Relatório da PF, produzido com base em mensagens do celular de Leo Pinheiro, da OAS, descreve encontros com o presidente do Senado na residência oficial, entrega de presentes e contém indicações de que o senador atendeu a interesses da construtora
Marcelo Rocha e Débora Bergamasco
Termina nesta
semana o prazo concedido à Polícia Federal pelo ministro Teori Zavascki,
relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), para a
conclusão do inquérito que relaciona o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL), ao esquema do Petrolão. Nele, Renan é suspeito de
ser beneficiário de propina desviada da Petrobras. A julgar pelo que os
investigadores conseguiram desvendar até agora, o presidente do Senado
terá dificuldades para escapar da denúncia. Obtido por ISTOÉ, relatório
produzido pela PF no Paraná, a partir do conteúdo encontrado num celular
do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, – condenado a 16 anos de prisão
por, entre outras razões, pagar propina a políticos –, é explosivo. O
material de 50 páginas indica uma série de mensagens trocadas entre
Pinheiro e seus auxiliares, em que o empreiteiro demonstra intimidade
com o presidente do Senado. Mais do que isso.
COMPLICOU
Relatório da PF revela intimidade de Renan com empreiteiro condenado no Petrolão
Trechos das conversas sugerem, de acordo
com os investigadores, a influência exercida pelo empreiteiro sobre
Renan, que à frente de uma das Casas do Congresso teria passado a atuar
em sintonia com as conveniências da OAS – uma das empreiteiras do
Petrolão que mais contribuíram para a campanha de seu filho ao governo
de Alagoas. Os documentos em poder da PF indicam que Pinheiro possa ter
influído para enterrar o projeto que proibia a doação privada a
políticos bem como a CPI dos gastos com a Copa, temas considerados de
suma importância para a empreiteira. Ambos dependiam da caneta e do
prestígio político de Renan para serem sepultados. E foi exatamente o
que ocorreu com as duas proposições entre 2013 e 2014. Da cadeira de
presidente do Senado, Renan mandou-as para o arquivo.
As mensagens encontradas no celular de
Pinheiro revelam que, para alcançar o seu objetivo de interferir em
projetos de seu interesse no Congresso, o executivo da OAS participou de
uma série de reuniões com Renan. Ao menos uma delas ocorreu no final de
semana. Diz o relatório: “Uma breve análise das mensagens trocadas
entre Leo Pinheiro e o usuário identificado por Renan Calheiros reflete
entre 2012 e 2014 ao menos 06 pedidos para encontro ou contato, 02
comunicações que indicam que um interlocutor (de Pinheiro) estava ou
estaria logo em um determinado local, 03 agradecimentos de Leo Pinheiro
para Renan Calheiros e 14 citações de notícia de Renan no email de Leo
Pinheiro”.
Numa sequência de mensagens rastreadas pela
PF, ocorridas entre os dias 13 e 17 de setembro de 2013, a Lava Jato
conseguiu identificar claramente a ingerência da OAS sobre a pauta do
Congresso. Segundo o relatório, em 13 de setembro de 2013, o assessor de
Leo Pinheiro, Marcos Ramalho, o comunica sobre um encontro com Renan na
residência oficial do Senado que ocorreria no domingo seguinte às 11h. A
reunião, avisou o assessor, havia sido agendada por Alexandre
Grangeiro, um conhecido lobista da OAS em Brasília. No dia marcado,
Pinheiro, em mensagem encaminhada ao assessor, checa o local do
encontro. “Bom dia. O encontro das 11hs será na residência da
Presidência?”. Ao que o assessor confirma: “Sim, na residência oficial”.
Procurado por ISTOÉ, Renan reconheceu por meio de sua assessoria que se
reuniu “em algumas oportunidades com o Sr. Leo Pinheiro”. “Todas as
conversas foram estritamente institucionais”, acrescentou a assessoria
de Renan. Para a PF, no entanto, a quebra do sigilo telefônico do
ex-presidente da OAS indica que a reunião de Pinheiro e Grangeiro com o
presidente do Senado, no domingo 15, serviu para que os três combinassem
o arquivamento de uma proposta que a empreiteira não gostaria que
prosperasse na Casa. O empreiteiro da OAS parecia empenhado em conseguir
o que queria. No dia seguinte, ele mandou entregar na casa de Renan um
corte de terno. Por acaso, era aniversário do presidente do Senado.
