De olho em seus problemas domésticos,
presidente americano propõe acordo de paz para Israel que não ouve
palestinos e é recebido com ceticismo pela comunidade internacional
DESCRENÇA
Donald Trump e Binyamin Netanyahu apresentam o plano de paz na
terça-feira 28: reconhecimento de assentamentos e do Estado Palestino
(Crédito: Joshua Lott / CNP)
Marcos Strecker
Em meio à fase mais delicada do seu processo de impeachment, Donald
Trump se voltou ao cenário internacional para tentar criar uma agenda
positiva. Ao lado do premiê israelense Binyamin Netanyahu, anunciou na
terça-feira, 28, em Washington, um plano de paz que daria cabo de sete
décadas de conflito entre israelenses e palestinos. Chamou-o de
“histórico” e “acordo do século”. Como é comum em suas iniciativas, o
anúncio espalhafatoso foi recebido com cautela e ceticismo. O principal
problema, por óbvio, é ausência dos palestinos nas negociações. O acordo
também propõe medidas controversas, como o reconhecimento dos
assentamentos israelenses na Cisjordânia e no vale do rio Jordão, que
são condenados por boa parte da comunidade internacional. Designa ainda
Jerusalém como a capital indivisível de Israel — também amplamente
rejeitada. Por outro lado, estabelece a criação do Estado Palestino —
sem forças armadas —, mais que dobrando seu território atual, e fixa a
capital palestina na parte leste de Jerusalém. Este último ponto, o
status de Jerusalém, é um dos mais delicados, e não ficou claro como a
solução se daria na prática. Também propõe uma ajuda de US$ 50 bilhões
dos EUA aos palestinos, o que permitiria a criação de “um milhão de
novos empregos”. PROTESTO Palestinos queimam cartazes com a imagem de Trump em Rafah, na faixa de Gaza: revolta contra o acordo que consideram pró-Israel (Crédito: SAID KHATIB / AFP)
Os detalhes do plano, no entanto, parecem não importar. Os principais
países do Oriente Médio não compareceram à sua apresentação, num sinal
claro de falta de apoio. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud
Abbas, que não participou da sua elaboração, reagiu com veemência e
classificou-o de “a bofetada do século”. Parte da desconfiança se deve à
orientação que Trump tem seguido em seu mandato, ostensivamente
pró-Israel. Faz isso para agradar seus apoiadores, mas também para se
distinguir de Barack Obama, que era bem mais prudente na disputa. Trump,
ao contrário, mudou a posição histórica americana. Reconheceu a
soberania israelense sobre os assentamentos e Jerusalém como capital de
Israel, transferindo a embaixada dos EUA para a cidade.
Para se chegar ao novo plano, pesou a proximidade do americano com
Netanyahu, que luta para se manter no poder. Ao mesmo tempo em que
enfrentará mais um pleito em 2 de março, o premiê israelense prepara-se
para ser julgado por acusações de corrupção. No mesmo dia do anúncio do
acordo, ele retirou um pedido de imunidade que havia feito ao Parlamento
israelense — a medida protegeria o premiê até a eleição. Agora, poderá
ser julgado por denúncias de fraude, abuso de poder e quebra de
confiança. Dessa forma, o tratado costurado por EUA e Israel serve antes
de mais nada aos dois mandatários com problemas domésticos. Numa prova
da conveniência política, o primeiro-ministro de Israel anunciou que
apresentará aos seus ministros no domingo, 2, um projeto de lei que deve
anexar na prática os assentamentos, como prevê o acordo. No ano
passado, durante a campanha pela reeleição, ele já havia prometido que,
caso eleito, tomaria essa medida. É uma ação simbólica, já que essas
áreas pertenciam à Jordânia e foram conquistadas por Israel na Guerra
dos Seis Dias, em 1967. “Mil vezes não. É a bofetada do século. Jerusalém não está à venda e os direitos dos palestinos não podem ser negociados” Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina (Crédito:ABBAS MOMANI / AFP)Conflito histórico
A paz entre israelenses e palestinos poderia desatar um dos
principais problemas geopolíticos mundiais no explosivo Oriente Médio. O
conflito sempre foi agravado por países que usam a disputa no tabuleiro
do poder da região. É o caso do Irã, que patrocina grupos como o Hamas,
em Gaza, e o Hezbollah, no Líbano. Mas o reconhecimento de Israel
deixou de ser um problema central para os líderes árabes. Ao mesmo
templo, a luta contra grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Estado
Islâmico tem despertado muito mais preocupação entre as potências e as
forças regionais. A resolução do conflito entre israelenses e palestinos
não é mais um tema central, apesar das importantes questões morais e
históricas em jogo. O acordo, também por isso, pode entrar em um limbo.
Há mais de meio século os líderes americanos procuram patrocinar uma
solução para a disputa. Jimmy Carter teve um papel importante em 1970,
no acordo de Camp David. Bill Clinton estimulou os Acordos de Oslo
(1993-1995), que deram o Prêmio Nobel da Paz a Yitzahk Rabin, Shimon
Peres e Yasser Arafat. Pelos problemas de origem, o plano de Trump
dificilmente terá a mesma repercussão e sucesso. O presidente dos EUA
não conseguirá seu lugar na história com ele. Espera-se, por outro lado,
que seja utilizado como base para novas negociações que levem, aí sim, a
uma paz duradoura.
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