o
PTB, dois delegados afirmaram à ISTOÉ que a operação é semelhante, mas
os nomes denunciados ainda são mantidos sob sigilo. Na quarta-feira 19,
Ricardo Ribeiro Pessoa, presidente da UTC, também admitiu ter assumido o
repasse oficial de recursos para PMDB, PP e PT.

Os depoimentos colhidos na última semana
reforçam, segundo a PF, o que já fora dito em delação premiada pelo
ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e descrito em um relatório
de análise da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado a
respeito das investigações promovidas sobre empresas do grupo OAS e suas
relações com o doleiro Alberto Youssef. “A empresa abriga em seus
quadros funcionários envolvidos com o desvio de recursos para
enriquecimento ilícito próprio e pagamento de despesas com campanhas
eleitorais de partidos políticos”, diz o documento. Há, ainda,
documentos apreendidos pela Operação Lava Jato que, segundo os
relatórios produzidos pela Polícia Federal, confirmam o uso do dinheiro
desviado da Petrobras para alimentar o caixa oficial das campanhas. Na
casa de Costa, a Polícia apreendeu uma agenda contendo uma planilha que
relaciona o nome de empreiteiras, o contato dentro da empresa e, em uma
terceira coluna, a situação da empresa. No relatório redigido pela
Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, que investigou a agenda do
ex-diretor da Petrobras, os delegados concluem que: “Embora não seja
possível precisar a qual campanha se refira o documento, é possível
estabelecer que o grupo atuasse também ocultando repasse de valores por
meio de doações legais de campanha”. Essa semana, parte dos policiais
envolvidos na Operação começaram a fazer o confronto de rastreamentos
bancários recebidos do exterior com as doações oficiais feitas para as
campanhas políticas. É muito dinheiro para ser seguido (leia quadro na
pág. 37). Desde o início da Operação, a PF e o Ministério Público têm
monitorado as doações feitas por Camargo Corrêa, UTC e Mendes Júnior,
dentre outras.

Se a devassa a ser promovida nos cofres
partidários confirmarem as conclusões a que já chegaram os delegados e
procuradores que comandam a Operação Lava Jato, legendas gigantes como
PT e PMDB poderão, dentre outras coisas, perder o acesso aos milionários
recursos do Fundo Partidário. Mais que isso, se as investigações forem
concluídas até o fim do ano – o que delegados e procuradores consideram
praticamente impossível – não se pode descartar a possibilidade de o TSE
vir a impedir a diplomação da presidente reeleita. Por essa razão, o
Palácio do Planalto não esconde a insatisfação com o ministro Dias
Toffoli, presidente do TSE. Os principais líderes petistas sustentam que
Toffoli nada fez para impedir que as contas da campanha da presidente
Dilma Rousseff fossem examinadas pelo ministro Gilmar Mendes, tido como
desafeto do PT.

O receio fez com que o Planalto estimulasse
o Ministério Público Eleitoral para questionar a permanência de Mendes
na fiscalização das finanças eleitorais do PT. A movimentação no TSE que
tanto preocupa o Planalto teve início na quinta-feira 13, com o fim do
mandato do ministro Henrique Neves. Era ele o relator do processo sobre
as contas da campanha de Dilma Rousseff deste ano, mas deixou a Corte
antes de iniciar a análise do caso. No mesmo dia, houve um novo sorteio
de relator e Gilmar Mendes assumiu o processo. Horas depois de assumir
como relator, o ministro determinou que sua assessoria examinasse as
contas apresentadas pela campanha. A disposição de Mendes inicia uma
nova fase da Justiça Eleitoral. Em anos anteriores, as contas dos
candidatos eleitos eram analisadas por amostragem e em tempo curto
demais, que duravam, no máximo, uma semana.

Emissário do PP Othon Zanoide, da Vital Engenharia, disse
que Youssef passou a operar em nome do partido depois
da morte do deputado Janene
Pela lei, as contas devem ser analisadas
até o dia 17 de dezembro do ano da eleição. Se irregularidades graves
forem encontradas, os ministros podem impedir a diplomação do eleito no
dia 18. Segundo técnicos da Corte ouvidos por ISTOÉ, tradicionalmente a
análise da prestação de contas da campanha presidencial é feita tão
rapidamente que inviabiliza a consolidação de provas sobre
irregularidades que venham a ser encontradas. Em 2010, apesar do prazo
curto, os técnicos detectaram irregularidades na prestação de contas da
então candidata eleita Dilma Rousseff, como empresas doadoras abertas no
ano eleitoral e pessoas físicas doando acima do limite permitido. Na
época, o ministro Marco Aurélio Mello ressaltou a falta de tempo para
analisar as notas fiscais da campanha e sugeriu o adiamento da votação
sobre as contas. Os ministros alegaram que poderia ocorrer instabilidade
jurídica e decidiram aprová-las, apesar das ressalvas sobre as
irregularidades. Agora, o temor dos petistas é que Mendes faça uma
parceria com os delegados e procuradores da Operação Lava Jato e possa,
assim, rapidamente esquadrinhar as entranhas da contabilidade eleitoral
do partido. Na quinta-feira 20, o ministro pediu ajuda de técnicos do
TCU, da Receita Federal e do Banco Central para analisar as contas de
campanha de Dilma.

Este ano, Gilmar Mendes pretende evitar que
a votação ocorra sem tempo para a devida análise pelos ministros do
teor das prestações de contas. Por isso, colocou a própria equipe do
gabinete para analisar quem são os doadores da campanha da presidente.
De acordo com técnicos, a orientação do ministro é para que qualquer
irregularidade seja detalhada e comprovada em pareceres consistentes,
distribuídos aos ministros dias antes da votação em plenário. O ministro
já admitiu que sua equipe vai se debruçar especialmente nas doações
realizadas por empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, que
abasteceram as campanhas eleitorais. As empresas investigadas doaram R$
60,4 milhões aos candidatos presidenciáveis na última eleição, sendo que
R$ 47,8 milhões foram entregues para a campanha de Dilma. A arrecadação
da campanha da petista registra ainda que 20% do total recebido partiu
diretamente das empreiteiras OAS e UTC Engenharia, que doaram R$ 20
milhões e R$ 5 milhões, respectivamente, e cujos dirigentes que
autorizaram os repasses estão na cadeia. Independentemente de qualquer
parceria com a Operação Lava Jato, a equipe de Gilmar Mendes se dedica a
levantar os números das doações e os detalhes dos contratos que essas
empresas ainda mantêm com o governo. Somente neste ano, R$ 2,3 bilhões
estão previstos para serem repassados a essas construtoras. Em
contrapartida, as doações realizadas pelas nove empresas investigadas
somaram mais de R$ 218 milhões somente nesta eleição.


Presidente do clube Pessoa, da UTC, se apresentava como líder
do cartel das empreiteiras e diz ter contribuído para PMDB, PT e PP
Fotos: Montagem sobre fotos, Adriano Machado/Istoé, Márcia Foletto/Agência O Globo; MARCOS BEZERRA/FUTURA PRESS
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