7 de abr. de 2009

Hora de consolidar poder civil na área da Defesa


Lula quer resolver de vez divergências entre militares e organizações de direitos humanos. Quem criar problemas deverá ser escanteado
Luiz Carlos Azedo Da equipe do Correio
O ministro Nelson Jobim tem a ordem de não tolerar insubordinações em relação à abertura dos arquivos e à recuperação de documentos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai aproveitar o excelente relacionamento com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o novo patamar alcançado pelo Brasil no plano internacional, para consolidar o Ministério da Defesa como poder civil, ao qual estarão subordinados os comandos militares. Considera muito importante para o Brasil, que tem ambições em relação a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, demonstrar ao mundo que os militares brasileiros hoje são profissionais comprometidos com a democracia, que aceitam o mando político dos civis e estão em condições de cumprir missões de paz em qualquer lugar. Recentemente, Jobim ganhou de Lula o poder de estabelecer novas regras para as cerimônias e ritos militares, inclusive uma insígnia própria para o uniforme de ministro da Defesa, o que é muito simbólico.
Para isso, Lula decidiu com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que quem criar problemas em relação à implantação da Estratégia Nacional de Defesa será escanteado, com perda de comandos e de promoções. Por exemplo, não vai tolerar insubordinações em relação às normas que estão sendo elaboradas pela Presidência da República para abertura dos arquivos secretos e recuperação dos documentos sobre a atuação dos órgãos de repressão, bem como a apuração dos casos dos desaparecidos. No Ministério da Defesa, sob orientação direta de Jobim, está sendo feito um levantamento da atuação dos órgãos de repressão durante o regime militar — cruzando informações de entrevistas, livros e documentos divulgados por ex-militares — para reconstituir os fatos relacionados aos desaparecidos, ainda que os documentos originais tenham sido de fato destruídos, como afirmam os comandantes militares.
Lula quer resolver definitivamente esse contencioso entre os militares e as organizações de defesa dos direitos humanos, sem revanchismos. Para o governo, qualquer interpretação nova sobre a Lei da Anistia é assunto para o Supremo Tribunal federal (STF).
Porém, Lula está preocupado com o fato de que a crise econômica mundial pode ter repercussões ainda maiores no Brasil e o governo não pode correr o risco de insubordinações militares por causa da falta de recursos no orçamento e pedidos de aumentos salariais. O presidente da República avalia que chegou a hora de isolar os recalcitrantes, como o chefe do Departamento de Pessoal do Exército, general Santa Rosa, o único remanescente da antiga linha-dura no Alto Comando do Exército. O general, que foi ligado aos órgãos de segurança do regime militar, desafiou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, com um documento contestando as diretrizes do Plano Nacional de Defesa. Critica, principalmente, a subordinação dos comandos das forças ao Estado Maior Conjunto e a centralização das compras para o reaparelhamento das Forças Armadas. Santa Rosa não pretende deixar a caserna antes de completar 12 anos no posto e resiste à orientação de Jobim.
Divergências
O ministro da Defesa, porém, está ganhando a queda de braço com esses setores remanescentes da linha-dura. Nos últimos meses, houve troca de oficiais de unidades importantes do Exército. O general Luiz Cesário da Silveira Filho, ex-comandante militar do Leste, recentemente reformado, vestiu o pijama como quem vai para a frente combate.
Num duro artigo, que teve muita repercussão entre os colegas, reiterou suas divergências com os rumos do Ministério da Defesa e fez a apologia do regime militar. Seu sucessor no comando do Leste, general Rui Catão, na terça-feira passada, participou das comemorações dos 45 anos da deposição do presidente João Goulart, no Clube Militar do Rio de Janeiro, mas evitou comentários sobre o evento, dedicado aos militares e civis mortos em confrontos com as organizações de esquerda que adotaram a luta armada.
Conciliador, o general tentou agradar aos velhos colegas reformados, sem afrontar o ministro da Defesa. O general Heleno Augusto, ex-comandante da Amazônia, agora chefia o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Defesa. Carismático, protagonizou as resistências militares à demarcação contínua da reserva indígena Raposa-Serra do Sol, mas apoia a Estratégia Nacional de Defesa.
A principal divergência dos militares com Jobim está no item 7 da Estratégia Nacional de Defesa, que supostamente reduz o poder dos comandantes das três Forças. A indicação do chefe do Estado-Maior Conjunto ficará a cargo do ministro da Defesa, o que na prática o transforma numa espécie de ministro-adjunto, acima dos demais colegas. A criação de comandos regionais conjuntos reforçariam ainda mais o poder do Ministério da Defesa. Finalmente, a autonomia financeira dos comandos militares ficará restrita às despesas de custeio. Os investimentos seriam definidos pelo Ministério da Fazenda, que aprovaria os projetos de acordo com as prioridades do Plano Nacional de Defesa.
A aquisição de novos equipamentos passaria a ser feita pela Secretaria de Compras do Ministério da Defesa, cargo ocupado por civis. Com a crise econômica, o orçamento militar já sofreu contingenciamento, embora o governo não pretenda sustar investimentos de grande monta, como a construção do submarino nuclear e a aquisição de aviões de caça de última geração para a Força Aérea. Essas duas prioridades, por exemplo, drenam recursos que em outras circunstâncias iriam para o Exército, cujo efetivo de recrutas acaba de ser reduzido por Jobim de 80 para 40 mil homens.
LINHA DE COMANDO
Hoje, pelo menos três generais são principais protagonistas dos debates entre as Forças Armadas e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. São eles: Luiz Cesário da Silveira Filho — Um dos últimos da linha dura, foi transferido para a reserva e continua gerando polêmica com Jobim. Santa Rosa — Um dos poucos da linha dura que continua na ativa, mas que poderá ser um dos próximos a se aposentar. Heleno Augusto — Joga em duas posições: prestigia os colegas, mas sem atingir Jobim. Além de tudo é considerado conciliador.
Análise da notícia
Comemoração diminui
O 45º aniversário do golpe militar de 31 de março de 1964 mostrou que poucos militares ainda comemoram a data. A cada dia a revolução, como os militares consideram o episódio, deixa de ser motivo de júbilo dos oficiais graduados para se tornar apenas um momento da história do Brasil. Este ano, por exemplo, apenas o Clube Militar, formado por generais da reserva, fez solenidades lembrando o golpe. Com a ida de Nelson Jobim para o Ministério da Defesa, acabaram as antigas ordens do dia, que eram lidas para as tropas em formatura solene. A diminuição das comemorações justifica-se pela aposentadoria de vários generais, que são os mesmos que lideravam uma corrente dentro do Ministério da Defesa contrária à ida de um civil para a chefia da pasta. Só este ano, dois deles deixaram a caserna: Luiz Cesário Silveira Filho e Paulo César Cunha, que entrou para a reserva no mesmo dia em que o golpe militar completou 45 anos. (Edson Luiz)

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