“Hoje é aniversário Sen. Renan Calheiros (corte já entregue)”, avisa seu
assessor pelo celular. Na terça-feira 17, dois dias depois do encontro,
consumou-se o desenlace esperado por todos. Pinheiro enviou uma
mensagem ao diretor jurídico da OAS, Agenor Valadares, em que afirmou
que o presidente do Senado estava, naquele momento, ligando para ele.
“Renan está me ligando. Engavetou?”, questionou Pinheiro. “Sim.
Engavetou. Porém a expectativa é de que só até dezembro. Em dezembro,
teria uma reavaliação”, respondeu Valadares. Para os investigadores da
Lava Jato, essa troca de mensagens revela que o que fora acertado com
Renan, na conversa na residência do Senado da qual participaram os
dirigentes da OAS, foi cumprido.
Para identificar o que tanto interessava à
OAS àquela altura, a Lava Jato cruzou as datas das mensagens trocadas
pelo celular com os temas em discussão no Senado durante aqueles dias.
Bingo! Os investigadores descobriram que tramitava na Casa um assunto
essencial para empreiteira: o projeto que acabava com as doações
eleitorais de empresas. De iniciativa do senador Randolfe Rodrigues
(Rede -AP), a proposta fez parte de uma minireforma política em
apreciação na Casa como resposta às manifestações populares que
ocorreram em junho daquele ano. O tema não interessava a empresários e
muito menos aos políticos. Por isso, a importância para a OAS do seu
engavetamento. Naquele momento, a Lava Jato não era uma realidade. Hoje,
perto de completar dois anos, a investigação revelou como são
intrincadas as relações entre financiamento eleitoral, políticos e
contratos com a administração pública. Em 2013, para o deleite de Leo
Pinheiro, o Senado presidido por Renan recusou a proposta de barrar o
dinheiro empresarial. No ano passado, o STF se encarregou de jogar uma
pá de cal nas doações privadas. Mas esta é outra história.
O arquivamento da proposta que poria fim às
doações de empresas a políticos não foi o único tema de interesse da
OAS que contou com a contribuição de Renan naquele ano. Segundo
relatório da Lava Jato, em 24 de julho de 2013, Pinheiro manifestou
outra preocupação ao lobista Alexandre Grangeiro. Naquela semana, havia
sido apresentado no Senado um requerimento para a criação de uma CPMI,
de autoria do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), para que fossem
investigados os gastos do governo brasileiro com a organização da Copa
do Mundo, incluindo as despesas com a construção dos estádios. A OAS foi
responsável pela construção das arenas Dunas, no Rio Grande do Norte, e
Fonte Nova, na Bahia. Portanto, não tinha interesse em uma investigação
parlamentar. Dizia a mensagem trocada entre os executivos da OAS e
rastreada pela PF: “O requerimento teve assinatura de 186 dep e 28 sen,
das 171 e 27 mínimas necessárias. Agora é preciso a leitura em sessão do
Congresso prevista para 20/08, mas depende de decisão de Renan. Os
parlamentares podem retirar assinatura até meia noite do dia da leitura.
Eu já mandei o requerimento anteriormente por email. Abs.” Segundo a
investigação da PF, Renan matou essa no peito. Foi articulada no Senado
a retirada de assinaturas, o que acabou se consumando em 20 de agosto,
quando quatro parlamentares recuaram. Em novembro de 2013, a PF
encontrou uma nova referência ao assunto no celular do então dirigente
da OAS. Pinheiro comenta com o diretor-executivo da OAS, Roberto Zardi,
sobre uma reunião na qual Renan e o então presidente da Câmara, Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN), participavam, fazendo um pedido para alguém
tratado como “presidente”. “Avisa para ele que Renan e Henrique estão
com presidente daí fazendo um apelo”.
