Dificuldade de atacar o patrimônio dos criminosos facilita a repetição de esquemas como os de Alberto Youssef, que foi condenado no caso Banestado e, agora, é suspeito de envolvimento na movimentação ilegal de 10 bilhões de reais
Daniel Haidar, de Curitiba
O doleiro Alberto Youssef
(Folhapress)
Baltazar defende medidas mais duras que o simples bloqueio de bens durante o andamento do processo. Como a condenação nem sempre traz a punição financeira proporcional aos crimes cometidos, as quadrilhas mantêm sua capacidade de operar, adverte. Youssef foi condenado no caso Banestado, em 2004, a sete anos de reclusão em regime semiaberto e pagamento de multa de cerca de 900.000 reais. Naquela investigação, foi desmontado um esquema ilegal de envio de dólares ao exterior, no maior caso do gênero já descoberto no Brasil. As penas foram consideradas pequenas para os crimes por ele cometidos. O doleiro beneficiou-se da delação premiada, pelo qual forneceu informações à força-tarefa e provas para embasar processos contra outros criminosos. Graças ao acordo, foram suspensos processos contra Youssef desde que ele, de fato, parasse de cometer crimes.
As condições aceitas pelo doleiro, e o envolvimento dele em um novo esquema de lavagem, descoberto pela operação Lava Jato, podem levar à reabertura de antigos processos. A Justiça Federal do Paraná pode determinar a retomada de procedimentos que ainda não tenham caído em prescrição. Na época do Banestado, Youssef chegou a ser preso com um cheque bancário nominal de 150.000 reais ao ex-deputado federal José Janene (PP), já morto. Uma operação de lavagem de dinheiro de Janene foi o estopim para a abertura da investigação da operação Lava Jato, em meados de 2013.
Combate – Uma das formas de fechar o cerco ao patrimônio dos doleiros pode estar em iniciativas como um projeto de lei, de inspiração colombiana, redigido pelo deputado Vieira da Cunha (PDT-RS). A proposta cria a ação civil de extinção de domínio, que permite ao juiz decretar a perda de bens obtidos de origem ilícita, com a realização de leilões para devolver os recursos ao Estado. “Os doleiros são criminosos movidos por dinheiro. Vão continuar cometendo crimes se não quebrarem. Temos que avançar nos efeitos econômicos do crime. Hoje, só é decretada a perda dos bens quando a ação transita em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso)”, afirmou Baltazar Junior.
A dificuldade de devolver ao Estado o dinheiro obtido de forma ilegal, somada às possibilidades de recursos e de protelação de sentença no país, faz com que o tempo atue a favor dos criminosos. A lentidão da Justiça brasileira é um dos pontos criticados pelo Grupo de Ação Financeira (Gafi), órgão internacional do qual o Brasil faz parte com outros 35 países comprometidos em lutar contra a lavagem de dinheiro. Para o procurador da república Deltan Dallagnol, que investigou o escândalo Banestado, o sistema recursal é amplo demais. “Nosso processo tem várias falhas. Em muitos casos de ‘colarinho branco’ simplesmente não se consegue punir o criminoso. Quando alguém recorre ao Tribunal Regional Federal, dificilmente demora menos de quatro anos para ser julgado. Também são lentos o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo. No final, sobra uma pena pequena para o condenado”, critica o procurador.
"Youssef era o doleiro dos doleiros, um atacadista. Quem não tinha dinheiro pegava emprestado do Youssef. Surpreende vê-lo envolvido novamente em crimes, porque ele vai perder os benefícios que teve com a delação premiada. Além de ser processado agora, vai ser processado pelos casos anteriores que não prescreveram", diz Dallagnol.
De acordo com o procurador, nas investigações do Banestado foi descoberto que Youssef utilizava até um avião particular para transportar moeda em espécie para operações clandestinas. Desde então, já se sabia do envolvimento do doleiro com políticos e agentes públicos. As investigações da Lava Jato mostraram indícios de que ele teve envolvimento no mensalão, em contratos da Petrobras e do Ministério da Saúde. De acordo com diálogos interceptados pela Polícia Federal, ele teria a receber 12 milhões de reais da construtora Camargo Corrêa. Uma planilha apreendida na operação é considerada um indício de que ele pagava propina em nome da empreiteira. Em diálogo gravado pela polícia, o doleiro chega a reclamar que pagou 7,9 milhões de reais de propina a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras - e ele ainda pedia mais. Youssef também é flagrado fazendo negócios com outros doleiros. Uma das empresas controladas pelo doleiro movimentou 90 milhões de reais de 2009 a 2013. Essa teria sido uma das empresas que pagou comissões ao ex-diretor da Petrobras.
Terrorismo – O principal ponto de crítica internacional ao arcabouço legal brasileiro, quando o assunto é lavagem de dinheiro, é a ausência da tipificação do crime de financiamento ao terrorismo. Esta é atualmente uma exigência do Gafi – e um compromisso assumido pelo Brasil. Para o presidente de Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antônio Gustavo Rodrigues, a falta de uma lei contra o financiamento ao terrorismo pode levar o país a ser mal avaliado internacionalmente.
“O Brasil não cumpriu essa convenção internacional, exigida numa das recomendações do Gafi. Ainda temos esse dever de casa”, diz Rodrigues.
Sistemas de leis, ainda que imperfeitos, não servem para isentar as autoridades policiais e a Justiça de suas atribuições. Os especialistas ouvidos por VEJA afirmam que, apesar das dificuldades – e do desafio de enfrentar um crime que ocorre, muitas vezes, sem provas que permitam comprovar diretamente a culpa dos acusados – o Brasil tem avançado nesse sentido. Faltam estatísticas de condenações para comparação, mas dados do Coaf mostram que 52.812 pessoas físicas ou jurídicas constam como suspeitos de lavar dinheiro em relatórios de inteligência financeira (RIFs) elaborados em 2013, a maior quantidade na história do órgão. Isso não quer dizer que todas tenham cometido crimes, mas foram identificados indícios suficientes de lavagem de dinheiro para justificar a confecção de um relatório e o encaminhamento para as autoridades responsáveis. Foram justamente relatórios do Coaf que identificaram diversas operações clandestinas dos doleiros da operação Lava Jato. O órgão recebe informações de bancos, cartórios e até agências de veículos de transações consideradas atípicas e esse é o principal método de detecção de crimes financeiros no país.
Invisível – A atuação de doleiros costuma ocorrer à margem do sistema financeiro, o que implica naturalmente em dificuldades de documentar provas de lavagem. Mas Youssef e Nelma Kodama, outra doleira presa na semana passada, recorreram a um raro esquema de simulação de importações para dar uma aparência legítima à evasão de divisas. Nelma chegou a utilizar empresas na China, em nome de 'laranjas', mas as operações acabaram descobertas.
Desavenças entre os criminosos também forneceram indícios importantes na Lava Jato. A polícia identificou que Nelma brigou com Youssef e o doleiro Raul Srour. Com expectativa de se vingar, a doleira revelou a interlocutores, em mensagens eletrônicas, diversos crimes atribuídos aos dois. Srour é mais um dos acusados que, por ter desrespeitado acordos de delação premiada do período do caso Banestado, está sujeito à reabertura de processos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário