Ninguém, em sã consciência, é contra a realização da Copa das Confederações, da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil. Mas que cidadão, com essa mesma sã consciência, vai abrir mão da soberania e das leis de seu país em nome de uma competição esportiva, por mais importante que seja?
Não obstante, o governo brasileiro editou a Medida Provisória 527, criando o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as obras dos megaestádios que irão sediar os jogos. A sutileza da MP está em desfigurar a Lei de Licitações (nº 8.666), dando liberdade ao Estado para manter sob sigilo as informações repassadas aos órgãos de controle - em especial o Tribunal de Contas da União - acerca dos contratos firmados com as empreiteiras. Tudo em nome da celeridade e para não comprometer o calendário de obras, que já anda atrasado.
Como querem a poderosa Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o não menos poderoso Comitê Olímpico Internacional (COI), quanto mais distância da sociedade organizada nesses assuntos, melhor. E ainda declara a presidente Dilma Rousseff, para confortar os anfitriões, que está tudo combinado com o TCU.
Usando-se a metáfora do futebol, "combinar o jogo" com o adversário é, no mínimo, humilhante. A menos, claro, que se revogue a Lei 8.666 e se aplique a lei do sigilo eterno dos documentos secretos também nesse caso. De uma forma ou de outra, a História nos ensina que cedo ou tarde a verdade vem à tona.
Do ponto de vista técnico-jurídico, a Medida Provisória apresenta lacunas ainda não preenchidas. É difícil imaginar o RDC restrito às obras esportivas, quando são necessárias outras frentes para corrigir as deficiências em saneamento básico, transporte e mobilidade urbana das cidades-sede.
Já o orçamento oculto, previsto no art. 8º (obras e serviços de engenharia), é por si só um terreno fértil para questionamentos sobre publicidade e igualdade de condições entre os concorrentes (art. 37, XXI da Constituição Federal). É esse princípio que, pelo menos em tese, evita o risco de informação "privilegiada".
O que está em jogo, afinal, é a grande obra de engenharia social chamada soberania, que o governo reivindicou, por exemplo, quando negou a extradição do ex-guerrilheiro Cesare Battisti à Itália. Agora, no entanto, a palavra parece ter entrado em desuso nos diálogos em que os referidos organismos esportivos procuram impor suas próprias leis, não importa quais leis seus anfitriões possuam.
Ao longo de sua história, o Brasil baixou a cabeça para a banca internacional e submeteu parte da soberania ao FMI em momentos de triste memória. Será justo naquilo que ele tem de melhor, e não por menos exibe no peito cinco estrelas de campeão, que vai ceder tão dócil? Esperamos que não.
OPHIR CAVALCANTE é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Não obstante, o governo brasileiro editou a Medida Provisória 527, criando o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as obras dos megaestádios que irão sediar os jogos. A sutileza da MP está em desfigurar a Lei de Licitações (nº 8.666), dando liberdade ao Estado para manter sob sigilo as informações repassadas aos órgãos de controle - em especial o Tribunal de Contas da União - acerca dos contratos firmados com as empreiteiras. Tudo em nome da celeridade e para não comprometer o calendário de obras, que já anda atrasado.
Como querem a poderosa Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o não menos poderoso Comitê Olímpico Internacional (COI), quanto mais distância da sociedade organizada nesses assuntos, melhor. E ainda declara a presidente Dilma Rousseff, para confortar os anfitriões, que está tudo combinado com o TCU.
Usando-se a metáfora do futebol, "combinar o jogo" com o adversário é, no mínimo, humilhante. A menos, claro, que se revogue a Lei 8.666 e se aplique a lei do sigilo eterno dos documentos secretos também nesse caso. De uma forma ou de outra, a História nos ensina que cedo ou tarde a verdade vem à tona.
Do ponto de vista técnico-jurídico, a Medida Provisória apresenta lacunas ainda não preenchidas. É difícil imaginar o RDC restrito às obras esportivas, quando são necessárias outras frentes para corrigir as deficiências em saneamento básico, transporte e mobilidade urbana das cidades-sede.
Já o orçamento oculto, previsto no art. 8º (obras e serviços de engenharia), é por si só um terreno fértil para questionamentos sobre publicidade e igualdade de condições entre os concorrentes (art. 37, XXI da Constituição Federal). É esse princípio que, pelo menos em tese, evita o risco de informação "privilegiada".
O que está em jogo, afinal, é a grande obra de engenharia social chamada soberania, que o governo reivindicou, por exemplo, quando negou a extradição do ex-guerrilheiro Cesare Battisti à Itália. Agora, no entanto, a palavra parece ter entrado em desuso nos diálogos em que os referidos organismos esportivos procuram impor suas próprias leis, não importa quais leis seus anfitriões possuam.
Ao longo de sua história, o Brasil baixou a cabeça para a banca internacional e submeteu parte da soberania ao FMI em momentos de triste memória. Será justo naquilo que ele tem de melhor, e não por menos exibe no peito cinco estrelas de campeão, que vai ceder tão dócil? Esperamos que não.
OPHIR CAVALCANTE é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Nenhum comentário:
Postar um comentário