Caldeirão social fervilha em meio a brigas de militantes nas ruas, paralisações de rodovias por caminhoneiros, greves de professores e metalúrgicos e uma população cada vez mais revoltada com o aumento do desemprego e do custo de vida. Aonde vamos parar?
Eumano Silva
No final da
tarde da terça-feira 24, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se
dirigiu à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do
Rio de Janeiro, para participar de uma manifestação em favor do governo
Dilma Rousseff. Organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e
pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), o ato público tinha por mote
a “defesa da Petrobras”, bandeira política empunhada pelo PT para
tentar se contrapor ao bilionário escândalo de corrupção estourado há
quase um ano pelos investigadores da Operação Lava Jato. A reunião
programada para dar demonstração de força de setores alinhados com as
causas governistas, no entanto, transformou-se num lamentável retrato do
grau de radicalização e intolerância que tomou conta do País nos
últimos tempos. Antes mesmo da chegada de Lula, os cerca de 500
militantes que o aguardavam entraram em confronto físico com duas
dezenas de pessoas que se dirigiram ao local para gritar contra o
governo e a corrupção. A partir desse momento, o espaço em frente à sede
da ABI virou ringue de pancadaria entre os ativistas. As lamentáveis
cenas remetiam aos insanos embates entre torcidas organizadas de
futebol. De um lado, as tradicionais cantorias “olê, olê, Lula, Lula” e,
do outro, os gritos de “Lula, ladrão, Lula, ladrão”. A troca de sopapos
só terminou depois que a PM chegou. Do lado de dentro da associação,
Lula jogava gasolina na fogueira fazendo uma convocação belicosa
recheada de expressões como “luta” e “guerra”.

AMBIENTE INFLAMÁVEL
Na tarde da terça-feira 24, militantes se digladiaram em frente à ABI, durante
ato em defesa da Petrobras. Do lado de dentro da associação, Lula conclamou
a militância à luta. Nessa atmosfera conturbada, caminhoneiros paralisaram
as principais rodovias do País e sindicalistas vestidos de leões
protestaram contra a deterioração dos salários
A confusão da ABI simboliza o ambiente
conturbado e perigoso vivido pelo Brasil, dois meses depois de iniciado o
segundo mandato da presidente Dilma. O caldeirão social fervilha em
meio a paralisações de rodovias por caminhoneiros, greves de professores
e metalúrgicos em Estados importantes do País e uma população cada vez
mais insatisfeita com o aumento do desemprego e do custo de vida. O
flagrante contraste entre as promesssas de campanha de Dilma e a
realidade ajuda a engrossar o caldo. De norte a sul do País, diferentes
segmentos políticos, sociais e econômicos se levantam para protestar
contra o governo federal e, também, contra alguns Executivos estaduais. A
soma de todas as insatisfações cria um ambiente nervoso e descontrolado
que, em muitos aspectos, se mostra mais grave que o clima de convulsão
social de junho de 2013, quando as ruas das capitais e grandes cidades
foram tomadas por gigantescas manifestações e quebra-quebras que levaram
insegurança e prejuízos à população. “Estamos vivendo um acirramento do
debate político, o processo eleitoral parece continuar e existe um
preocupante estado de animosidade”, alerta Marco Antonio Teixeira,
professor da FGV, doutor em ciências sociais.
Embalados pelo desgaste crescente do
governo, diversos segmentos se mobilizam. Pelas redes sociais,
convoca-se para o dia 15 de março uma grande manifestação em todo o País
pelo impeachment da presidente Dilma. Se depender da vontade dos mais
empolgados, um milhão de pessoas sairão às ruas. Essa empreitada une no
mesmo pacote os núcleos mais radicalizados da oposição, antipetistas –
com ou sem filiação partidária – insatisfeitos de modo geral com os
rumos do Brasil e setores ligados a militares da reserva defensores da
ditadura – esses últimos, tradicionais adversários de agremiações de
esquerda, como o PT, e da democracia.

