Levantamento obtido por ISTOÉ revela que Ministério da Educação divulgou um número de favorecidos 8,57% maior que o total de estudantes beneficiados em 2015
Ludmilla Amaral (ludmilla@istoe.com.br)
Nas vésperas do
segundo turno das últimas eleições presidenciais, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segurou dados e análises que
mostravam um aumento da pobreza e da desigualdade no País. A
justificativa oficial foi de que a lei eleitoral impediu a divulgação
dessas informações. Mas o desconforto foi tanto que um diretor do Ipea
pediu demissão. Essa não é uma prática que se resume a ano eleitoral.
Um levantamento obtido com exclusividade por ISTOÉ pela Lei de Acesso à
Informação revela que houve um superfaturamento das vagas do Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies) no ano passado . Para o 1º e 2º
semestres de 2015, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que o número
de bolsas disponíveis para estudantes universitários em todo o País que,
somados, era de 314 mil. Segundo os dados consolidados pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), foram preenchidas
287.123 mil vagas. Ou seja, 8,56% a menos do que o divulgado. Procurado
pela reportagem, o MEC não justificou por que no número oficial há 27
mil contratos a mais. “Se isso se confirmar é muito grave do ponto de
vista ético e de manipulação de dados”, diz o senador Cristovam Buarque
(PPS-DF).
Acima alunos fazem fila em universidade para renovar o Fies no ano passado.
Abaixo, estudantes em universidade que aderiram ao programa
Os problemas envolvendo o Fies começaram no
ano passado, quando universidades particulares entraram na Justiça
contra as mudanças promovidas no programa. As instituições acusaram o
governo de manobra ilegal, quebra de contrato e calote. Isso porque a
transferência de repasse federal passou a ser feita a cada 45 dias,
quando antes era realizada em 30 dias – de doze parcelas anuais, as
universidades passaram a receber oito. Além disso, muitos estudantes
brasileiros que ingressaram na faculdade no ano passado tiveram medo de
ter que desistir do curso. Diversas falhas no sistema do Fies impediam
que as inscrições fossem concluídas. “Esse problema no sistema foi algo
que o MEC nunca conseguiu explicar direito e sempre achei muito
estranho”, disse à ISTOÉ Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação no
segundo mandato do governo Dilma Roussef, de abril a setembro de 2015.
“Houve filas em muitas faculdades para os alunos renovarem o Fies, sendo
que a inscrição é feito pela internet.”
Para o advogado Gustavo Monteiro Fagundes,
especializado em direito educacional e consultor jurídico do Instituto
Latino Americano de Planejamento Educacional (Ilape), as dificuldades
encontradas pelos estudantes na hora de realizar o cadastramento podem
ter influenciado na diferença entre as vagas divulgadas pelo governo e
os contratos efetivamente firmados. “Foram vários problemas com repasse e
recompra no ano passado e calendários que não foram cumpridos e isso
gerou uma desconfiança das instituições com o MEC”, diz. “Essa suspeita e
as novas regras do Fies ajudaram a não atingir as vagas que o Estado
prometeu ofertar.” Procurado pela reportagem, o MEC disse em nota que
“foram disponibilizadas 314 mil vagas, com os devidos recursos
orçamentários, nos dois semestres. Entretanto, é necessário salientar
que a contratação do financiamento está condicionada ao cumprimento pelo
estudante. Caso o estudante não seja aprovado em todas as etapas, o
contrato não poderá ser aprovado. Portanto, o contrato não será
formalizado por inconsistência das informações prestadas pelo estudante e
não por conta do MEC.” Cristovam Buarque não aceita a justificativa do
ministério. “Eu tenho a impressão que o MEC não está dando a resposta
completa”, diz. “Como o governo não cuida da educação de base, os
alunos não estão preparados para seguir o curso universitário, nem
sequer conseguem preencher formulários, por isso acabam não preenchendo
as vagas.”
O ano passado foi o que menos teve
contratos firmados desde 2011, segundo ano de existência de programa nos
moldes em que existe hoje (leia quadro). O que mais levou alunos às
universidades por meio do financiamento do governo foi 2014, ano em que
Dilma tentava a reeleição, com 733 mil novos contratos. Mas, ao que tudo
indica, os próximos terão cada vez menos vagas. Segundo informações do
próprio MEC, entre 2014 e 2015 houve uma queda de 60,85% de novos
acordos firmados. Para o primeiro semestre de 2016, o MEC ofertou
250.279 mil financiamentos em 1.337 instituições de educação superior,
sob a taxa de juros de 6,5% ao ano. O Ministério divulgou que abrirá
novas inscrições para o segundo semestre, mas ainda não sabe quantas
vagas serão disponibilizadas.
Fotos: MARCELO D. SANTS/FRAME/ESTADÃO CONTEÚDO; Edilson Rodrigues/Agência Senado
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