Parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) faz campanha
nos bastidores para influenciar o presidente Jair Bolsonaro a dar um
segundo mandato à procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ao mesmo
tempo, o presidente tem intensificado o contato com o
subprocurador-geral Augusto Aras, que despontou como um dos cotados para
o cargo.
Raquel encerra seu mandato no dia 17 de setembro e é descrita por
apoiadores no Supremo e no Congresso como o melhor nome para dar
estabilidade institucional, enquanto Aras ganhou pontos com Bolsonaro ao
demonstrar alinhamento com a pauta de reformas do governo.
Além do apoio do presidente da Corte, Dias Toffoli, Raquel recebeu
uma defesa enfática do vice, Luiz Fux, em audiência na quarta-feira. Fux
será o próximo presidente do tribunal. Dois dias depois, Aras teve o
terceiro encontro no Palácio da Alvorada com Bolsonaro.
A disputa afunila
Mas, segundo interlocutores do presidente, além de Raquel e Aras, um
terceiro nome ganhou força na disputa: o do subprocurador-geral Paulo
Gustavo Gonet Branco. Católico e conservador, ele é amigo do ministro
Gilmar Mendes. Os dois foram sócios no Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP).
Segundo auxiliares de Bolsonaro, da lista tríplice formada em votação
da categoria de procuradores, o único que ainda pode ter chances é
Mario Bonsaglia – os outros nomes são Luiza Frischeisen e Blal Dalloul.
Interlocutores envolvidos nas discussões da escolha disseram, no
entanto, que o presidente é “imprevisível” e já falou que pode haver
surpresa.
A entrada de Fux em cena veio uma semana após Bolsonaro afirmar, em
evento em Manaus (AM), que o futuro chefe da Procuradoria-Geral da
República será alguém que tenha a visão diferente do que foi escrito até
o ano passado. O comentário de Bolsonaro, sem prévio questionamento,
foi enxergado por observadores como um sinal de que Raquel pode não ser
reconduzida.
Depois do encontro com Fux, Bolsonaro disse que a conversa era uma
forma de aproximação, considerando que o ministro será o próximo
presidente da Corte. “É o próximo presidente do STF, tenho que começar a
namorá-lo a partir de agora.”
A definição do nome do próximo procurador-geral da República é
considerada uma escolha-chave para o desenrolar do mandato de Bolsonaro,
que vai até dezembro de 2022. Dois interlocutores do presidente
enxergam essa definição como algo até mais importante que as duas vagas
para o STF que Bolsonaro pode escolher, já que o procurador pode
contestar ações do governo na Corte, além de apresentar denúncias contra
parlamentares e outras autoridades.
Tribunal
O peso do Supremo no processo de sucessão é grande. A Corte já deixou
claro que pode barrar atos do presidente, como fez ao derrubar trecho
de medida provisória que transferia a demarcação de terras indígenas da
Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura.
Além disso, uma liminar de Toffoli levou à suspensão das
investigações do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), no caso revelado
pelo jornal
O Estado de S. Paulo., que apurava um suposto esquema de desvio de verba de salários de funcionários do gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.
Toffoli barrou esse e outros casos em que houve compartilhamento de
dados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ou pela
Receita Federal sem prévia autorização judicial – medida defendida pelo
próprio presidente.
Previsibilidade
Para uma ala do STF, a recondução de Raquel é fundamental para
garantir um quadro de estabilidade e previsibilidade na relação entre os
Poderes. Um dos ministros já disse a interlocutores que ela é
competente do ponto de vista de respeito à institucionalidade e não se
deixou levar pela vaidade do poder. A procuradora-geral transita bem
entre diversos setores, como o dos militares. Aliados de Raquel destacam
que, para ela, não há “pontes dinamitadas”.
Vem da própria categoria, porém, a principal resistência à recondução
de Raquel, que decidiu não se submeter à votação da lista tríplice da
Associação Nacional dos Procuradores da República. Na quinta-feira,
procuradores-chefes das unidades estaduais do Ministério Público Federal
defenderam, em nota, a lista tríplice. O mesmo gesto havia sido feito,
semanas atrás, pelas principais forças-tarefa de combate à corrupção,
como Lava Jato, Greenfield e Zelotes. O apoio à lista equivale à
desaprovação da recondução.
O nome de Raquel, no entanto, não seria uma escolha natural para
Bolsonaro. Pesa contra ela o fato de ter denunciado o presidente por
racismo, o que serviu de munição para a oposição durante a pré-campanha
eleitoral. Ela denunciou também o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP),
por suposta ameaça a uma jornalista com quem teria tido um
relacionamento. Além disso, o entorno do presidente avalia que ela não
priorizou o combate à corrupção e que novos acordos de colaboração
premiada não avançaram durante a sua gestão.
Um dos consultores informais de Bolsonaro na área jurídica comentou
que Raquel “abraçou tanto Deus como o diabo”, com o propósito de ser
reconduzida, e que justamente isso seria o motivo de reservas quanto a
seu nome. Procurados, os gabinetes de Fux e Toffoli informaram que os
ministros não iriam se manifestar. (Colaborou Julia Lindner)
As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.