GREVES ESTADUAIS
No Paraná e no Distrito Federal, professores protestam contra os baixos salários.
A paralisação adiou o início do ano letivo, que até a sexta-feira 27 não havia começado

Se há dois anos as multidões se revoltaram
contra os preços das passagens de ônibus urbanos e as deficiências na
organização da Copa do Mundo, agora o mau humor guarda relação com a
enxurrada de denúncias de corrupção do Petrolão e com as medidas
anunciadas por Dilma para enfrentar a crise econômica que a presidente
reeleita legou a ela mesma. Os primeiros sinais de descontentamento
começaram ainda no ano passado, na esteira do resultado das urnas. Ao
contrário do que propagandeou durante a campanha, a presidente Dilma
aumentou os juros e baixou medidas que afetam direitos trabalhistas e
previdenciários. Também ficou evidente que as manobras contábeis
utilizadas no primeiro mandato jogaram a economia do País no buraco, com
a inflação estourando o teto da meta e o crescimento em torno de zero.
Tudo muito, mas muito diferente do mundo mágico alardeado pelo
marqueteiro João Santana.
O Brasil de verdade aos poucos se
apresentou. O País já havia saído dividido das urnas. O clima de
ebulição social, no entanto, ficou mais escancarado nas últimas semanas,
quando vários focos de insatisfação engrossaram os protestos contra os
governantes. Metalúrgicos da região do ABC fizeram uma greve de seis
dias contra ameaças de demissão nas montadoras, uma das consequências do
desarranjo da economia nacional. Professores da rede pública do Paraná,
Estado governado pelo tucano Beto Richa, e do Distrito Federal, sob a
administração de Rodrigo Rollemberg, do PSB, organizaram paralisações
contra salários atrasados e más condições de ensino. Nas duas unidades
da federação, até a sexta-feira 27 o ano letivo ainda não havia
começado.

Os maiores transtornos para os
brasileiros em decorrência dos desajustes econômicos e sociais
aconteceram na semana passada. As principais rodovias do País foram
bloqueadas por caminhoneiros que reclamaram dos preços do óleo diesel e
apresentaram uma pauta de reivindicações que inclui aumento no valor dos
fretes, refinanciamento das dívidas e sanção da Lei dos Caminhoneiros,
aprovada no dia 11 de fevereiro pela Câmara. Os protestos dos
caminhoneiros começaram na semana anterior, mas chegaram ao auge na
terça 24 e na quarta-feira 25, quando os motoristas interromperam o
tráfego em 12 Estados. O movimento bagunçou a rotina de cidadãos de
todas as classes sociais e, em algumas regiões, atrapalhou o
abastecimento, principalmente, de alimentos e combustíveis. No interior
do Paraná e de Santa Catarina, supermercados ficaram fechados por falta
de mantimentos e na sexta-feira 27 havia aeroportos sem operar por falta
de combustível.
Com o País ameaçado de travar, com carretas
e caminhões atravessados nas estradas, o Palácio do Planalto tentou
agir para estancar a crise. Em reunião com os representantes dos
caminhoneiros, o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da
Presidência, afirmou que o governo se compromete a não aumentar o preço
do diesel por seis meses e a conceder carência de um ano para os
financiamentos. Se confirmada, a maior conquista do setor será o
estabelecimento de uma planilha de preços para o frete, que haviam sido
reduzidos pelas grandes empresas de agronegócio, principais
contratadoras de frotas nesta época do ano, quando se escoa a maior
parte da safra. Segundo o acerto, as reivindicações aceitas pelo governo
só terão validade com o fim dos protestos nas estradas, o que ainda não
havia acontecido totalmente até a sexta-feira 27.


