Antiga estrela de primeira grandeza do
PT, o ex-presidente da legenda é hoje o retrato da decadência política:
temendo ser hostilizado na rua, vive recluso em sua própria residência
em São Paulo
AMARGURA Na
segunda-feira 6, a reportagem de ISTOÉ abordou José Genoino na porta de
sua casa no Butantã, em São Paulo. Econômico nas palavras, o petista
sapecou: “Esqueça que eu existo” (Crédito: Marco Ankosqui)
Germano Oliveira
José Genoino, de 72 anos, ex-presidente nacional do PT, não é hoje
nem o espectro do que já foi um dia. Integrante da tríplice coroa
petista, ao lado de José Dirceu e Luiz Gushiken, o ex-guerrilheiro
parece ter desistido da luta. Desencantado com a política, vive
sorumbático em sua casa, um sobradinho típico de classe média numa
pacata rua do Butantã, na zona Oeste de São Paulo. Embora já tenha
cumprido todas as penas a que foi condenado e não deva mais nada à
Justiça, permanece enclausurado em seu mundo ou na própria aldeia, como
diria Tolstói. Raras vezes sai de casa. Mandou substituir as grades
simples que carcavam sua residência por um maciço portão de aço,
tornando o interior indevassável aos olhos de quem tenta observar de
fora. No portão, não há campainha ou interfone. Mas não faltam câmeras
para identificar quem bate à sua porta. Em geral, Genoino só recebe
familiares. Os ex-companheiros de partido ou estão na cadeia ou o
abandonaram. A pessoas próximas, diz-se frustrado com os descaminhos da
política.
Na segunda-feira 6, quando a reportagem de ISTOÉ tentou abordá-lo
defronte à sua casa, ele entreabriu o portão e destilou amargura: “Não
falo mais com a imprensa. A mão que bate esquece, mas a cara que apanha
não”, disse Genoino. “Esqueça que eu existo”, suplicou o ex-presidente
do PT, ainda ostentando o velho cavanhaque e bigode bem aparados, assim
como os cabelos brancos como neve, os quais sempre cultivou. Sobriamente
vestido, com um suéter amarelo sobre uma camisa escura, calça cinza e
sapatos pretos, o ex-petista de carteirinha não demorou muito para
encerrar a conversa. Ao perceber a presença de um fotógrafo, bateu o
portão com violência, trancando-o em seguida. Já no interior de casa,
repetiu aos gritos a frase pronunciada no início: “A mão que bate
esquece, mas a cara que apanha não”. Comportamento arredio
O político não evita só a imprensa. De acordo com relato dos
moradores da rua de Genoino, ele, nas poucas vezes em que sai de casa,
não cumprimenta mais os vizinhos, ao contrário do que fazia há 30 anos,
quando mudou-se para o local. Naquela época, distribuía simpatia.
Afinal, nos períodos eleitorais ele corria o bairro pedindo votos. Além
dos seis mandatos de deputado federal, chegou a ser candidato a
governador de São Paulo em 2002 pelo PT, que ajudou a fundar em 1980.
Dona Vilma Correia, 61 anos, que trabalha no brechó “Rabo de Saia”, na
esquina da residência de Genoino, elabora uma explicação para a mudança
radical de comportamento. “Logo depois do mensalão, quando ele foi
denunciado como um dos responsáveis pelo escândalo, as pessoas aqui do
bairro passaram a chamá-lo de ladrão, de corrupto. Por isso, ele se
trancou em casa. Tem medo de ser agredido na rua”. Testemunha ocular das
raras caminhadas do ex-presidente petista, Dona Vilma garante que,
agora, Genoino se limita a ir à feira livre ou ao Mercadão Oba, a 100
metros da sua residência, para comprar frutas e legumes. “Mesmo no Oba ,
recentemente o chamaram de “corrupto” e ele ficou vários dias sem ir
até lá”, assegura dona Vilma. O comportamento parece seguir um padrão.
Questionado por ISTOÉ, o gerente do estabelecimento disse não se lembrar
de atos hostis contra o petista. Já o dono da Padaria Corinto,
instalada nas imediações da casa do petista, confirma que ele foi
xingado de “ladrão” por uma cliente e que, em razão disso, deixou de
freqüentar o local, onde comprava diariamente pão e leite. Cidadão comum
O ambiente não lhe é mesmo favorável, o que torna compreensível a
decisão de Genoino de tentar manter-se refugiado em sua própria casa. Na
oficina de automóveis, Benedito Valério de Jesus Filho, vizinho de
Genoino, diz que a população de fato torce o nariz para o
ex-guerrilheiro. “Esse pessoal do PT roubou muito e a população aqui não
gosta dele”. Benedito vota no mesmo colégio eleitoral de Genoino, na
Universidade São Judas, do Butantã, e atestou que na eleição para
prefeito, há dois anos, o ex-presidente do PT foi tratado agressivamente
por outros eleitores. “Chamado de bandido, precisou sair rapidinho do
local de votação”, disse Benedito. “Por isso, quando sai de casa o
petista prefere sair dirigindo seu carro (um Sandero). Pelo visto, não
quer cruzar com ninguém”, avalia dona Vilma.
Fora as adversidades que ainda enfrenta, Genoino leva uma vida de
cidadão comum. Em maio, estava entre um grupo de clientes da Sabesp
(empresa de saneamento de São Paulo) que reclamava rispidamente do alto
preço da conta de água. No final do ano passado, quase foi baleado num
assalto na porta de sua casa. Um homem armado rendeu-o, apontando-lhe o
revolver na entrada de casa. Genoino resistiu ao assalto, batendo na mão
armada do assaltante com um livro que trazia debaixo do braço. O ladrão
deixou cair a arma no chão e fugiu. Privilégio
Apesar das desventuras por viver em uma cidade violenta como São
Paulo, Genoino leva uma vida confortável, graças aos R$ 25.274,02 que
recebe de aposentadoria da Câmara dos Deputados. Uma pensão
privilegiada, tendo em vista que a maioria esmagadora dos brasileiros
recebe um teto máximo de R$ 5 mil. A bolada mensal pode não lhe render
uma vida de luxos, mas lhe proporciona tranqüilidade, principalmente
agora que Genoino mora sozinho com a mulher Rioco Kayano na casa do
Butantã, avaliada em valores que vão de R$ 800 mil a R$ 1 milhão (na
declaração do Imposto de Renda de 2010 ele informou que a casa valia R$
170 mil). Os dois filhos do casal Miruna e Ronan casaram-se e deixaram a
casa dos pais.
Juridicamente, ele não tem motivos para se esconder. Afinal, em
dezembro de 2014, recebeu o indulto da então presidente Dilma Rousseff.
No ano seguinte, em agosto, o ministro Luis Roberto Barroso, do STF,
decretou a extinção de sua pena. Dilma e Barroso só não foram capazes de
extinguir a frustração profunda que carrega no peito, nem libertá-lo de
um novo tipo de prisão: a intelectual, passando a enxergar o mundo sob a
ótica de um robusto portão de aço.
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