O relatório com as mensagens do
ex-presidente da OAS está sendo analisado pelo grupo de procuradores e
policiais federais encarregados de investigar os políticos beneficiados
com dinheiro desviado da Petrobras. A OAS junto com outras empreiteiras
do Petrolão respondeu por 40% das doações eleitorais feitas ao filho de
Renan, atual governador de Alagoas. Em delação premiada, o empresário
Ricardo Pessoa, da UTC, disse que as doações a Renan Filho pelo caixa um
serviram para encobrir o pagamento de propina. Para a força-tarefa da
Lava Jato, Renan, que controla há muitos anos o diretório do PMDB de
Alagoas, seria o elo com a OAS. O caso se junta a outras frentes de
apuração que implicam Renan. O presidente do Senado é alvo de cinco
inquéritos que tramitam no Supremo. No início de novembro, a
procuradoria pediu a quebra do sigilo bancário e fiscal do parlamentar,
assim como a realização de buscas na residência oficial da Presidência
do Senado, no escritório do PMDB de Alagoas e endereços vinculados ao
deputado Aníbal Gomes. Zavascki poupou a residência oficial, mas deu
sinal verde para que fosse vasculhado o diretório estadual do partido de
Renan - diretório que, segundo o Ministério Público Federal, possui o
parlamentar como responsável junto aos registros da Receita Federal. Os
advogados do presidente do Senado reclamaram da decisão, alegando que
seu cliente já havia colocado suas informações bancárias e fiscais à
disposição das autoridades. Os investigadores ficaram satisfeitos com o
resultado das buscas. Encontraram documentos que corroboram a versão
apresentada pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto
Costa e o doleiro Alberto Youssef. De acordo com os dois delatores, o
próprio Renan também foi beneficiado com propina na forma de doação
eleitoral. “Renan tinha um representante para receber propina”, disse
Paulo Roberto Costa. Uma das comissões era repassada por fornecedores da
Transpetro, a subsidiária da Petrobras comandada entre 2003 e 2014 por
Sérgio Machado, aliado do senador. “Uma análise sistemática dos
depoimentos contidos no bojo do Caso Lava Jato, permite identificar
contornos muito claros de fato específico a envolver os parlamentares
Renan Calheiros e Aníbal Gomes, com a obtenção de vantagens a partir de
contratos firmados pela Transpetro”, afirmou o chefe do Ministério
Público Federal, Rodrigo Janot, no início de dezembro.
As suspeitas, neste caso específico, estão
relacionadas à licitação para a construção de estaleiro encarregado de
produzir barcaças e empurradores destinados ao transporte de etanol
entre Mato Grosso e São Paulo (hidrovia Paraná-Tietê). Há indícios de
irregularidades na licitação vencida pelo consórcio formado pelas
empresas SS Administração e Serviços, Estaleiro Rio Maguari S.A. e Estre
Petróleo Gás. Segundo o que revelaram Costa e Youssef, além das
informações colhidas pelo MPF, a SS Administração arrendou área na
cidade de Araçatuba com o objetivo de construir os comboios para a
Transpetro antes mesmo de iniciado o processo licitatório, num indício
de que o vencedor da concorrência já estaria escolhido. Além disso,
entre o início da licitação e a divulgação do resultado, as empresas do
consórcio vencedor - apesar de sediadas em São Paulo (SP) e Belém (PA) -
fizeram doações eleitorais em favor do diretório estadual do PMDB de
Alagoas. Foram transferidos, em 19 de julho de 2010, cerca de R$ 650 mil
para o PMDB de Alagoas. Parte do dinheiro seguiu no mesmo dia para o
caixa eleitoral de Renan. “Constata-se que em 19 de julho de 2010
ocorreram duas transferências para a campanha de Renan Calheiros, ambas
no valor de R$ 200.000,00, perfazendo-se um total de R$ 400 mil
correspondentes aos valores depositados pelas empresas que
fraudulentamente venceriam a licitação”, afirmou Janot. Por considerá-lo
o seu principal aliado no Congresso, o Planalto acompanha com lupa o
desfecho das investigações envolvendo Renan. Se, ao que tudo indica, o
peemedebista for denunciado, ele arrastará consigo a esperança do
governo de ver enterrados sumariamente o processo de julgamento das
contas de Dilma, reprovadas pelo TCU, e um eventual pedido de
impeachment, caso ele seja aprovado na Câmara. À espera do desfecho do
caso Renan, Brasília estremece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário