16 de ago. de 2018

A nova prisão de Genoino

Antiga estrela de primeira grandeza do PT, o ex-presidente da legenda é hoje o retrato da decadência política: temendo ser hostilizado na rua, vive recluso em sua própria residência em São Paulo

Crédito: Marco Ankosqui
AMARGURA Na segunda-feira 6, a reportagem de ISTOÉ abordou José Genoino na porta de sua casa no Butantã, em São Paulo. Econômico nas palavras, o petista sapecou: “Esqueça que eu existo” (Crédito: Marco Ankosqui)
Marco Ankosqui
José Genoino, de 72 anos, ex-presidente nacional do PT, não é hoje nem o espectro do que já foi um dia. Integrante da tríplice coroa petista, ao lado de José Dirceu e Luiz Gushiken, o ex-guerrilheiro parece ter desistido da luta. Desencantado com a política, vive sorumbático em sua casa, um sobradinho típico de classe média numa pacata rua do Butantã, na zona Oeste de São Paulo. Embora já tenha cumprido todas as penas a que foi condenado e não deva mais nada à Justiça, permanece enclausurado em seu mundo ou na própria aldeia, como diria Tolstói. Raras vezes sai de casa. Mandou substituir as grades simples que carcavam sua residência por um maciço portão de aço, tornando o interior indevassável aos olhos de quem tenta observar de fora. No portão, não há campainha ou interfone. Mas não faltam câmeras para identificar quem bate à sua porta. Em geral, Genoino só recebe familiares. Os ex-companheiros de partido ou estão na cadeia ou o abandonaram. A pessoas próximas, diz-se frustrado com os descaminhos da política.
> José Genoino não deve mais nada à Justiça, já que sua pena de 4 anos e 6 meses foi extinta pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, depois de ter permanecido preso por um ano no presídio da Papuda, em Brasília.
> Mesmo assim, o ex-presidente do PT criou uma espécie de refúgio particular. Para isolar-se, trocou as grades vazadas de sua casa por um robusto portão de aço maciço
Na segunda-feira 6, quando a reportagem de ISTOÉ tentou abordá-lo defronte à sua casa, ele entreabriu o portão e destilou amargura: “Não falo mais com a imprensa. A mão que bate esquece, mas a cara que apanha não”, disse Genoino. “Esqueça que eu existo”, suplicou o ex-presidente do PT, ainda ostentando o velho cavanhaque e bigode bem aparados, assim como os cabelos brancos como neve, os quais sempre cultivou. Sobriamente vestido, com um suéter amarelo sobre uma camisa escura, calça cinza e sapatos pretos, o ex-petista de carteirinha não demorou muito para encerrar a conversa. Ao perceber a presença de um fotógrafo, bateu o portão com violência, trancando-o em seguida. Já no interior de casa, repetiu aos gritos a frase pronunciada no início: “A mão que bate esquece, mas a cara que apanha não”.
Comportamento arredio
O político não evita só a imprensa. De acordo com relato dos moradores da rua de Genoino, ele, nas poucas vezes em que sai de casa, não cumprimenta mais os vizinhos, ao contrário do que fazia há 30 anos, quando mudou-se para o local. Naquela época, distribuía simpatia. Afinal, nos períodos eleitorais ele corria o bairro pedindo votos. Além dos seis mandatos de deputado federal, chegou a ser candidato a governador de São Paulo em 2002 pelo PT, que ajudou a fundar em 1980. Dona Vilma Correia, 61 anos, que trabalha no brechó “Rabo de Saia”, na esquina da residência de Genoino, elabora uma explicação para a mudança radical de comportamento. “Logo depois do mensalão, quando ele foi denunciado como um dos responsáveis pelo escândalo, as pessoas aqui do bairro passaram a chamá-lo de ladrão, de corrupto. Por isso, ele se trancou em casa. Tem medo de ser agredido na rua”. Testemunha ocular das raras caminhadas do ex-presidente petista, Dona Vilma garante que, agora, Genoino se limita a ir à feira livre ou ao Mercadão Oba, a 100 metros da sua residência, para comprar frutas e legumes. “Mesmo no Oba , recentemente o chamaram de “corrupto” e ele ficou vários dias sem ir até lá”, assegura dona Vilma. O comportamento parece seguir um padrão. Questionado por ISTOÉ, o gerente do estabelecimento disse não se lembrar de atos hostis contra o petista. Já o dono da Padaria Corinto, instalada nas imediações da casa do petista, confirma que ele foi xingado de “ladrão” por uma cliente e que, em razão disso, deixou de freqüentar o local, onde comprava diariamente pão e leite.
Cidadão comum
O ambiente não lhe é mesmo favorável, o que torna compreensível a decisão de Genoino de tentar manter-se refugiado em sua própria casa. Na oficina de automóveis, Benedito Valério de Jesus Filho, vizinho de Genoino, diz que a população de fato torce o nariz para o ex-guerrilheiro. “Esse pessoal do PT roubou muito e a população aqui não gosta dele”. Benedito vota no mesmo colégio eleitoral de Genoino, na Universidade São Judas, do Butantã, e atestou que na eleição para prefeito, há dois anos, o ex-presidente do PT foi tratado agressivamente por outros eleitores. “Chamado de bandido, precisou sair rapidinho do local de votação”, disse Benedito. “Por isso, quando sai de casa o petista prefere sair dirigindo seu carro (um Sandero). Pelo visto, não quer cruzar com ninguém”, avalia dona Vilma.
Fora as adversidades que ainda enfrenta, Genoino leva uma vida de cidadão comum. Em maio, estava entre um grupo de clientes da Sabesp (empresa de saneamento de São Paulo) que reclamava rispidamente do alto preço da conta de água. No final do ano passado, quase foi baleado num assalto na porta de sua casa. Um homem armado rendeu-o, apontando-lhe o revolver na entrada de casa. Genoino resistiu ao assalto, batendo na mão armada do assaltante com um livro que trazia debaixo do braço. O ladrão deixou cair a arma no chão e fugiu.
Privilégio
Apesar das desventuras por viver em uma cidade violenta como São Paulo, Genoino leva uma vida confortável, graças aos R$ 25.274,02 que recebe de aposentadoria da Câmara dos Deputados. Uma pensão privilegiada, tendo em vista que a maioria esmagadora dos brasileiros recebe um teto máximo de R$ 5 mil. A bolada mensal pode não lhe render uma vida de luxos, mas lhe proporciona tranqüilidade, principalmente agora que Genoino mora sozinho com a mulher Rioco Kayano na casa do Butantã, avaliada em valores que vão de R$ 800 mil a R$ 1 milhão (na declaração do Imposto de Renda de 2010 ele informou que a casa valia R$ 170 mil). Os dois filhos do casal Miruna e Ronan casaram-se e deixaram a casa dos pais.
Juridicamente, ele não tem motivos para se esconder. Afinal, em dezembro de 2014, recebeu o indulto da então presidente Dilma Rousseff. No ano seguinte, em agosto, o ministro Luis Roberto Barroso, do STF, decretou a extinção de sua pena. Dilma e Barroso só não foram capazes de extinguir a frustração profunda que carrega no peito, nem libertá-lo de um novo tipo de prisão: a intelectual, passando a enxergar o mundo sob a ótica de um robusto portão de aço.

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