28 de abr. de 2009

O esperado e o inesperado se conjugam

OPINIÃO


Jarbas Passarinho

Foi ministro de Estado, governador e senador

Claro que o esperado viria a ser o processo evolutivo do MST. Ao surgir, aparentava ser um movimento social e contava com a grande maioria do povo brasileiro, simpático a uma solução definitiva para a reforma agrária. O presidente Castello Branco deixara, entre os projetos com que modernizou o país, o Estatuto da Terra. Se não houvesse sido abandonado no próprio ciclo militar, a feição fundiária do Brasil seria outra, bem mais justa. Os latifúndios improdutivos teriam acabado, dada a taxação progressiva deles, até chegar a valer menos que os impostos acumulados.

Era fácil prever o que está acontecendo agora. Começou por manifestações públicas. Numa delas, em Porto Alegre, um policial foi decapitado por um sem-terra, usando “instrumento de trabalho”, a foice. Em Brasília, ocuparam as avenidas, aos brados de “Fora FHC”, que os recebia em palácio, esperando dialogar com eles. Inútil. A violência, bem-sucedida, cresceu. Invadiram prédios públicos e até gabinetes de ministros de Estado, como provocação.

Das chamadas ocupações (na verdade invasões) de empresas rurais julgadas improdutivas, a escalada atingiu depredação de laboratórios de pesquisa científica. Perderam-se acervos obtidos ao longo de 20 anos. Com o apoio dos padres e mesmo bispos da Comissão Pastoral da Terra, as invasões, justas quando visavam empresas de histórico comprometido com grilagem, não mais pouparam sequer as empresas produtivas. No auge, seguiu-se o esbulho puro e simples de propriedades rurais. De início as pequenas, depois as grandes, como se deu e se dá, não só no Pará.

Era fatal que os proprietários legítimos, defendendo-se da tomada de seus bens à mão armada, organizassem, com respaldo na lei, grupos de segurança armada. Surgiram as primeiras mortes de sem-terra, usados como massa de manobra. No presente, as mortes já são também de seguranças, tidos como pistoleiros. O presidente Lula, afinal, indigna-se e condena publicamente a conduta criminosa do MST. O campo está em guerra e a Constituição violada, frequentemente até por executivos estaduais que se negam a cumprir decisão judicial da reintegração de posse.

Quando se condena a ilicitude dos meios usados pelo MST, a Pastoral da Terra e facciosos defensores de direitos humanos contra-atacam rudemente. Retrucam que a reação à reforma agrária é fruto de reacionários acostumados com a espoliação dos oprimidos. E os honestos críticos da violência recíproca logo demonstram tédio. Como disse o promotor Gilberto Thums, do Rio Grande do Sul, depois de fazer cumprir a lei e sofrer, sem apoio, retaliações inomináveis: “Cansei. Essa luta não pode ser apenas minha. Se ela não for de todos, não é de ninguém”.

Seu cansaço tem razão de ser. Impediu marchas de sem-terra destinadas a invasões programadas e anunciadas. Fichou criminalmente invasores. Foi decisivo no fechamento das escolas itinerantes do MST, verdadeiros centros de treinamento revolucionário das crianças de 7 aos 14 anos de idade. A Comissão Pastoral da Terra, declaradamente aliada do MST, desencadeou feroz e caluniosa campanha pela internet contra ele, e o padre coordenador local da CPT acusou-o de “baita capitalista tradicionalista, inimigo do MST”.

Em vez do processo pacífico que distribuiu milhares de termos de posse a colonos, revive o MST o que bradava outrora Brizola —“Reforma agrária na marra” —, ofuscando os que, afeitos à justiça social, apoiam a desconcentração da propriedade rural, não, porém, por meios revolucionários. Distinguem um proprietário legítimo de um grileiro, batem-se pelo direito do posseiro, mas combatem o invasor. Quer o MST, a título de consertar o erro decorrente da “traição a Marx” pelo comunismo real na Europa, erigir o “verdadeiro socialismo científico” no Terceiro Mundo. Não me infunde o menor receio.

Em 1989, o PT já era dividido em várias alas ideológicas, sendo a Articulação a majoritária sob liderança de Lula. Tive em mãos, então, cópia de um manifesto do grupo dissidente denominado Articulação de Esquerda, propondo Uma estratégia socialista para o Brasil, assinada por João Pedro Stédile, em 1997. Seus “paradigmas eram a revolução russa, a revolução chinesa e o governo da Unidade Popular chilena”. O que chamava de revolução russa acabou melancolicamente. A chinesa adota hoje a economia de mercado e tornou direito constitucional a propriedade privada.

Quanto ao inesperado, poucas palavras bastam. Um bispo “progressista” toma o poder no Paraguai, após cerca de 60 anos de governo do Partido Colorado. Afável, conquistava facilmente adeptos para o catolicismo. Para não fazer distinção injusta, conquistava também adolescentes, nos lares onde se hospedava. Nessa faina caridosa, contribuiu para aumentar a população guarani com vários filhos e diversas mulheres jovens. Um filho já por ele admitido e outros dependendo de DNA. Merece um cuidadoso abraço e a criação de uma medalha de bons serviços prestados, se não à democracia, ao menos à demografia.

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