Em um ano e meio, o segmento deixou de ser autossuficiente e passou a depender de medidas paliativas do governo federal para fechar as contas
AE
O problema começou com as distribuidoras, mas já ameaça geradores,
comercializadores e grandes consumidores que não têm conseguido pagar a
conta de luz por causa da alta dos preços no mercado à vista, também
chamado de PLD. Até agora o cliente residencial foi poupado, mas, a
partir de 2015, pagará boa parte da fatura gerada pela crise atual -
iniciada em 2012 com a decisão do governo federal de antecipar a
renovação das concessões das hidrelétricas.
Na época, as estatais estaduais Cesp, Cemig e Copel não aceitaram a
proposta de renovação oferecida pela presidente Dilma Rousseff. Sem a
adesão do total das empresas, as distribuidoras perderam parte dos
contratos de suprimento e tiveram de recorrer ao mercado à vista para
atender 100% de seu mercado.
Numa situação normal, de chuvas dentro da média histórica, a falta
de contratos não causaria estragos tão grandes como o atual, pois os
preços estariam abaixo de R$ 100 o megawatt hora (MWh) - em 2012, estava
em R$ 12 o MWh.
Mas a hidrologia não conseguiu recuperar o nível dos reservatórios e
o preço do mercado à vista alcançou o valor máximo de R$ 822 o MWh. A
conta das distribuidoras atingiu cifras bilionárias e obrigou o governo a
entrar em campo para evitar uma quebradeira do setor.
"Este mecanismo de PLD é um vetor de destruição de valor na
economia. Quem estiver indexado ao preço do mercado à vista e exposto,
quebra", afirma o professor da UFRJ, Nivalde Castro.
Desde o ano passado, o Tesouro já colocou dinheiro nas
distribuidoras e negociou um empréstimo de R$ 11,2 bilhões com bancos
públicos e privados para que as empresas honrassem o pagamento da compra
de energia no mercado à vista. O dinheiro foi suficiente para cobrir as
operações até abril.
Sem dinheiro
A liquidação de maio foi adiada para 30 de julho porque as
distribuidoras não têm mais dinheiro para quitar a fatura de R$ 1,3
bilhão na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE),
responsável pela liquidação financeira das operações de compra e venda
de energia no País. Um novo empréstimo deverá ser feito para evitar a
inadimplência das concessionárias.
Se elas não pagarem, todos os outros integrantes da CCEE terão de
dividir o valor entre si, o que aumenta o risco de outras empresas terem
problemas financeiros. Segundo dados da consultoria PSR, somando os
valores de 2013 e 2014, a conta chegará a R$ 56 bilhões - montante duas
vezes maior que o volume gasto para a organização da Copa do Mundo.
Para piorar a situação, desde o mês passado as geradoras passaram a
conviver com a sombra do PLD elevado. O problema surgiu com a redução
do consumo de energia e manutenção da geração termoelétrica nos últimos
meses.
Na prática, isso significou menos geração das hidrelétricas, que
entregaram quantidade inferior ao previsto nos contratos. Como no caso
das distribuidoras, as geradoras também tiveram de recorrer ao mercado à
vista para comprar a energia que não produziram.
Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Produtores
Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Vianna, o rombo
na conta dos geradores pode chegar aos R$ 20 bilhões - número que ainda
está sendo auditado.
Embora sejam casos parecidos, o governo afirma que esse prejuízo é
um risco das geradoras e não pode adotar medidas como as que foram
tomadas para as distribuidoras.
"O risco hidrológico de fato é um risco do negócio. Mas o que é
risco hidrológico? O fato de as térmicas serem despachadas fora das
regras do modelo (fora da ordem de preços) é um risco do gerador?",
questiona Vianna.
Geradoras
Segundo ele, um estudo está sendo elaborado para fazer um
diagnóstico preciso e discutir a situação com o governo. Ele explica que
o problema é geral, mas afeta as geradoras de forma diferenciada.
Para tumultuar ainda mais o setor, a Santo Antônio Energia (dona da
Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira) entrou na Justiça para
suspender o pagamento da liquidação de maio na CCEE.
Com as obras atrasadas, a empresa não teve como cumprir o contrato
firmado com seus clientes e ficou exposta ao mercado à vista. Em abril, a
conta da geradora ficou em R$ 400 milhões.
"Era credor e só recebi 50% do valor. Estamos muito inseguro com
todo esse imbróglio jurídico", afirma Marcelo Parodi, da Compass
Energia. Com a forte atuação do governo federal e sem considerar os
valores que estão amparados por liminar, a inadimplência na CCEE tem
sido baixa.
Em maio foi 3,27% e, em abril, 4,08%. Ainda assim, todos os meses,
alguns milhões de reais (R$ 196 milhões em abril e R$ 117 milhões em
maio) não pagos por alguns consumidores estão sendo divididos por todos
os integrantes da CCEE.
Mercado
No mercado, a dúvida é até onde o governo vai conseguir segurar a
situação do setor elétrico. "Hoje o setor não é mais autossuficiente
porque os contratos estão indexados a um preço não realista, que não
reflete o mercado de compra e venda", avalia Nivalde Castro, professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Até o início do mês, oito empresas haviam sido desligadas da Câmara
de Comercialização por falta de pagamento. Em 2013, foram 19. Muitas
pararam de produzir por falta de energia, como o caso da fábrica da
Italmagnésio Nordeste, instalada na cidade de Várzea da Palma (MG). As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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