TENSÃO
No Paraná, do governador Beto Richa, população faz enterro simbólico da Educação
Entre as manifestações radicais, fruto do
ambiente inflamável, chocaram também as agressões verbais feitas contra o
ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, dentro do Hospital Albert
Einstein na segunda-feira 23. Mantega estava no hospital para acompanhar
sua mulher em um tratamento de câncer quando um grupo se dirigiu a ele
com gritos e expressões como “vai para o SUS”. O radicalismo do momento
inspira avaliações extremas e francos exageros até de analistas
políticos: “É como se vivêssemos numa sociedade polarizada na Espanha da
guerra civil”, diz outro cientista social, Milton Lahuerta, da Unesp.
Apesar das turbulências sociais e econômicas, o Palácio do Planalto
mantém um discurso público de normalidade. “Manifestações fazem parte da
sociedade democrática e as instituições brasileiras são maduras e
sólidas para conviver com isso. Esse governo nasceu na rua, sabe lidar
com movimentos sociais, como ocorreu em 2013”, disse a ISTOÉ o
ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Porém, dentro e fora
do governo, os ânimos petistas permanecem acirrados, como já ocorrera
durante a campanha eleitoral, embalada pelo raivoso discurso do “nós
contra eles”. Não por acaso, o idealizador desse discurso emerge, neste
momento, com toda força de seu já proverbial destempero verbal.

ILHA
Apesar das turbulências sociais e econômicas, o Palácio do Planalto,
Dilma à frente, mantém um discurso público de normalidade
Em momentos de dificuldades políticas e
econômicas, espera-se dos homens públicos, sobretudo dos mais
experientes, o comportamento equilibrado necessário nas crises. Não é o
que está acontecendo. Logo depois dos atritos violentos entre os
militantes contra e a favor do governo, Lula deu uma pesada declaração
para o público presente na manifestação no auditório da ABI. “Quero paz e
democracia. Mas se eles querem guerra, eu sei lutar também”, afirmou o
ex-presidente, no tom belicista que caracteriza seus discursos
eleitorais. O líder ordenou e a tropa obedeceu. Poucas horas depois, o
presidente do PT fluminense, Washington Quaquá, imbuído de intemperança
verbal incitou os militantes partidários a usar métodos violentos nos
confrontos com os adversários. Com expressões como “burguesinhos de
merda” e “fdps”, Quaquá foi explícito em suas intenções: “Vamos pagar
com a mesma moeda. Agrediu, devolvemos dando porrada”, escreveu no
Twitter. Do outro lado da trincheira, o ex-governador de São Paulo
Alberto Goldman engrossa o coro da deposição de Dilma como uma possível
saída para os impasses atuais. Nas palavras de Goldman, o impeachment
permitiria uma “transição democrática” da administração petista para
outro governo. Para os petistas, essa proposta é tratada como “golpe”.
Com tantas más notícias, o Brasil virou tema de destaque da revista
inglesa “The Economist”. A mais recente edição do semanário mostra uma
passista de escola de samba atolada em uma gosma verde debaixo do título
“O atoleiro do Brasil”. Essa é uma percepção do País muito diferente
da de uma capa da revista em setembro de 2009, auge da reação da
economia brasileira à crise internacional. Na ocasião, a manchete foi “O
Brasil decola”. Como se vê, muita coisa mudou nos últimos cinco anos.
Para muito pior.

EM DEFESA DO IMPEACHMENT
Ex-governador de São Paulo, Alberto Goldman defende a deposição de Dilma.
Para o integrante do PSDB, será a solução a para crise atual.
Fotos: Marcos de Paula/Estadão
Conteúdo; Antônio Lacerda/EFE; Miguel SCHINCARIOL/AFP Photo; Márcio
Cunha; Ag. o Dia/Estadão Conteúdo; Sérgio Lima/Folhapress, José Cruz/Ag.
Brasil; Joka Madruga/APP-Sindicato Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress,
Fernando Frazão/Ag. Brasil; Paulo Lisboa/Brazil Photo Press; Ed
Ferreira/DPA/ZUMAPRESS.com; Rafael Hupsel/Ag. Istoé